Mohammed el-Mahdi |
Os eventos fora da segurança de seu escritório com janelas altas se desenrolam rapidamente. Helicópteros foram derrubados no Sinai. Terroristas islâmicos mataram uma autoridade graduada diante de sua casa. Há carros-bomba, batidas policiais e prisões.
O simples fato de pegar uma câmera no centro da cidade pode bastar para ser preso - ou insultado e espancado por uma multidão histérica que pensa ter encontrado um espião. A segurança nos grandes hotéis foi reforçada a tal ponto que eles parecem fortalezas. Três anos depois da revolução, raiva, frustração e medo reinam no Egito.
Mohammed el-Mahdi, um homem magro, baixo e vestido de maneira respeitável, senta-se atrás de sua mesa lustrosa. Seu gabinete é grande como um salão de baile e está cheio de cadeiras douradas, mesas Luís 16 e poltronas cor de creme. Ele usa abotoaduras de ouro e um blazer azul-marinho que não desabotoa nem quando se senta. Tem 77 anos e trabalha todos os dias durante dez a 11 horas. Não admira que pareça um pouco cansado.
Consertando o Egito
El-Mahdi é o ministro da Reconciliação do Egito. Antes ele serviu como juiz na Suprema Corte Constitucional do Egito. Também foi juiz no Tribunal Penal Internacional em Haia durante quatro anos e teve uma fase como assessor jurídico da ONU em Genebra. Seu trabalho hoje é levar paz ao Egito, um país que ainda oscila no limite.
O mundo não tem muitas autoridades governamentais com o mesmo título de El-Mahdi, mas um ministro da Reconciliação é um cargo de que o Egito realmente precisa. Como um homem equitativo, uma face liberal para o mundo, ele é valioso para o governo do Cairo. E sabe disso. Se ele pensa que o governo o está usando, não deixa perceber. Afinal, tem suas próprias causas e objetivos. Quer reunir vários segmentos da sociedade, conflitantes e muitas vezes cheios de ódio, e reconciliar gerações que se separaram.
Diz esperar que o Egito um dia possa ter o tipo de clima hospitaleiro para debate e discussão que há na França, na Suíça ou na Grã-Bretanha, em vez das amargas disputas que vigoram em seu país hoje. Ele tem um plano para fazer que isso aconteça.
O clamor lá fora é claramente audível de seu gabinete. Na frente do edifício do governo onde se situa o ministério, homens trabalham para aumentar a altura da cerca ao seu redor para 6 metros e acrescentar arame farpado no topo. O prédio de concreto de dez andares, situado perto da Praça Tahrir, é guardado por centenas de seguranças. O ministério de El-Mahdi se situa nos dois primeiros andares. Com cerca de 86 pessoas trabalhando para ele, é relativamente pequeno pelos padrões egípcios. "Tudo de que preciso são alguns assessores escolhidos a dedo", diz.
Ele também explica como conseguiu o cargo. "Adly Mansour me telefonou", diz. "É um velho amigo meu. Ele tinha acabado de se tornar presidente e queria que eu fizesse parte de seu gabinete. Eu concordei, mas impus uma condição: que a palavra 'reconciliação' fizesse parte do meu título - como uma mensagem."
El-Mahdi diz que a reconciliação é um processo que tem de ser iniciado por ambos os lados. A reconciliação interna deve ser o foco, mas também há um elemento internacional que se refere ao papel do Egito no mundo.
Queixas de investidores estrangeiros
"Eis algumas coisas com que estou lidando neste momento", diz ele. "Os investidores estrangeiros se queixam de que o governo não mantém seus acordos e que isso os fez perder muito dinheiro." Cerca de 15 desses casos, segundo ele, são atualmente o tema de processos legais, a maioria no Centro Internacional para Arbitragem de Disputas de Investimento, em Washington. "Ao todo, estamos falando em cerca de US$ 80 bilhões", acrescenta. O arquivo de cada caso é desta altura, ele conta, com a mão espalmada a cerca de um metro do chão. "Se for confirmada a impressão de que não se deve investir aqui, o dinheiro começará a fluir para fora do país, custando-nos empregos e causando pobreza e desespero." Por isso ele está trabalhando em um emaranhado de contratos, lutando para decifrar cada cláusula e emenda, enquanto busca acalmar os investidores irritados.
"Outra questão são as queixas e consultas preocupadas" do exterior, diz ele. A União Europeia, por exemplo, acaba de enviar uma delegação de meia dúzia de membros para o Egito. El-Mahdi é responsável por atendê-los. Eles provavelmente vão lembrar ao governo egípcio para não colocar tanta gente na cadeia.
Conciliador-chefe do Cairo
Quando tem um momento livre, El-Mahdi responde a cartas da Comissão de Direitos Humanos da ONU ou enfrenta questões levantadas por grupos como o Comitê de Proteção aos Jornalistas. Recebe pessoas em seu gabinete para reuniões e explica a situação. Não seria errado chamá-lo de conciliador-chefe do Cairo. O governo egípcio o aproveitou porque seu inglês e seu francês são excelentes, porque ele é um excelente embaixador para seu país e por seu histórico internacional, tendo estudado em Paris e vivido em Genebra.
Mas qual é sua verdadeira agenda? Será possível coordenar a reconciliação social da mesma maneira que um médico faz uma prescrição? "Não, não é", diz El-Mahdi, "mas é possível encontrar melhores condições para solucionar conflitos. Um pré-requisito são regras que se apliquem a todos e sejam respeitadas. Sem elas, uma sociedade desmorona. Estamos trabalhando nisso. Em algum momento, daqui a cinco ou dez anos, elas vão prevalecer."
O Egito não é um país sem lei. A xariá fornece uma importante base jurídica, enquanto os sistemas legislativo e judiciário se baseiam no Código Napoleônico. Mas há um problema real no Egito: as leis são habitualmente ignoradas ou deturpadas na vida cotidiana. Se as regras tivessem sido seguidas, uma pessoa como o ex-presidente Hosni Mubarak não poderia ter reunido uma fortuna pessoal de vários bilhões de euros. Mas os egípcios aceitaram isso.
Um homem que acredita em regras
É nisso que El-Mahdi difere da vasta maioria de seus compatriotas. Ele é um homem que acredita nas regras. Aprendeu sua importância desde cedo, como herdeiro de uma família da classe alta. Seu pai foi um senador e seu bisavô, um xeque na Universidade Azhar.
O pai de El-Mahdi, único filho da família, morreu jovem. O Egito logo foi varrido para o caos da revolução. Depois que o rei Farouk foi derrubado, em 1952, Gamal Abdel Nasser chegou ao poder. Foram tempos caóticos, e a família de El-Mahdi foi ameaçada com a perspectiva da pobreza.
El-Mahdi diz que estudou em ritmo acelerado, que trabalhou com mais afinco para aprender do que seus colegas na faculdade. Formou-se na Sorbonne em Paris, voltou para o Egito e tornou-se o mais jovem juiz da Suprema Corte Constitucional. Ele passou a fazer parte do sistema e do aparelho, como até hoje.
Diante desse passado, ainda é possível fazer justiça em seu novo papel? "Sim, é verdade que eu faço parte do sistema e não sou um ativista de 30 anos que pinta slogans na parede", diz. "Mas nesta fase de rebelião sinto que só nesta função posso alcançar alguma coisa."
O Egito passa atualmente por um momento de restauração. Três anos atrás, quando irrompeu a revolução, muitos da geração mais velha do poder desapareceram da visão pública - a elite empresarial, membros dos militares e da polícia. O ano da Irmandade Muçulmana se seguiu, e a insatisfação generalizada no país se transformou em ódio. Agora a antiga elite do poder está voltando - e tentando se tornar apreciada pelo público.
Adversários contidos
O primeiro ato de sua volta ao poder foi intimidar ou conter os adversários e jornalistas. Alguns dos heróis da revolução estão na cadeia hoje, servindo sentenças draconianas. Depois eles reduziram o direito de se manifestar. No futuro também será possível que os civis sejam julgados por tribunais militares.
Finalmente, o general Abdel-Fattah el-Sisi foi nomeado chefe dos militares egípcios e depois proclamado candidato à presidência. Três anos depois da revolução popular, um ex-general mais uma vez vai liderar o país. Holger Albrecht, professor-assistente de Política Comparativa e Política do Oriente Médio e África do Norte na Universidade Americana do Cairo, escreveu que os militares, a instituição fundamental do Egito moderno, se consideram os guardiões do país. Mas também os guardiões de seus próprios interesses. Estima-se que o império econômico dos generais, amplamente chamado de "Military Inc.", seja responsável por até 40% do Produto Interno Bruto. Na maior parte, os militares ficaram afastados da política diária, mas isso poderá mudar agora.
Não restam muitos liberais no Egito dispostos a criticar abertamente o retorno dos militares e a reforma social que está a caminho. Uma que ainda o faz é a romancista Masura Eseddin. Ela está em um café no centro do Cairo e descreve o que chama de novos "sintomas de loucura".
"Algumas semanas atrás, um boneco foi acusado, um boneco da campanha publicitária da Vodafone, Abla Fahita, uma coisa boba com olhos de botão que poderia ter saído do 'Muppet Show'", explica. "Acusaram Abla de enviar mensagens codificadas para terroristas pela televisão. Pode imaginar isso? Será que estamos todos completamente loucos?"
"Não há mais sentido na união"
Eseddin participou das manifestações na Praça Tahrir três anos atrás. "Eu lutei junto com eles por nossa dignidade, por liberdade", diz. Ela escreveu várias novelas, algumas das quais foram traduzidas para várias línguas. É inteligente, amável e leva uma vida de classe média normal. No entanto, hoje em dia sente incerteza quando se expressa, temendo que esteja sendo seguida e possa correr perigo.
"A pior coisa, porém, é como a sociedade está se desintegrando. Não há mais sensação de união", ela diz.
É uma visão compartilhada pelo ministro El-Mahdi, que está trabalhando para conter esses desenvolvimentos. Todos os dias seu gabinete recebe cerca de 200 fax. Ele diz que virtualmente todos são queixas contra a polícia, os soldados, provas ou acusações. "Nós acompanhamos cada uma", disse. "Selecionamos evidências, escrevemos relatórios, cavamos mais fundo. Falamos com todos os setores da sociedade. Insistimos para que as pessoas sigam as regras."
E assim ele age, à mesa de seu gabinete. Esta é sua maneira de reparar e reconciliar a sociedade. Talvez seja até sua própria forma de revolução.
Todo ele é o lema do positivismo. engraçado como ele para mim, lembra rui barbosa.
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