O Iraque vive sua maior matança sectária em cinco anos. Jovens seminaristas xiitas iraquianos se voluntariam para combater os sunitas na Síria. Mais a oeste, no Líbano, confrontos entre seitas na cidade de Trípoli se agravaram.
Na Síria propriamente dita, "os xiitas se tornaram o principal alvo", disse Malek, um ativista da oposição. Ele visitava o Líbano vindo da cidade síria de Qusair, onde seu irmão morreu recentemente em combate contra guerrilheiros xiitas da milícia libanesa Hizbullah. "As pessoas perderam irmãos e filhos e estão irritadas", afirmou. Na semana passada, as tropas sírias e o Hizbullah declararam vitória contra os rebeldes em Qusair.
A guerra civil síria está desencadeando um conflito sectário contagioso para além das fronteiras nacionais. Especialistas temem que isso esteja abalando os alicerces de países criados após o colapso do Império Otomano.
"As imagens do ditador sírio, Bashar al-Assad, abatendo sunitas na Síria com ajuda iraniana incendiaram, como nunca, a narrativa sunitas/xiitas", disse Trita Parsi, analista regional e presidente do Conselho Nacional Iraniano-Americano. "O Irã e Assad podem vencer a batalha militar, mas só à custa de cimentar décadas de discórdia étnica."
O levante sírio começou com protestos pacíficos contra Assad e se transformou, ao longo de dois anos, em uma sangrenta batalha. Mas a matança não se restringe apenas aos lados que apoiam o governo ou se contrapõem a ele.
Alguns xiitas estão sendo levados à Síria por um senso de dever religioso. No Iraque, ataques aleatórios contra mesquitas e bairros sunitas, que haviam perdido força nos últimos anos, foram retomados, enquanto milícias sunitas enfrentam o Exército.
Arábia Saudita, Qatar e Turquia, com governos sunitas, apoiam a rebelião contra Assad, sustentado pelo Irã e pelo Hizbullah, xiitas. Com isso, as divisões sectárias que fermentam desde a invasão americana no Iraque estão se espalhando pela região.
A guerra síria alimenta -e se alimenta de- antagonismos mais amplos, arraigados primariamente não nas seitas, mas em interesses geopolíticos e estratégicos conflitantes: a disputa regional de poder entre a Arábia Saudita e o Irã, o confronto do Irã com o Ocidente por causa do seu programa nuclear e a aliança entre o Hizbullah e o governo da Síria contra Israel, que tem apoio dos EUA.
Mas o sentimento sectário se impregnou. O Iraque está especialmente vulnerável. Como a maioria sunita da Síria luta pela derrubada de um governo dominado pela seita alauita, de Assad, que é um ramo do xiismo, alguns membros da minoria sunita iraquiana se sentiram estimulados com a perspectiva de derrubar o seu próprio governo xiita.
Muitos iraquianos sentem estar voltando para os dias sombrios de 2006 e 2007, auge dos massacres cometidos por milícias sectárias da maioria xiita, então em ascensão, após anos de opressão sob o regime de Saddam Hussein, e dos sunitas, privados de poderes após a derrubada dele.
A afinidade de Assad com o Hizbullah e o Irã é primariamente estratégica. Embora sua seita alauita (cerca de 12% da população) ofereça um apoio fundamental, a maioria dos alauitas é laica. Os xiitas "clássicos", cerca de 200 mil na Síria, são uma minoria ainda menor, inferior a 1%.
Em termos reais, o Hizbullah (xiita) e a Frente Al Nusra (grupo aliado à Al Qaeda e dominado por sunitas) emergiram como sendo as duas milícias mais fortes na guerra civil síria.
Ambos os lados se mostram dispostos a explorar emoções e alianças sectárias. Como o Ocidente hesita em apoiar plenamente a oposição, os rebeldes aceitaram o auxílio da Al Qaeda iraquiana -um grupo militante sunita- e o confiável afluxo de armas e dinheiro que chega de doadores sunitas extremistas. A ideia de instaurar um Estado islâmico goza de apoio junto a alguns sírios influenciados por clérigos radicais sauditas.
Milícias alauitas da Síria são acusadas de massacrar famílias sunitas. Gangues e rebeldes sunitas já foram acusados de sequestrar xiitas. Combatentes sunitas chamam os xiitas de "cães" e "imundície". Comandantes rebeldes começaram a se referir ao Hizbullah, cujo nome significa "partido de Deus", como "partido do diabo".
Rafiq Lotof, xiita sírio-americano que deixou Nova Jersey para ajudar autoridades sírias a organizarem milícias, afirmou recentemente, em Damasco, que as paixões religiosas xiitas ajudarão o governo a sobreviver. "Se começarmos a perder o controle, você verá milhares de iranianos, de libaneses e de iraquianos vindo para a Síria", disse Lotof. "Eles vão lutar, não vão observar. Isso é parte da religião deles."
Muitos xiitas devotos passaram a ver a guerra civil síria como o cumprimento de uma profecia xiita que pressagia o final dos tempos: uma figura demoníaca, Sufyani, mobiliza um exército na Síria e marcha para o Iraque a fim de matar os xiitas. Abu Ali, um estudante em Najaf (no Iraque), disse que seus colegas acreditam que o líder do Qatar, importante apoiador dos rebeldes sunitas sírios, seja Sufyani. Eles estão indo à Síria para "proteger o islamismo", afirmou ele.
Dias depois de milícias pró-governo terem matado, em maio, muitos civis na aldeia sunita de Bayda, perto da costa síria, um morador declarou: "A partir de hoje, sou sectário. Sou sectário! Não quero mais ser 'pacífico'!".
Recompondo-se, ele acrescentou: "Irmã, me perdoe por falar desse jeito".
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