Sobre a península da Crimeia, anexada pela Rússia, acumulam-se os problemas, desde o transporte de passageiros e bens de consumo ao fornecimento de água e eletricidade. As dificuldades surgem em uma situação de vazio jurídico, entre uma legislação, a ucraniana, que não se aplica mais e outra, a russa, à qual a Crimeia ainda não se adaptou.
No entanto, Serguei Axionov, o primeiro-ministro em exercício, acredita que dentro de três anos esse território do mar Negro terá se incorporado ao Estado russo. "No máximo em 2017 nos incorporaremos plenamente ao regime legislativo da Federação Russa e, do ponto de vista da economia, nos colocaremos ao nível de uma região média da Rússia", declara em uma entrevista a "El País".
Axionov foi eleito para o cargo no final de fevereiro, em uma sessão irregular do Parlamento local, já ocupado pelas milícias armadas pró-russas. Antes liderava um pequeno partido com três deputados na Câmara local de cem assentos. O funcionário de 41 anos, nascido na Moldávia, estudou em uma academia político-militar de Simferopol [capital da Crimeia] antes de se lançar aos negócios nos tumultuados anos 1990.
Moscou aprovou um plano de 681 bilhões de rublos (mais de 14 bilhões de euros) até 2020 para desenvolver a Crimeia e Simferopol, na qualidade de duas novas províncias. Como representante máximo do governo local, Axionov é, junto com a prefeitura de Sebastopol, um dos encarregados de distribuir esses fundos.
Para seu abastecimento de água e eletricidade, a Crimeia dependia da Ucrânia para suprir 80% de sua demanda. Hoje a água do rio Dnieper não corre pelo canal Severo-Krymski, básico para irrigar a estepe setentrional da península.
As colheitas de arroz se arruinaram e Axionov aposta em uma "reorientação dos cultivos" para outros como girassol ou milho, e considera a possibilidade de incorporar "uma condução de água para regar" desde o território russo de Kuban (do outro lado do estreito de Kerch) através de uma ponte ou um túnel. Também se está buscando água no subsolo e se considera a instalação de usinas de dessalinização. "Por enquanto não há ameaça para a água potável", afirma.
Quanto à eletricidade, duas linhas de alta tensão procedentes da Ucrânia estabeleceram restrições, o que causa cortes de abastecimento de até seis horas por dia. Axionov acredita que esses cortes correspondem a "motivos políticos" e afirma que é "mentira" que a Crimeia não pague a água do canal.
As balsas garantem a comunicação com a Rússia pelo estreito de Kerch. Axionov acredita que "a principal artéria de transportes" da Crimeia poderá estar pronta no final de 2018. "Não foi decidido se será uma ponte ou um túnel", afirma, apesar de o clima e a geografia dificultarem sua construção.
Na Crimeia está sendo criada uma zona econômica para captar investimentos e fomentar o desenvolvimento de novas empresas. Axionov acredita poder atrair empresários estrangeiros apesar das sanções, citando um acordo com uma empresa francesa para construir um parque de diversões.
Admite, porém, que não assinou um único projeto, nem sequer com os chineses, que chegaram a grandes acordos de cooperação na Crimeia com o ex-presidente ucraniano Victor Yanukovich. "Ninguém investiu porque não começamos a formalizar o direito à propriedade imobiliária", explica.
Depois da anexação, as autoridades da Crimeia nacionalizarão as propriedades controladas pelo Estado ucraniano. Axionov afirma que os proprietários privados poderão registrá-las de acordo com a legislação russa, com exceção de Igor Kolomoiski, o governador de Dniepropetrovsk. Kolomoiski teve confiscadas duas residências de férias que possuía na Crimeia para pagar aos mais de 100 mil habitantes da Crimeia que tinham contas no banco Privatbank, controlado pelo oligarca.
"Kolomoiski é o único caso, e não vamos indenizá-lo porque enganou os poupadores. O Privatbank levou todo o dinheiro para a Ucrânia e o utilizou para pagar os salários dos batalhões de castigo que atuam no leste", diz. Axionov afirma que na Crimeia continuam funcionando a empresa de construção naval Sevmorzavod de Sebastopol, cujo principal proprietário é o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, e propriedades do oligarca Rinat Akhmetov.
A Rússia proibiu a importação de bens de consumo procedentes da Ucrânia, mas "a Crimeia é uma exceção", afirma Axionov. Ele explica que as autoridades da península permitem que "se cumpram os contratos já assinados". "A partir de 1º de janeiro entrará em pleno vigor a legislação russa." O abastecimento nos supermercados de Simferopol é irregular.
Em agosto e no início de setembro, colunas de veículos e equipamento militar russo penetraram na Crimeia à noite, depois de ter sido transportadas da Rússia de balsa pelo estreito de Kerch. Trata-se do equipamento bélico com que a Rússia "incrementa seus efetivos" na península. Perguntado sobre a possibilidade de que a Crimeia volte a ter armas nucleares como na época soviética, Axionov diz que será "como o presidente [Vladimir Putin] decidir".
Em Simferopol, há mal-estar diante da prolongada presença das milícias e destacamentos de autodefesa que foram tão ativos para garantir o controle pró-russo dos edifícios oficiais e permitir a realização da consulta unilateral em 16 de março. Aquelas milícias nem foram dissolvidas nem foram regularizadas de acordo com a legislação russa.
Segundo seus críticos, as milícias se atribuem funções arbitrariamente, desde pedir a documentação a transeuntes como inspecionar empresários e até interrogatórios e espancamentos. "As unidades de autodefesa são regidas por uma lei aprovada na Crimeia e se submetem a mim", afirma, acrescentando que se trata de "mil pessoas na ativa".
O político admite que há problemas com os destacamentos de autodefesa por causa do pagamento de seus serviços. "Eu não posso lhes pagar e o Estado lhes pagará só quando houver uma lei federal sobre o assunto. A Duma [câmara] estatal aprovou uma lei sobre as organizações sociais e de ordem pública, mas essa lei não dá direito a lhes pagar, por isso é preciso legalizá-los de uma forma especial." "Os membros das unidades de autodefesa que violam a lei estão na prisão", diz, e indica que "oito pessoas foram presas por terem agredido pessoas que chegaram à península".
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