No início do século 19, o teórico militar alemão Carl von Clausewitz concluiu que a guerra é um ato político buscado por outros meios. Dois séculos depois, um estudante dos conflitos modernos poderia ser forçado a remodelar a doutrina para a era de ciclos de notícias de 24 horas, globalizados: a guerra é um ato político buscado até o ponto em que a própria política permite.
Nos últimos dias, enquanto os líderes ocidentais lidavam com as alegações de uso de armas químicas nos arredores de Damasco, em 21 de agosto, o equilíbrio entre política doméstica e a capacidade de projetar poderio militar no exterior parece ter se deslocado para uma nova era mais circunspecta, com os eleitores cansados de guerras infrutíferas no exterior e dos argumentos de seus líderes para travá-las.
Quando os candidatos à liderança alemã nas eleições deste mês se enfrentaram em um recente debate televisionado, por exemplo, a disputa em torno da Síria parecia quase um posfácio.
Apenas quando a discussão de 90 minutos entre a chanceler Angela Merkel e seu adversário social-democrata, Peer Steinbrück, estava em seus estágios finais é que ela se voltou para a questão sobre se a Alemanha deveria participar ao lado dos Estados Unidos em uma intervenção militar na Síria.
O encontro ocorreu apenas três dias depois do Parlamento britânico ter rejeitado o pedido do primeiro-ministro David Cameron de uma autorização para participar da punição ao presidente Bashar al-Assad pelo que os Estados Unidos dizem ter sido o uso proibido de gás sarin.
Esse revés –sem paralelo na memória do intervencionismo britânico recente– moldou a decisão do presidente Barack Obama, anunciada dois dias depois, de buscar aprovação do Congresso para um ataque militar à Síria.
Mesmo na França, onde o presidente François Hollande detém poder executivo para enviar suas forças à guerra, legisladores de oposição clamaram –apesar de em vão– pelo direito de votar por um envio de tropas francesas quando debateram a questão na quarta-feira.
"A França pode seriamente, sem algum aliado europeu, se lançar em uma aventura desse tipo?",disse o legislador Christian Jacob, da oposição direitista. "Nós achamos que não."
A respostas apontaram para uma hesitação mais ampla.
Apesar, ou talvez por causa, de seus números, sua riqueza e suas fileiras cada vez maiores, os 28 países da União Europeia estão longe de qualquer senso de propósito comum –fora uma aversão a risco– em sua resposta coletiva à crise na Síria.
Na Alemanha, o jornalista Daniel Brössler escreveu no "Süddeutsche Zeitung": "Está claro que a maioria esmagadora dos cidadãos rejeita completamente a participação alemã" em represálias militares.
Analistas europeus chegaram à mesma conclusão quando o Parlamento rejeitou as lisonjas de Cameron –uma derrota descrita pelo colunista Moritz Schuller, no jornal "Tagesspiegel" de Berlim, como "o símbolo de uma era em que os poderes do Ocidente estão em retirada".
"Não há sinal", ele escreveu, "de uma política externa que defina e busque objetivos, estabeleça e defenda suas opções. Alguns estão dispostos, muitos não estão. Porém, mais ou menos, não há sinal de uma coalizão de um lado ou de outro. A guerra civil da Síria está se desdobrando dentro desse vácuo global de poder".
Assim, em comparação com a determinação exibida pela coalizão limitada, liderada pelos Estados Unidos, na invasão de 2003 ao Iraque, ou a amplitude do envolvimento da OTAN no Afeganistão, onde soldados da Alemanha e de muitos outros países estão atuando, o que aconteceu?
Mesmo em 2011, Merkel manteve o apoio à campanha aérea do Reino Unido e da França que acelerou o fim do coronel Muammar Gaddafi na Líbia (apesar de, paradoxalmente, baterias de mísseis Patriot alemãs estarem sendo empregadas para proteger a aliada de seu país na OTAN, a Turquia, de um ataque sírio).
Com a proximidade das eleições em 22 de setembro, a Alemanha está muito mais preocupada com assuntos mais próximos de casa –desemprego, a crise da zona do euro. A própria história de Berlim, de qualquer modo, deixou uma poderosa antipatia em relação ao militarismo.
No Reino Unido, a fadiga de guerra foi amplificada pelo senso de que a invasão ao Iraque foi baseada em uma falsa premissa de que Saddam Hussein poderia empregar armas de destruição em massa.
O eco dessa mentira subverteu o esforço de Cameron para manter a reputação do Reino Unido como um agente global lutando acima de seu peso.
Pela primeira vez em décadas, o Reino Unido perdeu seu papel familiar e prezado de aliado destemido de Washington, substituído por sua vizinha irritadiça, a França, antes a arqui-adversária da intervenção americana no Iraque.
A votação no Parlamento "pode ser uma sinalização de uma mudança estratégica em prol do isolamento", disse Ian Bond, um especialista em política externa do Centro para Reforma Europeia, em Londres. Os legisladores britânicos correram o risco de "enviar a mensagem de que, no futuro, o Reino Unido se contentará em ficar de lado, independentemente do que esteja acontecendo em terras distantes".
Para Hollande, encorajado pela ação de suas forças armadas em Mali neste ano e buscando ofuscar o triunfo na Líbia de seu antecessor, Nicolas Sarkozy, mais do que glória está em jogo.
"Se os Estados Unidos e a França não quiserem perder toda a credibilidade", escreveu o jornalista e político Noël Mamère no site de notícias "Rue89", em Paris, "eles são obrigados a intervir".
"O atual caos na Síria é duro para os cidadãos europeus entenderem", ele disse, "mas o que está acontecendo preocupa a nós todos", ameaçando sufocar as agitações da democracia árabe com ditaduras ressurgentes, tanto seculares quanto religiosas.
Os ensinamentos de Von Clausewitz, disse Mamère, "nunca foram mais relevantes do que agora, à véspera de um pegar em armas na Síria".
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