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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Alemanha considera retomar a contra-espionagem contra EUA

Sede do Bundesnachrichtendienst, agência alemã para assuntos estrangeiros 
Insatisfeitas com a falta de respostas de Washington no escândalo de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA na sigla em inglês), as autoridades de Berlim consideram uma nova abordagem. A Alemanha poderia iniciar medidas de contraespionagem dirigidas a seus aliados.

A pergunta parecia deslocada, especialmente feita três vezes. Uma jornalista de uma revista satírica queria saber se Thomas de Maizière gostava de salgadinhos de queijo. "Perguntas como essa são mais adequadas para o café da manhã na televisão do que aqui", retrucou o ministro. Era a primeira visita de De Maizière como ministro do Interior ao Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV na sigla em alemão), a agência de inteligência interna da Alemanha. E ele não estava com humor para brincadeiras.

Em vez disso, o ministro preferiu se concentrar no básico durante sua aparição duas semanas atrás, com a contraespionagem no topo de sua lista. A questão, ele advertiu, não deveria ser subestimada, acrescentando que a pergunta sobre quem estava fazendo espionagem tinha importância secundária.

Em outras palavras, a Alemanha pretende se defender contra todos os esforços de espionagem no futuro, mesmo que eles sejam cometidos por supostos amigos.

Enquanto as palavras do ministro podem ter soado inócuas, elas marcaram nada menos que o início de um confronto político. Longe do olhar do público, o governo alemão avança nos planos para voltar seus próprios espiões contra países parceiros como os EUA, colocando aliados no mesmo nível que chineses, russos e norte-coreanos.

Revelações humilhantes
A teimosia dos americanos, que responderam a poucas perguntas relevantes da Alemanha durante o escândalo de espionagem da NSA, irritou o novo governo, composto pelos conservadores da chanceler Angela Merkel (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda. Agora aumenta a pressão para que a Alemanha encontre suas próprias respostas para as perguntas que Washington tem ignorado. "Eles são como caubóis que só compreendem a linguagem do faroeste", dizem fontes do partido de Merkel, referindo-se à obstinação dos americanos. Dois órgãos do governo estão no centro da estratégia para restaurar o respeito perdido durante os meses de revelações humilhantes de que os EUA têm espionado a Alemanha: o Departamento para Proteção da Constituição e o Gabinete do Promotor Federal.

A nova assertividade de De Maizière ficou clara primeiramente na Conferência de Segurança em Munique no início deste mês. Durante uma discussão, ele levantou a questão com Mike Rogers, presidente da Comissão Permanente de Inteligência da Câmara dos Deputados e chamou a incansável coleta de dados pela NSA de "ilimitada". Ele disse que não podia sequer afirmar quais foram os danos políticos porque ainda não tinha informações vitais.

De fato, sobre muitas questões chaves o governo alemão ainda está voando tão cegamente quanto estava em junho passado, quando o denunciante Edward Snowden fez suas primeiras revelações sobre os esforços da NSA para espionar a Europa e outras partes do mundo. Em resposta às alegações que cercam os documentos vazados, tanto o Ministério do Interior quanto o da Justiça da Alemanha enviaram extensas listas de perguntas aos EUA. No final de outubro eles também enviaram um lembrete simpático. Mas mesmo então, depois de meses de espera, nenhuma resposta satisfatória foi oferecida.

Diplomatas deixam Washington de mãos vazias
Diversas delegações alemãs de alto nível viajaram a Washington em missões de averiguações, mas também voltaram de mãos vazias, na maior parte. Os americanos forneceram cerca de mil páginas de documentos que foram "desclassificados" neste outono, mas são basicamente parágrafos intermináveis sobre procedimentos e regulamentações. O resto ou está pintado de preto ou é irrelevante.

O chamado pacote Alemanha, que conteria todos os dados copiados por Snowden relativos à Alemanha, foi prometido mas não entregue. E não houve progresso sobre um "acordo de não espionagem", apesar de meses de idas e vindas sobre o assunto. Uma versão do documento, que deverá expor as regras para a cooperação entre os órgãos de inteligência alemães e americanos, foram arquivados por Washington. É provável que também continue lá.

Na semana passada, o próprio presidente Barack Obama recusou qualquer forma de "acordo de não espionagem". "Não há nenhum país onde tenhamos um acordo de não espionagem", disse Obama em uma entrevista coletiva durante a visita do presidente francês, François Hollande. O líder francês, que manifestou desejo semelhante ao da Alemanha, foi obrigado a voltar para Paris de mãos vazias.

EUA querem "virar a página"
Entre a Casa Branca e o Capitólio, as pessoas parecem estar revirando os olhos diante dos alemães. Elas dizem que já ouviram lamentos suficientes. Fontes próximas ao secretário de Estado John Kerry, especialmente, estão forçando para se distanciar do escândalo de espionagem. "Vamos virar a página", teria dito Kerry durante reuniões privadas com Merkel e o ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier.

Um novo capítulo está chegando, mas não será exatamente como Kerry o imagina. Os social-democratas estão cada vez mais irritados com a aparente ignorância dos americanos sobre como a Alemanha considera delicado o caso da NSA. "A guerra do Iraque foi brincadeira comparada com o golpe que nossas relações sofreram com o caso NSA", diz Dietmar Nietan, membro do Parlamento alemão que atua na questão das relações germano-americanas há anos.

Membros dos conservadores de Merkel têm opiniões semelhantes. Eles também temem que a chanceler sofra um duro golpe contra sua imagem se ela simplesmente aceitar o fato de que seu celular foi grampeado.

Contra esse pano de fundo, na verdade seria adequado tanto para os conservadores como para a SPD se o Promotor Público Federal Harald Range fosse em frente e abrisse uma investigação oficial das atividades de espionagem na Alemanha. O promotor-geral da Alemanha não tomou uma decisão sobre o caso ainda, mas a pressão está crescendo em Berlim. Em conversas informais, os ministros de governo do SPD - Heiko Maas no Ministério da Justiça, Steinmeier no das Relações Exteriores e Sigmar Gabriel no da Economia - chegaram a um acordo com seus colegas da CDU Peter Altmeier na Chancelaria e De Maizière de não atrapalhar qualquer investigação. Pelo contrário. Range, que há muito tempo acha que há bons motivos para uma investigação, hoje está sendo explicitamente encorajado a agir.

Deixando espiões fora do gancho
Recentemente, autoridades do Ministério da Justiça de Maas indicaram para o Gabinete do Promotor Federal que seria incompreensível dispensar investigações só porque poucos esperam que elas produzam resultados. "Não é possível que estejamos caçando ladrões comuns mas nem sequer tentemos investigar quando o celular da chanceler foi grampeado", teria dito Maas em uma discussão interna.

Ainda assim, e por mais que o novo governo queira mostrar sua firmeza, é improvável que uma investigação desse muitos frutos. Portanto, Berlim também considera seriamente romper um tabu e espionar seus próprios amigos. Seu veículo preferido seria a Seção 4 do BfV, que é responsável pelas iniciativas de contraespionagem da Alemanha.

O BfV, sediado em Colônia, há muito tempo divide o mundo da espionagem em bons e maus. Os russos, chineses, iranianos e norte-coreanos sempre foram relegados ao lado ruim, e o órgão lidou especificamente com essas ameaças. Mas os americanos, os britânicos e os franceses foram essencialmente considerados imunes.

"Não podemos ignorar países aliados"
Especialistas em política interna de todos os partidos gostariam de mudar isso. "Temos que pôr fim à abordagem desigual e colocar todos no mesmo nível", diz o político da CDU Clemens Binninger, o novo chefe do Painel de Controle Parlamentar, que é responsável por supervisionar os órgãos de inteligência no Parlamento.

"Temos de nos proteger, não importa de onde venham as ameaças", concorda o especialista em assuntos domésticos do SPD, Michael Hartmann. E mesmo a União Social Cristã, que é tradicionalmente amistosa com os EUA, está preocupada. "Não podemos ignorar os países aliados", diz Stephan Mayer, o porta-voz de assuntos internos da CSU, que tem poder no governo e é o partido irmão da CDU de Merkel na Baviera.

Os planos para monitorar os aliados já estão avançados. A Seção 4 no BfV, onde apenas cem especialistas eram empregados, deverá ser expandida de modo significativo. Além disso, planeja-se uma espécie de "observação light": os parceiros ocidentais não serão alvo de todo o espectro de instrumentos de inteligência disponíveis, como monitoração de telefones, aquisição de fontes ou observação direta. Mas as autoridades alemãs farão o possível para manter em vista o que acontece nas embaixadas e consulados, saber mais sobre quem trabalha lá e determinar a extensão de suas capacidades técnicas. Em suma, elas querem saber, por exemplo, se os departamentos do governo alemão estão sendo monitorados pela embaixada americana em Berlim.

Hans-Georg Maassen, diretor do BfV, já começou. Ele pediu que a embaixada dos EUA forneça nomes e dados do pessoal da inteligência que está na Alemanha com credenciais diplomáticas. Ele também pediu informações sobre empresas privadas com as quais os EUA cooperam na Alemanha em questões de inteligência. Segundo fontes do BfV, a agência já tem uma visão geral melhor do que acontece do que apenas alguns meses atrás.

Até a menor das três agências de inteligência alemãs, o Serviço de Contraespionagem Militar (MAD na sigla em alemão), que se situa nas forças armadas e realiza algumas operações de inteligência interna, contempla uma nova abordagem. Ulrich Birkenheier, diretor do MAD, está examinando se sua organização deveria prestar mais atenção nas agências de inteligência aliadas.

Dando uma lição nos EUA
As mudanças significam que nove meses depois do caso da NSA o governo alemão ruma para um sério confronto com os EUA. Este marcaria uma ruptura com a prática de décadas de permitir que parceiros ocidentais basicamente façam o que quiserem na Alemanha. É claro que há várias vozes - a maioria delas na Chancelaria e no Ministério do Interior - que advertiram que monitorar mais os aliados poderá provocar consequências imprevistas e potencialmente causar danos às parcerias existentes. Outras autoridades graduadas, porém, dizem que sem essa mudança de enfoque os EUA não compreenderiam totalmente as ramificações do caso NSA.

Uma decisão definitiva ainda não foi tomada. Os Ministérios das Relações Exteriores e do Interior e a Chancelaria continuam no processo de encontrar uma posição comum. Esse também é um motivo para o adiamento da visita de Merkel a Washington. Originalmente, março havia sido considerado, mas hoje só se diz que a chanceler fará a viagem "na primavera".

Poderá ser mais à frente. Fontes do governo dizem que Merkel só viajará quando Berlim chegar a uma posição comum sobre inteligência. E quando estiver definido antes de ela embarcar de que poderá voltar com um claro sucesso. Merkel precisa de um escalpo. Ainda não está claro exatamente qual será.

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