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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Alemanha revê política externa e considera papel militar mais forte

O ministro de Relações Exteriores Frank-Walter Steinmeier e a ministra da Defesa Ursula von der Leyen querem que a Alemanha assuma um papel maior nas questões mundiais, inclusive em missões militares no estrangeiro. A posição deles marca uma ruptura com a política de contenção de Angela Merkel.

A reunião da última terça-feira (28) entre o ministro de Relações Exteriores alemão Frank-Walter Steinmeier e seu colega francês Laurent Fabius não poderia ter sido mais harmoniosa. Ternos cinza-escuros, camisas brancas, gravatas azuis --parecia que os dois tinham até coordenado as roupas ao enfrentar a imprensa. Steinmeier disse que já se sentia em casa depois de visitar o ministério de Relações Exteriores francês pela terceira vez em duas semanas. Fabius elogiou educadamente sua amizade com o querido "Frank-Walter".

As relações entre Berlim e Paris há muito tempo não estavam tão boas, e isso é evidente não só nas trocas efusivas de elogios. Os franceses agora querem seguir o exemplo alemão na política econômica, depois de dois anos resistindo. Berlim por sua vez quer fornecer um apoio maior a Paris nas missões militares na África no futuro. "A Europa não pode deixar a França sozinha", disse Steinmeier.

É um grande passo não só para a França, mas também para a Alemanha. O novo governo alemão, que assumiu há apenas um mês, está tomando um novo rumo na política externa. A questão central do predecessor de Steinmeier, Guido Westerwelle, era: "Como podemos nos manter fora de conflitos armados?" Westerwelle preferia uma cultura de contenção militar, o que significava deixar as tarefas desagradáveis para os outros.

Agora, dois ministros da nova coalizão da chanceler Angela Merkel, que combina os conservadores de seu partido com os sociais-democratas de centro-esquerda, começaram a abandonar o legado de Westerwelle. Steinmeier e a ministra da Defesa Ursula von der Leyen acreditam que uma potência econômica como a Alemanha não pode continuar como espectadora. Eles querem mostrar aos aliados que eles podem contar com a Alemanha. "Não podemos desviar o olhar quando assassinatos e estupros acontecem diariamente", disse von der Leyen em entrevista à Spiegel.

Sem disposição quando as coisas ficam perigosas
A nova abordagem já levou a mudanças concretas de política. A Alemanha planeja enviar mais soldados para apoiar a campanha da França contra os islamistas no Mali. O governo também considera fornecer aeronaves militares para transporte e evacuação médica na República Centro-Africana. Este rumo não é inteiramente novo. Quando foi chefe de gabinete do chanceler Gerhard Schroeder entre 1998 e 2005, Steinmeier ajudou a formular uma audaciosa política externa para a Alemanha. Steinmeier não quer lançar a Alemanha em aventuras militares no exterior. Mas, assim como von der Leyen, percebeu o prejuízo que Westerwelle causou com discursos em defesa de uma "política de contenção militar".

A posição de Westerwelle era de manter o papel passivo que a Alemanha Ocidental havia desempenhado na Guerra Fria, antes que a Alemanha atingisse a soberania plena com a unificação. Embora sua posição tenha sido motivada principalmente pela política interna, colaborava com uma acusação velada de que Londres, Paris e Washington gostavam de puxar o gatilho. E os parceiros da Alemanha não gostaram disso. A Alemanha ganhou a reputação de uma nação moralista sempre pronta a apontar o dedo, mas sem disposição para se envolver quando as coisas ficavam perigosas.

Steinmeier e von der Leyen querem que isso mude. "Queremos reativar o Ministério de Relações Exteriores", disse na semana passada o secretário de Estado Markus Ederer, um confidente próximo de Steinmeier. Outro alto funcionário do ministério colocou ainda com mais clareza: "Está ficando mais difícil a cada mês justificar uma política de contenção militar."

Von der Leyen concorda. Ela quer usar o Ministério da Defesa para forjar uma política europeia comum de segurança, e colocar a Alemanha, e ela própria, é claro, à frente desta iniciativa. Mas o projeto só terá credibilidade se a Alemanha de fato assinar envios de tropas para lugares perigosos.

Merkel desiludida com missões militares
A posição adotada pelos dois ministros vai contra a política que Merkel seguiu ao longo dos últimos quatro anos. Merkel não impediu os planos para uma missão maior em Mali mas seus auxiliares tentaram evitar criar a impressão de que isso faz parte de uma mudança de política. "Não há uma mudança fundamental em relação às missões exteriores", disse um funcionário sênior da Chancelaria.

Em seus oito anos no governo até agora, Merkel perdeu a fé na ideia de que a intervenção militar pode trazer melhorias. Ela ficou particularmente desiludida com a missão alemã no Afeganistão. Além disso, ela tende a ser influenciada pelas pesquisas de opinião, que mostram que os alemães são céticos em relação ao exército se envolver em missões de combate.

O resultado é que o rumo da política externa da Alemanha promete ser uma questão de debate no gabinete de Merkel nos próximos anos. O quão delicada a situação já se tornou ficou claro há duas semanas.

Merkel, von der Leyen, Steinmeier e o líder do SPD Sigmar Gabriel se encontraram fora da reunião de gabinete antes de um encontro dos ministros de exterior da UE, marcada para a próxima segunda-feira para tratar das formas pelas quais a Europa poderia apoiar mais a missão militar francesa na África. Ficou claro que Berlim terá que chegar a uma posição comum.

Numa cúpula da UE em dezembro, Merkel respondeu negativamente ao desejo francês de um apoio mais forte por parte da Europa. Agora, entretanto, ela se recusou a usar seu veto. Ela quis transmitir aos franceses uma mensagem de que eles não seriam abandonados. Mas ficou claro o quanto Merkel é cautelosa em relação à missão militar quando ela observou que era necessária uma maioria parlamentar para a operação. Sua mensagem foi clara: uma decisão final ainda não havia sido tomada.

Ainda assim, Steinmeier e von der Leyen podem considerar a mudança de ideia preliminar de Merkel como um sucesso. Mesmo antes de jurar seu cargo, o ministro de exterior havia pensado como poderia recuperar parte da influência que seu ministério havia perdido para a Chancelaria nos últimos anos. Ele sabe que até os pequenos passos são valiosos.

Oferta para destruir armas químicas sírias
Imediatamente após assumir o cargo em dezembro passado, Steinmeier explorou se seria possível que armas químicas sírias fossem levadas à Alemanha para serem destruídas. Seu predecessor, Guido Westerwelle, havia se oposto à ideia, temendo que o transporte de armas químicas pudessem encontrar o mesmo tipo de protestos violentos e inflamados que acompanham os carregamentos de lixo radioativo no país. De fato, quando o conselheiro de política externa de Merkel Christoph Heusgen disse em novembro passado que a Alemanha poderia se envolver na eliminação de armas químicas sírias, o porta-voz de Merkel Steffen Seibert logo expressou sua desaprovação. Merkel não quis arriscar um conflito com Westerwelle na questão.

Do ponto de vista de Steinmeier, a destruição de armas químicas da Síria oferece uma ótima oportunidade para a Alemanha demonstrar sua disposição em assumir responsabilidade sem ter de assumir muito risco. Von der Leyen concordou durante uma reunião entre os dois no início deste mês. Juntos, eles convenceram Merkel.

Steinmeier também gostaria de se envolver mais na Europa do que seu predecessor. O ministro de Relações Exteriores francês Fabius mal podia esconder seu desprezo por Westerwelle quando os dois se encontravam. Agora, ele expressou sua disposição de acompanhar Steinmeier em suas viagens. "O ministério de Relações Exteriores percebeu que a chave para o projeto europeu está nas relações França-Alemanha", diz Ulrike Guérot da Open Society Initiative for Europe.

Volker Perthes, diretor do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança, também acredita que o passo em direção à França dado pela ministra da Defesa e pelo ministro de Relações Exteriores é importante. "Esses sinais com frequência são um pré-requisito para mudanças significativas", disse ele.

A principal dúvida, contudo, permanece, de se von der Leyen e Steinmeier podem juntos fazer avanços no domínio da política externa na Chancelaria de Merkel. O fato de que os dois tenham ideias semelhantes sobre o papel da Alemanha no mundo certamente ajudará. Steinmeier gostaria de fortalecer as instituições europeias enquanto von der Leyen, em seu antigo papel como ministra do trabalho, expressou seu apoio aos "Estados Unidos da Europa". Merkel, por outro lado, tem pouco tempo para esses sonhos. Ela já tem muito a fazer.

Tradicionalmente, todavia, o ministério de Relações Exteriores e o ministério da Defesa estiveram presos numa competição amarga, o que não facilita a manutenção de uma harmonia duradoura. Além disso, von der Leyen ainda está insegura sobre o quanto deve confiar em Steinmeier. Quando os planos para a missão no Mali vazaram para o jornal Süddeutsche Zeitung no início deste mês, von der Leyen imediatamente suspeitou que Steinmeier estivesse por trás da indiscrição. O ministro de Relações Exteriores negou, mas a ministra da Defesa não se convenceu.

Ainda assim, os dois planejam se apresentar como representantes de uma Alemanha mudada na Conferência de Segurança de Munique, que começa na sexta-feira. Nos últimos anos, Berlim esteve na posição desconfortável de ter que defender sua passividade na conferência. Este ano, os alemães querem mudar a narrativa.

É uma mensagem que o chefe de Estado alemão, presidente Joachim Gauck, planeja transmitir também. Em seu discurso de posse, Gauck planeja convocar os alemães a reconhecerem seu lugar no mundo, de acordo com planos de seu gabinete.

Chamado para política de defesa conjunta europeia
A ministra da Defesa von der Leyen não está apenas interessada em melhorar a imagem da Alemanha entre os aliados. Em vez disso, ela também gostaria de desenvolver uma política de defesa europeia que faça jus ao nome. Até agora, esses planos sempre fracassaram diante da oposição de países como a França e a Inglaterra, que não sonhariam em delegar qualquer controle sobre seus exércitos a Bruxelas, sacrificando assim uma parte de sua soberania.

Von der Leyen tem esperança de que Paris e Londres possam começar a reconsiderar sua posição dada o crescente aperto nos gastos que todos os governos europeus estão sentindo. Os orçamentos de defesa estão encolhendo e até os países maiores estão começando a se perguntar se vale a pena comprar aeronaves de transporte caras ou jatos de guerra quando seu aliado do outro lado da fronteira já tem esses aviões parados nos hangares.

Essa junção e compartilhamento de capacidades militares até agora não passa de teoria, pelo que a Alemanha é parcialmente culpada. Logo após a abstenção de Berlim no Conselho de Segurança sobre a Líbia em 2011, a Alemanha retirou suas tropas até dos voos de vigilância sobre o Mediterrâneo. A França e a Inglaterra não queriam se tornar dependentes do aparato alemão que talvez não possam usar em caso de necessidade.

Von der Leyen gostaria de aumentar a credibilidade da Alemanha e até puxou o assunto de um exército conjunto europeu. Há apenas um ano, seu antecessor Thomas de Maizière rejeitou a ideia na Conferência de Segurança de Munique.

O quão longe Steinmeier e von der Leyen chegarão com suas ideias para uma nova política depende em garnde parte de Merkel. Nos últimos anos, a Chancelaria não esteve sempre contente com as escolhas de palavras de Westerwelle, mas apoiava sua política de contenção militar.

Merkel acredita que o papel da política externa da Alemanha deveria ser principalmente de facilitar que os aliados resolvam as crises sozinhos em regiões difíceis. Para isso, ela autorizou exportações substanciais de armas alemãs para países autoritários como a Indonésia e Arábia Saudita.

Na semana passada, durante um retiro do gabinete perto de Berlim, Steinmeier e von der Leyen apresentaram sua visão de uma nova política externa da Alemanha, com o ministro de Relações Exteriores concentrado no Mali e a ministra da Defesa falando sobre a África Central. Quando terminaram, Merkel disse: "Não vou dizer sim ou não para a missão". Dificilmente alguém chegaria a uma formulação mais precisa sobre sua abordagem da política.  

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