Social Icons

https://twitter.com/blogoinformantefacebookhttps://plus.google.com/103661639773939601688rss feedemail

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Esquecida no Iraque, cidade sitiada enfrenta destruição pelo Estado Islâmico

O mundo percebeu quando os yazidis precisaram de ajuda. Mas, desde junho, uma cidade turcomana no norte do Iraque está sitiada pelo (EI) Estado Islâmico. O número de mortos continua crescendo, porém, até o momento, a população de Amirli está enfrentando o EI por conta própria.

"Eu recebo todo dia cerca de 100 pacientes. Há bombardeios todo dia. Alguns dos ferimentos são muito complicados, pernas amputadas, ferimentos na cabeça. Mas eu não disponho de materiais para fornecer um tratamento sério. Há casos em que coloco os pacientes com vida no helicóptero e eles morrem quando chegam a Bagdá."

O dr. Khaldoun Mahmoud fala extremamente rápido, por um bom motivo. Resta apenas um lugar na cidade de Amirli, no norte do Iraque, onde ainda resta um pouco de sinal de celular: no heliponto no alto da cidade. E a cada chamada, ele está arriscando sua vida. Os combatentes do Estado Islâmico cercaram a cidade e estão a apenas um quilômetro de distância.

Os jihadistas estão tentando cortar o último elo de Amirli com o mundo exterior e posicionaram sua artilharia à vista do heliponto. Um helicóptero do exército iraquiano ainda pousa aqui duas vezes por semana, trazendo à cidade um mínimo de suprimentos. No caminho de volta, ele transporta os feridos. Sem os voos, a população de Amirli estaria completamente abandonada à própria sorte e sucumbiria rapidamente ao sítio.

"É como genocídio", diz Mahmoud. "O Da'esh" –a abreviação em árabe do Estado Islâmico– "ataca mulheres, crianças, soldados, ele não faz diferença entre eles. De uma família que tentou escapar, apenas duas crianças voltaram com vida. Elas carregavam os cadáveres do restante da família com elas. Pessoas estão morrendo de desnutrição. Elas estão bebendo água suja e tendo úlceras, sangramento e diarreia".

O médico recita rapidamente os casos que viu. Como o do pequeno Hussein: "Ele estava com fome e me pediu comida. Eu comecei a chorar porque ele estava com fome demais e lhe dei um pouco de comida. Dois dias depois, ele foi morto em um ataque com morteiro. O morteiro explodiu acima do pai dele e depois só pudemos encontrar pedaços dele."

Ele então riu, uma expressão maníaca de desespero de um médico responsável por 13 mil pessoas. "Talvez eu enlouqueça se não conseguir manter meu senso de humor. Eu tento brincar com as crianças que trato. As pessoas precisam acreditar que alguém as está ajudando. Mas às vezes eu não disponho de conhecimento para ajudar as pessoas", ele lamenta. "Eu sou apenas um dentista."

Ninguém para protegê-las
Nas últimas semanas, o destino de milhares de yazidis de Sinjar dominou as manchetes mundiais, enquanto buscavam escapar do EI. Os Estados Unidos continuam realizando ataques aéreos e a lançar suprimentos pelo ar. Até mesmo o governo alemão pretende entregar armas aos curdos em dificuldades no norte do Iraque. Mas a apenas 250 quilômetros ao sul, uma catástrofe semelhante está fermentando, e a resposta até o momento é mínima.

Não há yazidis em Amirli. Dois terços dos habitantes da cidade são turcomanos cujos ancestrais vieram de áreas que fazem parte da atual Turquia. Eles são xiitas, de modo que são vistos pelos combatentes sunitas do EI como piores que hereges. Eles são apóstatas da verdadeira fé –uma sentença de morte aos olhos dos jihadistas. E os turcomanos não têm aliados no Iraque.

Depois que o EI assumiu o controle das cidades iraquianas de Mosul, Tikrit e Hawijah com pouca resistência, eles lançaram ataques contra as aldeias ao redor de Amirli em meados de junho. Bem equipados com material capturado dos depósitos de armas pertencentes a várias divisões do exército iraquiano, eles tomaram rapidamente várias cidades na área. Em meados de julho, apenas Amirli ainda resistia.

Cerca de 400 milicianos, juntamente com alguns poucos soldados e policiais, estão defendendo a cidade. Mustafa al-Bayati, um coronel da polícia natural de Amirli, está no comando. "O EI tem tanques, dushkas (metralhadoras), katyushas (lançadores de foguetes) e é muito forte", ele diz. "Eles atacam de toda parte ao redor de Amirli: sul, norte, leste e oeste. Eles vêm todo dia, mais e mais."

Em 22 de julho, o EI cortou o fornecimento de energia elétrica para Amirli e interrompeu o fornecimento de água dois dias depois. Todas as torres de celular foram igualmente explodidas ou feitas em pedaços por tiros.

"No início, as pessoas tinham o que comer", diz Mohammed Isma, da Cruz Vermelha Iraquiana. Isma é de Amirli e está tentando mobilizar ajuda para a cidade, de sua base em Bagdá. "Mas dois meses é tempo demais e agora esgotou. Há um mês, acabou tudo."

Morrendo de fome
Amirli nunca foi abastada, mas agora as famílias mais pobres não têm nada. Também há mulheres grávidas na cidade –o dr. Mahmoud diz que há 300– além dos muitos feridos e doentes, acrescenta. "Se nada mudar, levará no máximo três semanas até que muitas pessoas comecem a morrer de fome."

A única ajuda às pessoas presas em Amirli vem pelo ar. A cada dois ou três dias, um velho helicóptero do exército de Bagdá pousa com munições, alimentos e medicamentos, mas nunca é o suficiente. Há duas semanas, Isma, o representante da Cruz Vermelha se juntou a um dos voos. Quando pousaram, diz, os feridos com suas famílias estavam com "seus braços estendidos, com pessoas se afogando na água", ele lembra.

O tempo todo, diz Isma, os combatentes do EI disparavam granadas contra o heliponto. Mas todo mundo quer escapar, o motivo para se exporem ao risco. "Elas dizem, 'Nós vamos morrer de qualquer jeito'", diz Isma. Sete pacientes embarcaram no voo em que Isma estava. Não havia lugar para mais.

Isma fala com voz calma quando conta sua história, mas ele está doente de preocupação. Seus parentes, seis irmãs e um irmão, todos continuam presos em Amirli. Ele poderia evacuá-los com um helicóptero. Mas as pessoas em Amirli os conhecem e estão cientes do trabalho de Isma com a Cruz Vermelha. Ele teme que se as pessoas os vissem sendo evacuados, elas "saberiam que o jogo acabou" e o pânico tomaria conta.

Faz mais de um mês desde que os últimos habitantes conhecidos conseguiram escapar por conta própria. "Nós partimos a pé", carregando apenas uma pequena mala, lembra Ali Abd al-Rida, que fugiu com 32 parentes. Eles partiram em segredo, não ousando nem mesmo contar seus planos para amigos ou vizinhos, temendo que se pessoas demais tentassem escapar pela trilha discreta que levava para além das posições do EI, os islamitas certamente os descobririam. Ali Abd al-Rida, diz que o EI descobriu a trilha três dias depois e a fechou.

O idoso e sua família conseguiram chegar a um campo de refugiados em Kirkuk, a cidade mais próxima de Amirli, imaginando que estariam seguros ali. Mas duas semanas atrás, um carro-bomba explodiu ao lado do canteiro de obras de uma mesquita na cidade onde os refugiados, a maioria de Amirli, buscou refúgio. Doze pessoas morreram e outras 50 ficaram feridas.

Buracos de bala e crateras de granadas
Abd al-Rida diz que os jihadistas tentaram fazer as pessoas de Amirli se renderem, prometendo por meio de intermediários que chegariam a um acordo. "Enviem-nos o coronel Mustafa e o capitão Hassan e nós reabriremos a estrada", eles ofereceram, segundo Abd al-Rida. "Mas as pessoas se recusaram."

Aqueles em melhor posição para ajudar a população sitiada de Amirli estão a apenas 12 quilômetros de distância. Aqui, em uma colina com vista para as linhas de frente, se encontra o posto de controle mais ao sul pertencente aos combatentes peshmerga curdos. Por fora, a parede está cheia de buracos de bala e com duas crateras causadas por granada.

Do lado de dentro, os soldados estão sentados letargicamente sob o forte calor. O comandante não está aqui, diz seu substituto, o coronel Omid Abd al-Karim, acrescentando que não ocorreu muita coisa desde um grande ataque no mês passado.

"Está calmo aqui desde o último ataque há um mês", ele diz. O exército iraquiano, ele diz, tentou salvar a população de Amirli há não muito tempo. "Antes de irem, eu lhes disse que não teriam sucesso, mas eles não deram ouvidos", diz outro oficial. Um ataque ao EI "não seria fácil com boas armas e apoio aéreo, mas não temos isso", diz Abd al-Karim. A mensagem é clara: Amirli é um problema, mas não deles.

Como costuma ser o caso no Iraque, há uma história por trás da história, que recua longe no passado. Sob Saddam Hussein, os turcomanos xiitas eram atormentados antes, de serem aterrorizados pela Al Qaeda. Em 2007, quatro toneladas e meia de explosivos escondidos sob melões foram detonadas na praça do mercado, matando mais de 150 pessoas.

'Todos nós somos de Amirli'
Como os iraquianos não os protegeram, os turcomanos de Amirli permaneceram leais a Turquia e Ancara ficou mais que feliz em agir como benfeitora deles, de modo que o governo turco passou a apoiar os partidos turcomanos no norte do Iraque. Mas a aliança colocou os turcomanos em conflito com os curdos, cuja ajuda eles agora precisam demais. Eles certamente não podem contar com a Turquia, que por ora permanece de fora do conflito, por temer pelas vidas dos 49 reféns turcos atualmente mantidos pelo EI.

O resultado é que ninguém se sente responsável pela população de Amirli. "Seria útil se os Estados Unidos realizassem ataques aéreos aqui", diz Hassan Baram, um funcionário do partido curdo, em seu escritório em Tuz Khormato, a última cidade antes do fronte. "Mas eu acho que não realizarão", ele acrescenta, minimizando a gravidade da situação na cidade, "porque ninguém foi morto em Amirli e ninguém está fugindo".

O escritório de Baram não tem janelas, o resultado de um carro-bomba dois meses atrás, e a fachada está ameaçando ruir. "Nós temos contato quase constante com Amirli. Nós queremos libertá-los, mas não é fácil", diz.

Os Estados Unidos também reconheceram a precariedade da situação em Amirli. "Nós estamos cientes das condições terríveis para a população principalmente turcomana em Amirli e para a crise humanitária nas regiões norte e central do Iraque", diz a declaração de um funcionário do Departamento de Estado, que pediu para que seu nome não fosse citado. Tanto o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Martin Dempsey, quanto o secretário de Defesa, Chuck Hagel, discutiram publicamente a possibilidade de uma operação abrangente contra o EI, incluindo ataques aéreos também na Síria. Mas poderia levar algum tempo até uma ofensiva dessas se tornar realidade.

Na última quinta-feira, o coronel Mustafa al-Bayati estava novamente aguardando pela chegada do próximo helicóptero, dentro do alcance dos combatentes do EI. Ele diz que quase metade da força sob seu comando está ferida e cerca de 20 homens morreram. "Eu não sei por quanto tempo poderemos proteger Amirli. Todos nós somos de Amirli."

Nenhum comentário:

Postar um comentário