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terça-feira, 23 de julho de 2013

O elo secreto entre a Alemanha e a NSA que a chanceler diz não conhecer

A chanceler Angela Merkel disse repetidas vezes que não sabia nada sobre as atividades de vigilância americanas na Alemanha. No entanto, documentos vistos pela "Spiegel" mostram que a inteligência alemã coopera estreitamente com a NSA e até usa software de espionagem fornecido pelos Estados Unidos.

Foram dois dias agitados para os especialistas em vigilância da Bundesnachrichtendienst (BND), a agência de inteligência estrangeira da Alemanha. No final de abril, uma equipe de 12 funcionários seniores da BND voaram para os Estados Unidos, onde visitaram o coração do império de vigilância global americano: a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês). O propósito da missão deles pode ser lido em um documento "altamente confidencial" da NSA que foi visto pela "Spiegel" --um dos vários em posse do delator Edward Snowden.

Segundo o documento, o presidente da BND, Gerhard Schindler, expressava repetidamente "ansiedade" em cooperar mais estreitamente com a NSA. Os alemães, diz o documento, estavam à procura de "orientação e conselho".

O desejo deles foi atendido. Altos funcionários do Diretório de Relações Exteriores da NSA foram designados para atender a delegação alemã. Os americanos organizaram uma "conferência de planejamento estratégico" para atualizar seus parceiros alemães. À tarde, após várias apresentações sobre os métodos atuais de aquisição de dados, membros seniores de uma divisão conhecida como Operações de Fontes Especiais, ou SSO (na sigla em inglês), falaram com seus convidados alemães. A SSO, um dos grupos mais secretos da comunidade de inteligência, é a divisão que forma as alianças com as empresas americanas, especialmente no setor de tecnologia da informação (TI), para fins de mineração de dados. Snowden descreve essa unidade de elite como as "joias da coroa" da NSA.

A jornada para Washington não foi a primeira viagem educativa feita por funcionários da inteligência alemã ao outro lado do Atlântico neste ano --nem a última. Documentos de Snowden vistos pela "Spiegel" mostram que a cooperação entre Berlim e Washington na área de vigilância digital e defesa se intensificaram consideravelmente durante o mandato da chanceler Angela Merkel. Segundo um documento, os alemães estão determinados a "fortalecer e expandir a cooperação bilateral".

Totalmente desconhecedor?
Essa é uma notícia incômoda para Merkel, que está disputando a reeleição como líder da União Democrata Cristã (CDU), de centro-direita. A campanha alemã seguiu relativamente tediosa até recentemente, mas agora uma nova questão parece ter surgido: a cobiça dos americanos por dados. Políticos de oposição intensificaram seus ataques nos últimos dias. Primeiro Peer Steinbrück, o candidato do Partido Social Democrata (SPD) à chancelaria, acusou Merkel de violar seu juramento de posse ao não proteger os direitos básicos dos alemães. Não muito depois, o presidente do SPD, Sigmar Gabriel, se referiu a Merkel como uma "manipuladora que está tentando aplacar a população". Segundo Gabriel, já foi provado que o governo alemão sabia sobre as atividades da NSA.

Mas os ataques do SPD não são a maior preocupação; a verdadeira ameaça vem de dentro. No início, Merkel insistiu que seu governo era totalmente desconhecedor das atividades da NSA. Foi uma posição que ela reiterou antes de dar início às suas férias na última sexta-feira.

Ela agora será julgada com base nessas declarações. Internamente, os assessores de Merkel argumentam que ela não teve escolha, a não ser tomar uma posição clara. Afinal, tanto o chefe da BND quanto o presidente do Escritório Federal para a Proteção da Constituição (BfV), a agência de inteligência doméstica da Alemanha, disseram que não tinham conhecimento do programa de vigilância Prisma e da extensão da coleta de dados pelos americanos. Com que base Merkel poderia contradizê-los?

Mas a cada dia crescem os temores na chancelaria de que pode surgir um documento que mostre claramente que as atividades da NSA eram de conhecimento do governo.

Mas isso realmente importa? O que é pior? Ser governado por um gabinete que esconde dos cidadãos a sua conivência? Ou ter uma chanceler e ministros cujas agências de inteligência existem em um mundo paralelo, além da supervisão do governo e do Parlamento? Documentos internos da NSA mostram que as agências de inteligência americanas e alemãs estão cooperando mais estreitamente do que se sabia. As repetidas afirmações pelo governo e pelas agências de inteligência nas últimas semanas, de que não estavam cientes do que os especialistas americanos em vigilância estavam fazendo, parecem extremamente dissimuladas diante dos documentos vistos pela "Spiegel" entre os obtidos por Snowden.

'Parceiros-chave'
Segundo esses documentos, a BND, o BfV e o Escritório Federal para Segurança da Informação (BSI), com sede em Bonn, tiveram todos um papel central no intercâmbio de informação entre as agências de inteligência. A NSA refere-se a eles como "parceiros-chave".

Os americanos forneceram ao BfV uma de suas ferramentas de espionagem mais produtivas, um sistema chamado "XKeyscore". Ele é um programa de vigilância que a NSA usa para capturar grande parte dos até 500 milhões de conjuntos de dados da Alemanha aos quais ela tem acesso a cada mês, segundo documentos internos vistos e noticiados pela "Spiegel" no início deste mês.

Os documentos também revelam o quanto as agências e os políticos alemães estão dispostos a ir para desenvolver um relacionamento ainda mais estreito com os americanos. Isso se aplica especialmente à lei G-10, que estabelece as condições sob as quais a vigilância de cidadãos alemães é permitida. Em um documento confidencial --sob uma seção intitulada "Histórias de Sucesso"-- é dito: "O governo alemão modifica sua interpretação da lei de privacidade G-10 (...) para conceder à BND mais flexibilidade no compartilhamento de informação protegida com parceiros estrangeiros".

Os americanos estão extremamente satisfeitos com os alemães. Por décadas, Washington ridicularizava os escrupulosos espiões alemães, que sempre tinham à mão uma lei para justificar por que, lamentavelmente, não podiam participar de alguma operação especialmente delicada. Isso era fonte de incômodo para os americanos, mas no final eles não tinham escolha, a não ser aceitar.

Mais recentemente, entretanto, isso mudou, como indicam os documentos de Snowden: os burocratas alemães se tornaram verdadeiros espiões.

Ao longo de 2012, em particular, os alemães demonstraram grande "disposição e desejo" de melhorar suas capacidades de vigilância e até mesmo "correr riscos e buscar novas oportunidades de cooperação com os Estados Unidos", segundo documentos da NSA aos quais a "Spiegel" teve acesso.

Um elo estreito
Uma mudança para uma política de segurança alemã mais ofensiva teve início em 2007, quando os conservadores de Merkel estavam no poder em uma coalizão com o SPD, a chamada "Grande Coalizão". Com base nas informações passadas pela NSA para o BfV, as autoridades alemãs descobriram um grupo de islamitas liderado pelo convertido Fritz Gelowicz, conhecido como célula de Sauerland. Gelowicz e vários de seus amigos planejavam detonar bombas na Alemanha. Até hoje o governo alemão é grato aos americanos pelo aviso.

Segundo o documento da NSA, a operação bem-sucedida criou "um nível significativo de confiança" entra a NSA e o BfV. Desde então, diz o documento, há "intercâmbios analíticos regulares entre americanos e alemães e uma cooperação mais estreita no rastreamento de alvos extremistas tanto alemães quanto não alemães". Os documentos mostram que a NSA também forneceu várias sessões de treinamento para agentes do BfV. A meta era "melhorar a capacidade do BfV de explorar, filtrar e processar dados domésticos". A esperança era criar interfaces para que os dados pudessem ser trocados em uma escala maior --uma cooperação que "poderia beneficiar tanto a Alemanha quanto os Estados Unidos", diz o documento.

O pacto também se intensificou em solo alemão. Um analista da NSA, acreditado como diplomata na embaixada americana em Berlim, utiliza uma vez por semana um escritório no BfV. Segundo o documento, o trabalho da analista é "nutrir" o relacionamento florescente com o BfV. O agente também "facilita as exigências americanas". Além disso, os alemães criaram um "link de comunicações" com a NSA para melhorar os laços entre as agências.

Os relacionamentos pessoais também se intensificaram. Apenas em maio, apenas poucas semanas antes de terem início as revelações de Snowden, o presidente do BfV, Hans-Georg Maassen, o ministro do Interior, Hans-Peter Friedrich, e a delegação de 12 membros da BND fizeram uma visita ao quartel-general da NSA. No mesmo mês, o diretor geral da NSA, o general Keith Alexander, viajou para Berlim, onde fez uma parada na chancelaria, que supervisiona a BND.

A cooperação foi além de visitas de alto nível. Segundo documentos de posse de Snowden vistos pela "Spiegel", a NSA forneceu para o BfV o XKeyscore, e as autoridades da BND também estavam bem familiarizadas com a ferramenta, dado que seu trabalho era instruir seus pares da inteligência doméstica alemã sobre como usar o programa de espionagem. O principal motivo para o BfV receber o XKeyscore foi "expandir sua capacidade de apoiar a NSA ao processarmos conjuntamente os alvos de CT (contraterrorismo)".

Uma apresentação "altamente confidencial", datada de 25 de fevereiro de 2008, que quase parecia uma peça de propaganda (os espiões americanos estão, aparentemente, muito orgulhosos do sistema), revela tudo o que o XKeyscore já foi capaz de fazer  em cinco anos.

Parte 2: NSA satisfeita com a disposição alemã
Segundo a apresentação, o sistema é fácil de usar e permite a vigilância do tráfego bruto de dados "como nenhum outro sistema".

Uma transparência da NSA intitulada "O que é o XKeyscore?" descreve uma memória buffer que permite que o programa absorva uma carga completa de dados não filtrados por vários dias. Em outras palavras, o XKeyscore não apenas monitora os dados de conexões de chamada, mas também pode capturar o conteúdo da comunicação, ao menos em parte.

Além disso, o sistema possibilita ver retroativamente que palavras-chave os indivíduos visados digitaram em ferramentas de busca na internet e que locais eles pesquisaram no Google Maps.

O programa, para o qual há várias expansões conhecidas como plug-ins, aparentemente conta com ainda mais capacidades. Por exemplo, a "atividade do usuário" pode ser monitorada praticamente em tempo real e "eventos anômalos" rastreados no tráfego da internet. Se isso for verdade, isso significa que o XKeyscore possibilita uma vigilância digital quase total.

Do ponto de vista alemão, isso é especialmente perturbador. Dos cerca de 500 milhões de conjuntos de dados da Alemanha aos quais a NSA tem acesso a cada mês, o XKeyscore capturou cerca de 180 milhões em dezembro de 2012.

Isso levanta várias questões. Isso significa que a NSA não tem apenas acesso a centenas de milhões de conjuntos de dados da Alemanha, mas também --ao menos por períodos de dias-- da chamada carga completa, o que significa o conteúdo da comunicação na Alemanha. Será que a BND e o BfV podem ter acesso aos bancos de dados da NSA com suas versões do XKeyscore, o que lhes daria acesso aos dados dos cidadãos alemães armazenados nesses bancos de dados?

Se for o caso, o governo não poderia alegar que não tinha conhecimento das atividades vigorosas de aquisição de dados pelos americanos.

'Disposição' alemã é 'bem-vinda'
A "Spiegel" fez essas perguntas a ambas as agências e à chancelaria, mas não obteve nenhuma resposta sobre o uso do sistema. A BND apenas fez uma breve declaração, dizendo que lamentavelmente não podia comentar publicamente sobre detalhes de atividades de inteligência.

A NSA e a Casa Branca foram igualmente secas em suas respostas às perguntas da "Spiegel", notando apenas que não tinham nada a acrescentar aos comentários feitos pelo presidente Barack Obama durante sua recente visita a Berlim.

As novas revelações também apontam os holofotes para os presidentes da BND e do BfV, Gerhard Schindler e Hans-Georg Maassen. Ambos são relativamente novos em suas posições. Mas Schindler, o presidente da BND, no cargo desde janeiro de 2012, já deixou sua marca. Ele personifica a nova abordagem mais ofensiva adotada pela agência de inteligência estrangeira, que é expressamente elogiada pela NSA. A "disposição" de Schindler, segundo documentos da NSA, já era "bem-vinda" em 2012.

Quando ele assumiu o cargo, o presidente sem rodeios da BND demonstrou a nova disposição de correr riscos. Internamente, pediu a cada departamento da BND que apresentasse três propostas para operações conjuntas com as agências de inteligência americanas.

É claro, também há aspectos positivos nessa cooperação mais estreita com os americanos. Uma das responsabilidades da BND é proteger os soldados alemães e impedir ataques terroristas. Fazê-lo adequadamente é impossível sem a ajuda dos americanos. Por sua vez, a reputação da BND melhorou entre as agências de inteligência americanas, especialmente após ela ter provado ser de ajuda na região de Kunduz, no norte do Afeganistão, onde as forças armadas alemãs, a Bundeswehr, estão posicionadas. A BND já é a terceira maior coletora de informações lá.

Ela não compartilha sua informação apenas com a NSA, mas também com 13 outros países ocidentais. Há algum tempo, a agência atualizou seu equipamento no Afeganistão ao que há de mais moderno. Os resultados passaram a ser especialmente bons desde então e a NSA está satisfeita.

Nos últimos anos, a BND passou a ter capacidade de ouvir conversas telefônicas em grande escala no norte do Afeganistão, auxiliando nas prisões de mais de 20 importantes membros do Talebã –incluindo o mulá Rahman, antes o governador paralelo de Kunduz.

Interpretação relaxada das leis de privacidade
Segundo um documento da NSA, datado de 9 de abril, a Alemanha, como parte da coalizão de vigilância no Afeganistão, se transformou na "parceira mais prolífica" da agência. Os alemães são igualmente bem-sucedidos no Norte da África, onde eles também contam com capacidades técnicas especiais de interesse da NSA. O mesmo se aplica no Iraque.

Mas, segundo os documentos, a agência de inteligência estrangeira alemã foi mais além em seu esforço para agradar os americanos. "A BND está trabalhando para influenciar o governo alemão a relaxar a interpretação das leis de privacidade para fornecer oportunidades ainda maiores de compartilhamento de inteligência", notaram com satisfação os agentes da NSA em janeiro.

De fato, quando Schindler assumiu o cargo, os funcionários da BND estavam divididos sobre se era legal passar informação para agências de inteligência parceiras que foram obtidas de acordo com a lei G-10 alemã. Schindler decidiu que era, e os Estados Unidos ficaram satisfeitos.

A base de vigilância em Bad Aibling, um conhecido posto de escuta americano no sul da Alemanha, também mostra quão estreitos são os laços entre a BND e a NSA. Ela foi um símbolo da espionagem técnica durante a Guerra Fria. Mais recentemente, a NSA se referiu ao posto de escuta pelo codinome "alho". Apesar das últimas partes da base terem sido oficialmente entregues para a BND em maio de 2012, funcionários da NSA ainda vêm e vão.

O chefe da NSA para a Alemanha ainda se encontra posicionado no quartel Mangfall local. Aproximadamente 18 americanos ainda trabalhavam na estação de vigilância no início do ano, 12 da NSA e seis trabalhando para prestadores de serviço privados. A previsão é de que o escritório seja reduzido ao longo do ano, com os planos prevendo que apenas seis funcionários da NSA permaneçam na base. Segundo os documentos de Snowden, o trabalho deles será "cultivar novas oportunidades de cooperação com a Alemanha".

Certamente, a cooperação intensa nas atividades de contraterrorismo faz parte do centro da missão da agência de inteligência estrangeira da Alemanha. Mas os parlamentares sabem da amplitude da cooperação com os americanos? E se sabiam, desde quando?

Para piorar as coisas
Até o momento, a BND conseguiu contar com o apoio da chancelaria para sua nova abordagem. Mas as coisas parecem estar mudando. O escândalo de vigilância tem o potencial de abalar a confiança da população no governo alemão e na chanceler Merkel --e pode afetar negativamente suas chances de reeleição.

As atividades da NSA, é claro, não estão levando a população alemã em grande número às ruas. Todavia, as revelações da extensão da vigilância americana no exterior estão arranhando a imagem de Merkel de gestora confiável do governo. Aproximadamente 69% dos alemães estão insatisfeitos com seus esforços para esclarecer o assunto, um número que alarmou a chancelaria. Até o final da semana passada, Merkel tentou se distanciar do assunto, emitindo apenas declarações esparsas. Em vez de Merkel, Friedrich, o ministro do Interior, deveria cuidar do assunto delicado.

Mas Friedrich apenas piorou as coisas, voltando em grande parte de mãos vazias de sua viagem a Washington. Em vez disso, ele parecia extremamente orgulhoso do fato de ter podido conversar com o vice-presidente americano, Joe Biden.

Para piorar ainda mais, Friedrich mal tinha voltado à Alemanha antes de fazer o comentário de que a "segurança" era "Supergrundrecht", um novo conceito que deixa implícito que a segurança está acima dos direitos civis. Um ministro encarregado de defender a Constituição que repentinamente inventa uma interpretação da Constituição alemã adequada aos propósitos da NSA? Naquele momento, Merkel deve ter percebido que não poderia deixar as coisas inteiramente aos cuidados de seu ministro do Interior.

Na última sexta-feira, pouco antes de sair de férias, Merkel apresentou um plano de oito pontos visando fornecer mais segurança aos dados. Mas a maioria dos pontos mais se parecia com placebos. Por exemplo, as agências de inteligência europeias concordariam em diretrizes comuns de privacidade de dados quando agentes britânicos e franceses já riem da obsessão dos alemães com a privacidade de dados?

Em um beco sem saída
Merkel está em um beco sem saída. Por um lado, ela não quer dar a impressão de que não está fazendo nada a respeito da cobiça americana por informação. Por outro lado, isso também deixa o escândalo mais próximo da chanceler. No final, tudo dependerá de quanto o governo sabia sobre as atividades de vigilância dos americanos. Na última sexta-feira, a BND insistiu novamente que não tinha conhecimento do "nome, amplitude e extensão do projeto 'Prisma' da NSA que está sendo discutido".

Mas mesmo que isso seja verdade, o Prisma era apenas parte do sistema de vigilância da NSA, e os novos documentos mostram que a Alemanha estava familiarizada com a capacidade abrangente de espionagem da agência. Ela se beneficiou com isso e queria mais.

Mas Merkel alega que não sabia nada sobre o software de vigilância dos americanos. "Eu tomei conhecimento de programas como o Prisma por meio do noticiário atual", disse ela ao semanário de esquerda "Die Zeit", na semana passada. Segundo o gabinete de Merkel, ao usar essa linguagem ela se apoia nas declarações feitas pelos chefes da inteligência alemã.

Mas o que isso significa? O governo alemão ainda tem suas agências de inteligência sob controle? Ou elas se tornaram uma espécie de Estado dentro do Estado?

E quem exatamente fiscaliza se as agências, em seu zelo de aplicar a "Supergrundrecht" da segurança, já não foram longe demais?

O local onde as atividades das agências de inteligência doméstica e estrangeira devem ser debatidas é no Painel de Controle Parlamentar, no Bundestag alemão. Pela lei, o governo deve informar de modo regular e abrangente os 11 membros do painel, que se reúne em segredo, sobre o trabalho da BND e do BfV, além de explicar "procedimentos de importância especial".

Foco em Merkel
Ao longo dos anos, o painel se transformou em um palco para grandes egos e não é mais particularmente secreto. O problema é que muitos membros do painel não possuem tempo ou conhecimento suficiente para realmente entender as atividades nas quais as agências de inteligência estão envolvidas. É uma situação perfeita para os espiões alemães: quanto menos o público souber sobre suas atividades, mais eles podem realizar seu trabalho sem serem perturbados.

"O monitoramento das agências é puramente teórico", diz Hans-Christian Ströbele, um representante do Partido Verde no painel. "Nós não sabemos sobre as questões realmente explosivas até serem expostas pela mídia." Isso não causa surpresa, dado o quanto os estatutos são vagos a respeito da supervisão das agências de inteligência.

As agências desfrutam de "liberdade completa", diz o advogado Wolfgang Neškovi, que já passou muitos anos no painel pelo Partido de Esquerda. A CDU, seu partido irmão bávaro, a União Social Cristã (CSU) e o Partido Democrático Livre (FDP) já concordaram em estabelecer um órgão para monitorar as agências de inteligência. Mas, diante dos eventos recentes, o especialista em políticas domésticas da CDU, Clemens Binninger, diz acreditar que uma "grande solução" é necessária. Ele defende a ideia de uma autoridade parlamentar de inteligência que disponha de seus próprios poderes e funcionários.

Também há uma crescente desconfiança das agências de inteligência dentro do governo Merkel, uma situação que levou a uma cena memorável na coletiva de imprensa federal na última quarta-feira. Segundo um documento da OTAN que circulava antes da coletiva, os militares alemães estavam de fato cientes da existência do Prisma. O porta-voz do governo, Steffen Seibert, declarou que foi uma avaliação da BND de que o programa em questão não tinha nada a ver com o software de espionagem da NSA. Mas ele buscou se distanciar da avaliação da agência de inteligência. Posteriormente, o Ministério da Defesa emitiu uma declaração própria, na qual contradizia a declaração da BND.

É uma situação desajeitada para Merkel. No meio de uma campanha eleitoral, seu governo repentinamente parece caracterizado pelo caos. É claro, se for provado que as agências de inteligência a enganaram, ela poderia limpar a casa. Schindler, o chefe da BND, parece ser o principal candidato a demissão, com Ronald Pofalla, o chefe de Gabinete de Merkel e encarregado pelo monitoramento das agências de inteligência, não muito atrás.

Mas os funcionários da chancelaria não têm ilusões. O SPD e o Partido Verde continuarão colocando Merkel e a NSA em foco, independentemente do que aconteça. "A chanceler está mais interessada em defender os interesses das agências de inteligência americanas na Alemanha do que os interesses alemães nos Estados Unidos", diz Gabriel, o presidente do SPD.

Parece improvável que a oposição descansará entre agora e o dia da eleição, em 22 de setembro.

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