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terça-feira, 16 de julho de 2013

Sobreviventes de Sarajevo mostram como a Bósnia pode se curar

Tudo está tranquilo aqui na capital bósnia. As montanhas estão belas agora, não mais sinônimo de morte. Dirigir por elas é fácil, não mais uma jornada sem fim de resultado incerto por entre linhas de frente. Mapas suvenires de Sarajevo sitiada são muito procurados no comércio. Grupos japoneses lotam os ônibus de turismo. É sereno no vale cônico.

Por 16 anos, após ter concluído meu livro sobre a dissolução sangrenta da Iugoslávia, eu não consegui voltar para a Bósnia, não podia encarar outra lição de história dos Bálcãs ou a ignorância de pessoas bem intencionadas.

É bom estar de volta. É bom ouvir queixas sobre governança abjeta, corrupção desenfreada, inviabilidade da arquitetura do Acordo de Paz de Dayton, os partidos políticos ainda divididos segundo linhas étnicas, desemprego, falta de rumo, sistema judiciário disfuncional, a mesquinhez do sectarismo –ouvir tudo isso sem a explosão de outro projétil de artilharia nas ruas desertas onde vidas e membros eram partidos.

Eu me vi por acaso com Tarik Sabanovic, o irmão mais novo de Faruk, sobre quem escrevi durante a guerra após ele ter sido baleado em frente ao Holiday Inn, em 1995. Tarik lembra do que aconteceu em 9 de novembro de 1993, quando ele tinha 9 anos.

"Eu estava na escola com minha mochila do Mickey Mouse, aguardando pelo sinal para voltar para casa, quando ouvi o projétil cortando o ar. Já tinham se passado 18 meses de guerra, de modo que eu já sabia o que fazer e me joguei no chão. Quando me levantei havia um colega de classe diante de mim. Eu vi que ele estava sem o seu olho direito. Eu olhei para a direita e vi Sahir Kapo com um corte imenso no antebraço direito. Eu olhei para a esquerda, onde antes estava meu melhor amigo, Vedad Kujkanovic, que morava no meu prédio. Ele foi feito em pedaços. Então olhei para onde estava minha professora, Fatima Gunic. A cabeça dela estava sobre a mesa. O quadro-negro atrás dela estava cheio de buracos de estilhaço. Os cabelos dela saíam pelos buracos."

Tarik correu. Perto de sua casa ele encontrou Faruk, que ainda podia caminhar. Faruk o carregou até o apartamento da família. Posteriormente, Tarik viu a mãe de Vedad em lágrimas. Ela não conseguiu encontrar um ponto no corpo de seu filho para lhe dar um beijo de despedida. Tudo o que o projétil sérvio deixou dele foram seus dentes.

Posteriormente nós nos encontramos com Faruk. Foi um reencontro cheio de emoção. Ele ainda está em sua cadeira de rodas, com a barba repleta de pelos grisalhos. Ele tinha 20 anos quando o encontrei no hospital Kosevo de Sarajevo em 1995, assistindo a um vídeo dele sendo baleado enquanto um soldado da ONU olhava e não fazia nada: a paralisia do Ocidente que encorajou o genocídio contra os muçulmanos bósnios e produziu Srebrenica.

Médicos em Nova York se interessaram por Faruk depois do artigo. Ele foi levado para lá. "Após as velas e trevas em Sarajevo, eu era como uma mosca em um céu de luzes em Manhattan. Foi um banho de luz.. Eu estava no Maimonides Medical Center, no Brooklyn, com uma janela imensa com vista para Manhattan, como um cartão postal com as Torres Gêmeas. E então os médicos me deram a notícia de que eu nunca mais andaria e a cidade inteira ficou escura."

Ele voltou. Ele estudou. Ele se apaixonou e se casou. Ele se divorciou. Ele começou a fazer vídeos musicais e comerciais --"e percebi que estava vendendo minhas pedras preciosas para mentiras de fabricantes de detergente". Ele queria fazer um filme que contasse sua história. E qual era a história dele?

No ano passado, Faruk treinou arduamente e, após seis meses, ele se levantou por 30 segundos, a primeira vez em 17 anos. Ele diz: "Eu meio que luto contra a esperança o tempo todo. É sempre um momento difícil quando tenho esperança ao ouvir sobre um novo chip, de modo que tento ignorar". Ele é um bósnio, um sobrevivente, alguém que "vive e compartilha com todos". Beleza e paz o interessam, guerra não.

O filme que ele está dirigindo se chama "Birds Like Us" ("Pássaros como nós", em tradução livre), baseado na obra de um poeta sufi do século 13, Farid al-Din Attar. Faruk escreveu o roteiro. Tarik também está envolvido. É um filme de animação em 3D contando com tecnologia de ponta. Os pássaros viajam muito e até longe, mas descobrem no final que o segredo da vida que buscam se encontra dentro deles mesmos.

Foi difícil encontrar pessoas qualificadas em Sarajevo para o trabalho. Dois contavam com o conhecimento tecnológico, mas eram sérvios de Pale, o quartel-general durante a guerra das forças nacionalistas que bombardearam Sarajevo. Talvez um deles tivesse disparado o projétil que destruiu a sala de aula de Tarik. Talvez o outro fosse o atirador que paralisou Faruk.

Faruk os contratou em 2010. Eles conversaram muito sobre a guerra. Posteriormente, um dos sérvios morreu em um acidente de carro. No funeral perto de Pale havia a conversa de como ele cometeu o erro de trabalhar para muçulmanos.

Você segue em frente. Você acredita, mesmo que leve 17 anos para ficar em pé por 30 segundos. Todo ato de cura conta. "Contratar sujeitos do outro lado foi a vitória suprema", diz Tarik.

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