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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Estados Unidos continuarão atuando como carcereiro no Afeganistão

Detentos ouvem oficias da Polícia Nacional do Afeganistão antes de serem libertados da prisão de Pul-e-Charkhi, nos arredores de Cabul

As forças armadas dos Estados Unidos continuarão a manter o controle sobre dezenas de detentos estrangeiros no Afeganistão por um período indefinido, apesar de os dois países estarem se preparando para marcar com uma cerimônia a transferência das operações carcerárias para o governo afegão, segundo informaram autoridades norte-americanas e afegãs.

Além do mais, embora milhares de detentos afegãos já tenham sido transferidos, os Estados Unidos continuarão a deter e investigar durante algum tempo os novos prisioneiros afegãos. Portanto, os Estados Unidos vão continuar envolvidos com as atividades de detenção e interrogatório no Afeganistão.

O acordo para transferência de prisioneiros, firmado em 9 de março a pedido do presidente Hamid Karzai, estabeleceu um período de seis meses para que os detentos sejam transferidos, e refletiu o aumento das reivindicações afegãs por soberania em um momento de tensões extremas devido à queima de exemplares do Alcorão por soldados norte-americanos.

A manutenção de prisões operadas pelos Estados Unidos, em uma área do complexo principal de Parwan, na Base Aérea de Bagram, revela a complexidade da transferência do controle das operações de detenção enquanto as tropas dos Estados Unidos continuam realizando operações militares e efetuando prisões no país. Por exemplo, existe o risco de que detentos libertados possam retornar e desfechar ataques contra os soldados norte-americanos.

Além do mais, algumas das dificuldades referentes aos detentos não afegãos ecoam problemas que fizeram com que o governo Obama desacelerasse as suas tentativas de acabar com o campo de prisioneiros na Baía de Guantánamo, em Cuba. Por exemplo, é ilegal repatriar prisioneiros para países nos quais exista a probabilidade de eles serem torturados ou assassinados, e as autoridades norte-americanas querem também se assegurar de que outros governos estariam dispostos e teriam a capacidade de acompanhar os movimentos de qualquer detento que fosse libertado.

Mesmo assim, atualmente guardas afegãos controlam a maioria das alas de celas em Parwan, e eles assumiram a custódia da maioria dos cerca de 3.000 afegãos que já se encontravam detidos por suspeita de serem insurgentes quando os aliados assinaram o acordo de transferência. A quantidade de detentos oriundos do Paquistão e de outros países é bem menor – são cerca de 50, segundo as autoridades. Mais de 600 afegãos foram presos desde a assinatura do acordo de 9 de março. Uma questão importante que ainda não foi resolvida diz respeito a quando os novos prisioneiros afegãos deverão ser transferidos para a custódia do governo afegão.

William K. Lietzau, a principal autoridade para políticas de detenção do Pentágono, disse em uma entrevista recente que os Estados Unidos “encontram-se a caminho de serem capazes de atender ao prazo de 9 de setembro” estabelecido no acordo de transferência. Ele anunciou planos para uma cerimônia na segunda-feira para comemorar a “transferência total” do centro de detenção. Algumas autoridades afegãs indicaram que entendem a manutenção do papel de carcereiro pelos Estados Unidos e disseram que isso é, até certo ponto, aceitável.

“A prioridade do Afeganistão são os cidadãos afegãos”, disse Janan Mosazai, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Afeganistão. “No que se refere a cidadãos de outros países, nós tomaremos uma decisão quanto a essa questão junto com os nossos parceiros internacionais em alguma ocasião futura”.

Em uma entrevista na semana passada, a autoridade afegã que administra as áreas de Parwan controladas pelo Afeganistão, o general Ghulam Farouk, admitiu que os guardas afegãos ainda estão “em meio a um processo de criação da nossa capacidade própria”. Três autoridades norte-americanas estavam presentes durante a entrevista no seu escritório em Parwan, do qual podia-se ver pela janela uma cerimônia de graduação de cem guardas em um pátio empoeirado. Atrás deles, um ônibus chegava trazendo famílias dos detentos para visitas.

Embora tivesse dito que o processo de transferência do grupo inicial de detentos afegãos estivesse quase concluído, Farouk frisou que, devido às relações sensíveis com um “país vizinho” - uma referência ao Paquistão –, seria melhor que os Estados Unidos ficassem por ora com os prisioneiros estrangeiros.

“Se assumirmos a guarda dessas pessoas na atual situação, e se lidarmos com elas, poderemos enfrentar mais problemas”, disse ele. “Portanto, é melhor que os norte-americanos fiquem com esses prisioneiros”.

Quando são transferidos, os prisioneiros deixam as suas celas em um dos prédios que continuam sob o controle dos Estados Unidos, e são enviados para novas celas em um prédio controlado pelos afegãos, mas no qual militares norte-americanos ainda se encontrarão presentes, exercendo um papel de assessoria, até pelo menos março do ano que vem, segundo os termos do acordo. Um comitê afegão divide os detentos em dois grupos. Segundo Farouk, até o momento 1.638 desses detentos foram aprovados para serem submetidos a um processo criminal, e 963 foram encaminhados para uma comissão revisora, que reavaliará os casos deles e recomendará se eles deverão ou não continuar presos sem julgamento, como prisioneiros de guerra.

O acordo determina que o Afeganistão consulte os Estados Unidos e “acate favoravelmente” a decisão dos norte-americanos no que se refere ao prisioneiro continuar preso, por representar uma ameaça, ou ser libertado. Mas o acordo é ambíguo quanto ao país que terá a palavra final. No que diz respeito a uma questão prática, as forças armadas dos Estados Unidos ainda controlam o perímetro da base em torno do complexo prisional. Até o momento, autoridades de ambos os países afirmam que houve poucos desacordos entre Farouk e o seu congênere norte-americano, o general Keith M. Huber.

No entanto, já há sinais antecipados de que os afegãos poderão tender mais a libertar os prisioneiros do que a mantê-los encarcerados. Farouk disse que até o momento o comitê revisor concluiu a avaliação dos casos de 600 homens, tendo recomendado a libertação de 374 deles. Nenhum desses indivíduos foi ainda libertado, e Farouk foi vago quando a reportagem perguntou a ele quantos poderão sair de fato da prisão, tendo entretanto sugerido que poderá ser a maioria.

Uma das maiores tarefas das autoridades norte-americanas tem sido revelar a maior quantidade possível de informações previamente sigilosas que indicavam que cada um dos detentos poderia ser um insurgente. Os dossiês, fornecidos aos afegãos quando cada um dos detentos foi transferido, poderão ser utilizados pelo tribunal afegão ou por comitês revisores.

A fim de proteger as suas fontes de inteligência, em certos casos os Estados Unidos não forneceram informações, ou só permitiram que as autoridades afegãs lessem os documentos sem tirar cópias. Lietzau, do Pentágono, disse que se os Estados Unidos não concordarem com alguma recomendação afegã para libertar um detento, os norte-americanos reexaminarão o arquivo inteiro, que ainda é secreto, para determinar se haveria uma forma de fornecer mais informações ao comitê revisor.

“O fato é que nós não estamos em uma guerra por conta própria contra um inimigo só nosso”, disse ele. “Estamos em uma guerra na qual a única chance de vencer é por meio da nossa aliança”.

A política doméstica também é um fator importante. O Congresso impôs fortes restrições sobre transferências de presos de Guantánamo, e as forças armadas não querem ficar com as mãos amarradas de forma similar no Afeganistão. Parlamentares republicanos já criticaram a decisão de transferir para a custódia iraquiana um prisioneiro acusado de ter contribuído para a morte de soldados norte-americanos na guerra do Iraque. E após a notícia recente de que o Iraque poderá em breve libertá-lo, eles advertiram o governo Obama, dizendo que este “não deve medir esforços no sentido de assegurar que esse erro trágico não se repita com terroristas que encontram-se atualmente sob a custódia dos Estados Unidos no Afeganistão”.

Mas qualquer declaração por parte dos Estados Unidos que impeça a libertação de prisioneiros que os norte-americanos considerarem muito ameaçadores poderia reduzir a capacidade de Karzai de demonstrar que agora são os afegãos que exercem o controle soberano sobre as prisões no território do país. O governo Obama não quer provocar os tribunais dos Estados Unidos, levando-os a rever uma determinação de 2010 que recusou a proposta para estender os direitos de habeas corpus usufruídos pelos detentos de Guantánamo aos detentos do Afeganistão.

A política para a transferência de prisioneiros poderia também enfrentar pressões de ordem jurídica e política dentro do Afeganistão. Os Estados Unidos insistiram, ao negociarem o acordo, que o governo Karzai adotasse um sistema de detenção sem julgamentos para prisioneiros de guerra que são considerados muitos difíceis de serem julgados, mas muito perigosos para serem libertados. No entanto, os parlamentares afegãos não ratificaram esse acordo.

Gul Rahman Qazi, presidente da comissão independente que fiscaliza o cumprimento do texto da constituição afegã, que ele ajudou a redigir, reclama: “Um sistema de detenção sem julgamento não é aceitável para nós, e tal sistema vai de encontro àquilo que prega a nossa constituição nacional”.

Mas Lietzau afirmou que, enquanto a guerra continua, é legal e necessário deter pessoas sem julgamento, tanto para obter informações de inteligência quanto para evitar criar qualquer incentivo para que as tropas combatentes prefiram matar os inimigos em vez de capturá-los.

“Um regime de detenção administrativa é necessário para qualquer país moralmente responsável que esteja engajado em um conflito armado”, disse ele. “Neste caso, isso foi um pré-requisito para o nosso acordo com o governo afegão, pelo menos no que diz respeito à maneira como as operações de combate estão se desenrolando neste momento. Isso é algo que nós teremos que acompanhar com bastante cuidado à medida que prosseguirmos com essa transição”.

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