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quinta-feira, 18 de abril de 2013

Jornalista traça a posição complicada de sua família na Segunda Guerra Mundial


Sua tia foi executada pelos nazistas, seu tio foi um líder político da extrema direita e seu pai lhe contava histórias das batalhas noturnas  

Dieter Wellershoff (garoto) junto com seu pai e sua mãe
A Segunda Guerra Mundial fez sua presença ser sentida de novo durante as férias de verão de 1969. Meu pai estava em seu traje de banho e eu consegui ver dois buracos em sua coxa, um grande e longo e um ligeiramente menor. Havia "estilhaços" ali, ele me disse, um ferimento de guerra. Mas eu tinha seis anos e não sabia o que era um estilhaço. O que eu sabia era que não queria tocar naqueles buracos estranhos, porém fascinantes, na carne da perna de meu pai.

Aproximadamente 10 anos depois, nós estávamos dirigindo por uma rota de trânsito pela Alemanha Oriental (uma das poucas vias oficiais que ligavam a Alemanha Ocidental com Berlim Ocidental) quando meu pai gritou: "Aquele é o vilarejo! Eu estava no lago do vilarejo quando os tanques russos chegaram!" No final dessa viagem familiar particular, eu me vi no túmulo do meu avô materno, Adolf von Thadden, um nobre de Trieglaff. O cemitério da família foi devastado, suas cruzes derrubadas, tudo o que podia ser destruído foi. Eu estava resgatando as rãs infelizes que caíram na cova, que estava aberta.

Sob as estantes de livros na sala de estar dos meus pais se encontram caixas de papelão cheias de antigas fotos em preto-e-branco que eu costumava ver quando era pequena. Lá está meu pai como um jovem trajando farda, seu cabelo preto e seu rosto sensível, observador, muito diferente das cabeças geralmente angulares dos nazistas, com seus cortes de cabelo mais longos na frente e curtos na parte posterior. E lá está minha mãe, com seu cabelo loiro e seus traços simétricos, tão bonita e tão alemã que poderia facilmente ter sido desenhada pelos ideólogos nazistas.

As histórias de vida dos meus pais não poderiam ser mais diferentes uma da outra. Meu pai, o escritor Dieter Wellershoff, foi um líder na Jungvolk, uma subdivisão da Juventude de Hitler. Ele me contou que na adolescência ele admirava as turmas à frente da dele, que vestiam uniformes e faziam sucesso com as garotas – algo que meu pai ansiava naquela idade. Em 1943, aos 17 anos, ele se alistou como voluntário no Wehrmacht –o exército regular alemão– para não ter que ingressar na SS, que já tinha tentado recrutá-lo.

O pai do meu pai, como diretor da autoridade municipal de construção de Grevenbroich, era membro do Partido Nazista, e serviu como oficial tanto na Primeira Guerra Mundial quanto na Segunda Guerra Mundial. Minha avó, por outro lado, não tinha interesse em política. Ela fugiu para a Silésia, atualmente parte da Polônia, para escapar do bombardeio, e morreu lá durante uma operação de vesícula biliar. O irmão mais novo do meu pai passou os últimos anos da guerra em um internato para órfãos de guerra.

Minha mãe, Maria von Thadden, nasceu em uma família aristocrática protestante na região de Pomerânia. Ela nunca ingressou na Liga das Meninas Alemãs do Partido Nazista. A família dela considerava os nazistas abominavelmente de classe baixa e politicamente intoleráveis. O meio-irmão de minha mãe, Reinold von Thadden, era ativo na Igreja Confessional liderada por Martin Niemöller, que se opunha aos nazistas, e foi preso por causa disso em 1937. Depois da guerra, ele fundou a Conferência da Igreja Protestante Alemã.

O nuance da 'culpa coletiva'    
Falar sobre a culpa coletiva dos alemães ignora o fato de que um coletivo não é apenas a soma de muitos destinos individuais. Havia os perpetradores claros do Terceiro Reich: Adolf Hitler e seus capangas. Também havia vítimas claras: primeiro e acima de tudo os judeus, mas também aqueles que foram perseguidos por razões políticas, por serem gays ou inválidos, para citar apenas poucos grupos. Havia aqueles que ajudaram os nazistas, e aqueles que fizeram vista grossa para seus crimes. Mas também havia pessoas que ajudaram as vítimas, e aquelas que não participaram das perseguições e atrocidades. E havia os soldados alemães, que foram arrastados pela situação de um país em guerra, que não podiam optar por querer ou não estar nas trincheiras, e que acabaram operando as metralhadoras e matando pessoas.

Como meus pais tinham histórias de vida tão diferentes, eu nunca entendi a forma como as pessoas generalizavam a respeito da geração da guerra. Eu nunca soube pessoalmente se deveria me considerar entre os culpados, ou se via a mim mesma como descendente das vítimas. Meu pai lutou no Front  Oriental, e apesar de que seu ferimento poderia ter servido como desculpa para ele não voltar lá, ele voltou à guerra. "Você atirou e matou russos?" eu perguntei a ele. Ele me disse que não sabia.

Durante o combate noturno, eles simplesmente atiravam na direção do clarão das armas do outro lado que conseguiam ver, ele disse. Ele não participou de execuções – em sua divisão blindada, ele teria de se apresentar diretamente como voluntário a Hermann Göring para isso. Meu pai optou por não, ele me disse, porque não queria atirar em homens que eram prisioneiros amarrados. O fato de estar em Berlim enquanto parte de sua divisão estava na Itália assassinando partidários, meu pai me disse, foi pura sorte. Até hoje ele não sabe dizer como teria se comportado caso estivesse presente naquele massacre.

A meia-irmã de minha mãe, Elisabeth von Thadden, foi sentenciada à morte pelo Tribunal Popular nazista e guilhotinada no Presídio Plötzensee em Berlim, em 1944. Durante um chá, ela expressou sua opinião de que a guerra estava praticamente perdida e foi denunciada por uma espiã da Gestapo. Sempre que minha mãe visita o memorial em Plötzensee, ela é atormentada pela lembrança dos poucos degraus até a guilhotina, onde sua meia-irmã cantava um hino de Paul Gerhardt –"Ponha fim, ó Senhor, ponha fim a todos os nossos sofrimentos"– enquanto subia. "A escada era curta demais", diz minha mãe. "Ele não teve tempo de completar nem mesmo o primeiro verso."  

Família de vítimas e perpetradores    
Mas mesmo a família Von Thadden é cheia de contradições. O irmão mais velho de minha mãe foi Adolf von Thadden, posteriormente um líder do NPD (Partido Nacional Democrático) de extrema direita. Ele manteve laços estreitos com os nazistas durante a guerra, para horror de sua família, mas ao mesmo tempo uma de suas melhores amigas era uma mulher meio judia de Viena. A correspondência entre eles sobreviveu. Logo depois da guerra, meu tio também arriscou sua vida em uma tentativa fracassada de resgatar sua mãe e sua segunda irmã mais velha da Vahnerow ocupada pelos russos na Pomerânia, atualmente parte da Polônia. Posteriormente, diz minha mãe, ele se tornou um grande admirador do Estado de Israel – por ser tão perfeitamente organizado.

Minha mãe tinha 40 anos quando eu nasci e meu pai tinha 37. A maioria dos meus colegas de classe tinha pais que ainda eram crianças durante a guerra. Talvez esse fosse o motivo, nas escolas alemãs nos anos 70, para o Terceiro Reich e a Segunda Guerra Mundial serem ensinados da mesma forma que a Primeira Guerra Mundial, a Guerra dos Trinta Anos e as campanhas militares romanas –simplesmente como história. Mas eu ainda me pergunto por que nunca falávamos sobre nossas próprias famílias durante essas aulas. Minha irmã é nove anos mais velha do que eu e diz que ficava ultrajada pelas famílias de seus colegas de classe  nunca conversarem sobre o nacional-socialismo em casa. Nossos pais, por outro lado, levaram minha irmã para visitar o campo de concentração de Dachau quando ela estava no primário.

Até hoje, eu fico pasma quando penso em um incidente em particular no meu colégio em Colônia. Em uma briga durante o intervalo entre as aulas, um conflito que hoje parece positivamente inofensivo, um menino da minha classe atirou um miolo de maçã no meu rosto. Eu me esqueci de qual era o motivo de nossa briga, mas me recordo claramente de como o professor reagiu: em vez de perguntar por que estávamos brigando e repreender nós dois, o professor me disse que o menino simplesmente jogou a maçã para o alto e ela caiu no meu olho por acaso. O menino era judeu e seus avós foram assassinados em um campo de concentração. Para mim, foi um momento de compreensão de que o professor não era capaz de tratar o menino como qualquer outro aluno na classe. Para ele, o menino era uma exceção, que devia ser tratado de modo diferente.

Por quê? Talvez fosse porque os anos horríveis do "Terceiro Reich" ainda estavam mais próximos do que a maioria das pessoas gostaria de acreditar? Provavelmente é verdade que as famílias de outras crianças não conversassem em casa sobre a guerra, enquanto meus pais publicaram livros sobre suas experiências com o nacional-socialismo. Até hoje, de fato, eles falam tanto sobre o passado deles que se tornou prova de algo que meu pai sempre disse: a guerra, e especialmente sobreviver à guerra, se tornou o motor que moveu tudo o que veio depois. Meu pai diz que isso lhe deu a sensação de que ele agora era capaz de enfrentar qualquer coisa.    

Aversão ao pensamento de grupo    
Os pais passam suas experiências aos seus filhos, tanto seus traumas quanto as coisas que aprenderam. Minha mãe diz que nunca buscou transmitir uma mensagem concreta para mim e meus irmãos. Ela quis apenas nos descrever como foi sua experiência com o nacional-socialismo. Meu pai quis transmitir o que ele aprendeu com sua experiência –que no final você só depende de si mesmo.

Em uma recente entrevista à "Spiegel" sobre o assunto do trauma de guerra, o psicanalista Hartmut Radebold disse: "Os pais passam inconscientemente tarefas aos seus filhos: dê continuidade à família, faça um trabalho melhor". Quais então foram minhas instruções? Uma banda de rock alemã compôs uma canção irônica chamada "Eu quero fazer parte de um movimento jovem", Pessoalmente, eu nunca quis fazer parte de algo assim. Eu rejeitei em medida igual os punks e a subcultura pop dos anos 80 predominante na Alemanha Ocidental. Eu era e continuo sendo profundamente cética em relação a esses grupos. Essa atitude de desconfiança afetou até mesmo a forma como criei minhas filhas, porque não aceito nenhum argumento que comece com, "mas todas as outras crianças..." É uma posição que até mesmo para mim parece cansativa. Mas eu quero que minhas filhas aprendam a contar com seu próprio julgamento, não a se orientarem segundo o que um grupo está fazendo ou a obedecer cegamente estruturas autoritárias.

Quando pergunto aos meus colegas mais jovens sobre as experiências de suas famílias durante o Terceiro Reich, eles falam sobre seus avós com tamanho distanciamento que soa para mim como se estivessem citando um romance. Um colega me disse que seu avô foi um nazista terrível, mas o que isso significa especificamente ele não sabe. E seu outro avô –qual era a história dele?

Outro colega me disse que seu avô lutou na guerra, perdeu uma perna e posteriormente proibiu armas de brinquedo em sua casa, mas morreu antes que meu colega pudesse lhe perguntar qualquer coisa sobre suas experiências de guerra claramente terríveis e não processadas. Outra colega disse que seus avós eram apenas crianças durante a guerra.

Mas o passado continua penetrando no presente. Há dois anos, eu estava sentada com meu marido e nossas filhas em um restaurante em Aumühle, uma cidade próxima de Hamburgo. Era 16 de setembro. Homens jovens altos, de ombros largos, que de alguma forma tinham um ar obtuso, juntamente com dois homens bem velhos e algumas poucas mulheres com penteados que pareciam saídos de outra era, passaram por nós a caminho do salão de eventos do restaurante. Um homem mantinha sua jaqueta fechada, de modo que apenas pedaços do slogan em sua camiseta eram visíveis. Nós podíamos ouvir os discursos por trás da porta, mas não conseguíamos entender as palavras.

O tom, entretanto, era algo que podíamos reconhecer dos antigos jornais cinematográficos nazistas. Tratava-se de um grupo de velhos nazistas e neonazistas celebrando o 120º aniversário do grande almirante Karl Dönitz de Hitler, que morreu em Aumühle. Nós não sabíamos como reagir. O que minha mãe faria, ou meu pai? O que esperariam de mim naquele momento? No final nós apenas pagamos e partimos, e nunca mais botamos os pés naquele restaurante de novo.

Ás vezes eu me pergunto o que lembrarei daqui anos, quando pensar na minha própria experiência de ter 17 anos. Será que me lembrarei de como entrei como penetra em um clube de reggae, apesar de ser menor de idade? De como cuidei de porcos-espinhos doentes? Seja lá o que for, não será nada espetacular. E isso é bom.

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