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terça-feira, 7 de junho de 2011

No Paquistão, Exército continua a ditar sua lei à classe política

A incursão americana contra Osama Bin Laden fragilizou os militares, acusados de incompetência

É a grande decepção dos partidários de uma modernização democrática do Paquistão. O “caso Bin Laden” não resultou, como eles queriam, em um questionamento da autoridade exercida pelo Exército sobre a vida política do país. No entanto, a incursão americana do dia 2 de maio em Abbottabad, em que o líder da Al Qaeda foi morto, deixou os militares atordoados. Intrusão não detectada de helicópteros de comandos da marinha americana “violando a soberania nacional”, revelação da presença do terrorista mais procurado do mundo em uma cidade de guarnição paquistanesa: as acusações de negligência, ou até de conivência, mancharam gravemente a imagem do Exército.

O momento teria sido ideal para que o Partido do Povo Paquistanês (PPP) – originado da dinastia Bhutto – reafirmasse sua autoridade diante de um exército de influência cada vez mais tentacular. Em 64 anos de existência no Paquistão, o Exército dirigiu continuamente o país, fosse diretamente, sob forma de um regime golpista, fosse indiretamente, manipulando governos eleitos de fundações frágeis. Ora, esse despertar do poder civil, que teria permitido pacificar a relação do Paquistão com seu ambiente regional, não ocorreu. “É uma pena que uma oportunidade de ouro como essa não tenha sido aproveitada”, lamenta Ayaz Wazir, diplomata aposentado que já cuidou da questão afegã.

A “oportunidade” era real. No dia seguinte à incursão de Abbottabad, o Exército esteve sob fogo das críticas. “Normalmente o Exército repreende os políticos, acusando-os de corrupção e de incompetência”, ressalta Saifullah Khan Mahsoud, diretor do Fata Research Center (FRC), com sede em Islamabad. “Agora é a vez do Exército de ser acusado de incompetência.” Foi um choque para a opinião pública o fato de que o “guardião da nação”, como o Exército gosta de se apresentar, tenha sido incapaz de detectar a irrupção das forças especiais americanas em solo paquistanês. “Nós nos sentimos humilhados”, diz Mahsoud.

Ao fiasco de Abbottabad somou-se a controvérsia suscitada pelo audacioso ataque de um comando jihadista ligado à Al Qaeda, no dia 22 de maio, contra a base aeronaval Mehran em Karachi, uma operação de tipo “fedayin” que revelou sérios problemas internos.

Essa onda de críticas é sem precedentes desde os erros do fim da era do general-presidente Pervez Musharraf (1999-2008). Ela marca um golpe a uma impressionante revalorização em 2010, consequência da imperícia da presidência de Asif Ali Zardari, viúvo da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, sobretudo durante as trágicas inundações que atingiram o país no mês de agosto. Antes da incursão de Abbottabad, o Exército havia voltado a dirigir o país.

As mesmas causas produzem os mesmos efeitos. Pois a incompetência do poder civil lhe impediu de reafirmar sua autoridade sobre os juízes, especialmente sobre o todo-poderoso serviço secreto do Exército, o Inter Services Intelligence (ISI), um verdadeiro Estado dentro do Estado. No dia 13 de maio, o general Ashfaq Kayani, chefe do estado-maior, e o general Shuja Pasha, diretor do ISI, fingiram humildade ao se explicarem – fato excepcional – diante do Parlamento reunido em sua totalidade em Islamabad.

Os parlamentares ouviram educadamente. No dia seguinte, aprovaram por unanimidade uma resolução que denunciava a “violação da soberania do Paquistão” constituída pela “ação unilateral de Abbottabad”. Acima de tudo, eles reafirmaram sua “total confiança nas forças armadas do Paquistão”. O PPP do clã Bhutto, que controla a maioria parlamentar, assim se inclinou diante do Exército que o havia combatido historicamente.

“A mudança não ocorreu porque o governo é fraco demais”, analisa Ayesha Siddiqa, ensaísta e especialista em exércitos. “O PPP não tem nenhuma coluna vertebral”, diz Rashed Rahman, diretor de redação do jornal liberal “Daily Times”. “Achavam que ele era fraco, mas na verdade ele é inconsistente”, acrescenta um observador estrangeiro.

Então é esse o statu quo no Paquistão. Um exército intrusivo continua a ditar sua lei a uma classe política infantilizada por décadas de subordinação. Isso quer dizer que o impacto de Abbottabad não vai deixar vestígios? Na verdade, não. Segundo inúmeras fontes, é grande o mal-estar dentro do próprio Exército, fragilizando os generais Kayani e Pasha diante de seus pares. Essa instabilidade deverá, a curto prazo, afastar uma ameaça de derrubar o PPP do governo, que nos últimos meses tem se sujeitado a manobras obscuras de desestabilização atribuídas a certas agências do Exército. Mas o poder militar no Paquistão dispõe de recursos o bastante para se restabelecer.

“A imagem do Exército acaba de sofrer um baque”, afirma Ayesha Siddiqa, “mas trata-se de um revés temporário.” Nessas condições, é difícil ver como as opções estratégicas do Paquistão – sobretudo seu apoio clandestino a certos grupos jihadistas que operam no Afeganistão ou na Cashemira indiana – poderiam ser melhoradas.

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