O Kremlim está flertando com a Otan – e a aliança militar ocidental está agarrando sua chance de aprofundar os laços com seu antigo inimigo. O chefe da Otan, Anders Fogh Rasmussen, pedirá à Rússia para apoiar um sistema de defesa comum durante sua visita a Moscou – um escudo antimísseis que vai de Vancouver a Vladivostok.
O secretário geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, que esteve em Moscou para conversas na quarta-feira (3), sem dúvida está satisfeito com o fato de que Dmitri Medvedev é o presidente da Rússia em vez de Vladimir Putin. Rasmussen encarregou-se pessoalmente da tarefa de melhorar as relações da Otan com seu antigo inimigo. Pouco depois que foi nomeado no ano passado, correu para Moscou e pediu a ajuda da Rússia no Afeganistão, sob a forma de fornecimento de rifles de assalto e helicópteros. Desta vez, Dane viajou para a capital russa para estabelecer um terreno comum antes da reunião de cúpula da Otan em Lisboa em 19 e 20 de novembro, numa determinada demonstração de parceria.
Putin, por outro lado, atacou o “uso exagerado quase incontível da força militar” pela Otan e os EUA em seu famoso discurso na Conferência de Segurança de Munique em 2007, na qual ele alertou que a Rússia tinha sistemas de armamento que poderiam passar pelo escudo antimísseis de Washington, projetado originalmente para interceptar mísseis do Irã.
No governo de Medvedev, pelo contrário, o Kremlim parece pronto a contemplar a ideia de a Rússia se unir à Otan um dia. O Instituto para Desenvolvimento Contemporâneao, cujo quadro de integrantes é liderado por Medvedev, pediu um documento estratégico para a Rússia se integrar à Otan.
Melhora rápida
Mas quando Medvedev quis debater esses assuntos no Fórum Político Mundial em setembro, Putin sabotou a conferência e convocou às pressas uma reunião de governo. Os ministros que deveriam viajar para a conferência em Yaroslavl tiveram que ficar em Moscou.
As relações entre a Rússia e a Otan não melhoraram tanto e tão rapidamente durante anos, pelo menos desde a política da Perestroika de Mikhail Gorbachev no final dos anos 80. Ele derrubou a antiga doutrina de Brejnev, segundo a qual Moscou havia proclamado o direito de interferir nos assuntos de seus “Estados irmãos socialistas”, e garantiu aos antigos Estados vassalos da Europa central e do leste o direito de escolher seu próprio destino. O Ocidente chamou a política de “Doutrina Sinatra”, em referência à música “My Way” do cantor.
A euforia logo se esvaneceu. Durante a crise dos Bálcãs nos anos 90, a Rússia insistiu em interferir na determinação do destino da Iugoslávia em colapso. Moscou se sentiu humilhada e ignorada durante a campanha de bombardeio da Otan contra seus “irmãos sérvios” na guerra de Kosovo em 1999, e despachou uma unidade de paramilitares que ocupou o aeroporto de Pristina antes que as tropas da Otan chegassem lá.
Mas isso é passado. As relações entre a Otan e a Rússia estão começando a descongelar em três grandes áreas:
Defesa antimísseis
Desde que o presidente norte-americano Barack Obama desistiu de um plano de seu antecessor George W. Bush para estabelecer um escudo antimísseis unilateralmente, as relações entre Washington e Moscou melhoraram muito. Rasmussen até convidou a Rússia a se tornar parte de um sistema transatlântico de defesa ao qual ele se refere como “teto de segurança de Vancouver a Vladivostok”.
Afeganistão
Em 28 de outubro, forças norte-americanas e russas realizaram uma operação conjunta na província afegã de Nangarhar e destruíram quatro laboratórios de ópio, bem como uma tonelada de heroína. O embaixador da Rússia na Otan, Dmitry Rogosin, há muito vem pedindo que a Otan fortaleça a luta contra as drogas.
A Rússia está sofrendo como nenhum outro país por causa do fluxo de drogas do Afeganistão. Rotas de transporte importantes para o ópio passam pela Rússia por meio da Ásia Central e há um número cada vez maior de dependentes. A operação em Nangarhar mostra o quanto a Otan quer envolver a Rússia na missão e está disposta a aceitar o atrito que isso causará com o presidente afegão Hamid Karzai.
Os EUA e a Otan querem que a Rússia assuma um papel maior no Afeganistão. Atualmente, Moscou fornece ajuda logística para o suprimento da Otan. A Otan também discute a compra de helicópteros russos Mi-17 que eram especialmente designados pelos soviéticos para uso no Afeganistão.
Aumento da Otan
Oficialmente, a Otan está de portas abertas para a Geórgia, oponente da Rússia no conflito de 2008 pela Ossétia do Sul. Mas é muito pouco provável que a Geórgia entre para a Otan tão breve, e o mesmo se aplica à Ucrânia, cujo novo presidente Viktor Yanukovych se concentrou em aprofundar os laços com Moscou.
Recentemente, Medvedev recebeu um grupo de analistas internacionais, que incluiu Wolfgang Ischinger, chefe da Conferência de Segurança de Munique. Medvedev, entusiasta de Internet, pegou seu iPad e disse: “toda nova ideia precisa de uma nova estrutura.”
O presidente russo está convencido de que a arquitetura de segurança da Europa está ultrapassada. Medvedev já havia esboçado sua visão de uma “área de segurança entre Vancouver e Vladivostok” há dois anos.
Medvedev, disse Ischinger depois da reunião, busca uma política internacional diferente da dos “outros ex-presidentes”, referindo-se a seu predecessor e antigo mentor, Putin.
“Os russos estão vendo que a Otan está mudando”, diz Alexander Rahr, analista russo do Conselho Alemão de Relações Internacionais. O campo liberal de Medvedev quer se integrar com o Ocidente. “Mas isso exigirá muito trabalho”, acrescentou Rahr. “Um tom positivo está sendo dado à relação e o objetivo é não excluir nenhuma possibilidade. Um acordo nos próximos 10 ou 15 anos é ilusório, entretanto. Mas talvez terminemos com uma estrutura na qual a Rússia não seja um membro da Otan no papel, mas uma parte efetiva da aliança.”
O tom do debate sobre a Otan mudou até mesmo fora do campo liberal de Medvedev. Em abril, o jornal nacionalista patriótico Zavtra de Moscou escreveu que os soldados da Otan convidados pelo Kremlin para marchar na Praça Vermelha para celebrar o 65º aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista haviam, “graças aos traidores dentro do Kremlin”, concluído o objetivo de Hitler de subjugar a Rússia.
Mas recentemente o jornal entrevistou David Hobbs, secretário geral da Assembleia Parlamentar da Otan. “Hoje a Rússia não representa uma ameaça à Otan”, disse Hobbs. “Podemos nos destruir seriamente, mas não ganharemos nada fazendo isso.”
A Otan e a Rússia precisam agora realizar a tarefa mais difícil, diz Hobbs. “Precisamos nos livrar das memórias da Guerra Fria.”
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