Moradores da província de Henan, China, assistem a sedimentos trazidos por enchente jorrarem através da barragem Xiaolangdi, durante operação para regulação do nível da água no rio Amarelo |
A Ásia é o continente com maior problema com água do mundo, uma situação agravada pela hidro-supremacia da China na região. A recente decisão de Pequim de construir várias novas barragens gigantes nos rios que fluem para outros países certamente abalará as relações das regiões ciliares.
A China – que já conta com maiores barragens do que o resto do mundo somado e anunciou um novo investimento imenso de US$ 635 bilhões em infraestrutura de águas ao longo da próxima década– despontou como o obstáculo chave para a formação de uma colaboração institucionalizada para os recursos hídricos na Ásia.
Em contraste aos tratados hídricos bilaterais entre muitos de seus vizinhos, a China rejeita o conceito de compartilhamento de água ou gestão conjunta, baseada em regras, de recursos comuns.
Por exemplo, ao rejeitar a convenção das Nações Unidas de 1997 que estabelece regras para recursos hídricos compartilhados, Pequim reafirmou sua posição de que uma potência rio acima tem o direito de exercer soberania territorial absoluta sobre as águas em seu lado da fronteira territorial –ou o direito de desviar quanta água desejar para suas necessidades, independente dos efeitos sobre um Estado rio abaixo.
Hoje, ao construir megabarragens e reservatórios em suas áreas de fronteira, a China está alterando o fluxo de grandes rios que são vitais para Estados vizinhos.
A China é a nascente de rios transfronteiriços para o maior número de países do mundo – da Rússia, Cazaquistão e Quirguistão até os Estados na península da Indochina e do sul da Ásia. Essa primazia é resultado de sua absorção de terras natais de minorias étnicas que agora correspondem a 60% de sua massa de terra e são a origem de todos os rios transfronteiriços que fluem para fora do território chinês. Nenhum outro país do mundo chega perto da hidro-hegemonia estabelecida pela China.
Desde a década passada, a construção de barragens pela China está se deslocando dos rios internos saturados de barragens para rios internacionais. A maioria dos novos megaprojetos designados recentemente pelo Conselho de Estado da China como prioritários estão concentrados no sudoeste sismicamente ativo do país, que é altamente habitado por minorias étnicas. A construção dessas barragens está provocando novas tensões étnicas em torno do deslocamento e submersão.
O Conselho de Estado aprovou uma série de novas barragens nos rios Salween, Brahmaputra e Mekong, que nascem no planalto tibetano e fluem para o Sul e Sudeste da Ásia. O anúncio dos projetos no Brahmaputra provocou preocupação diplomática indiana em um momento em que a água desponta como novo fator divisor entre chineses e indianos, enquanto os projetos no Salween colocam um fim à suspensão da construção de barragens naquele rio anunciada há oito anos.
O Salween –conhecido em chinês como Nu Jiang, ou "Rio Bravo"– é o último rio de fluxo livre da Ásia, correndo por desfiladeiros profundos e espetaculares e por picos gelados a caminho de Mianmar e da Tailândia. Sua bacia rio acima é habitada por pelo menos uma dúzia de grupos étnicos diferentes e é considerada uma das regiões de maior diversidade biológica do mundo, lar de mais de 5 mil espécies de plantas e quase metade das espécies animais da China. Assim que essa região deslumbrante, conhecida como Três Rios Paralelos, foi adicionada à lista de Patrimônios da Humanidade pela Unesco em 2003, Pequim anunciou os planos para uma série de barragens na área.
O furor internacional que se seguiu levou o primeiro-ministro Wen Jiabao a suspender as obras. A reversão dessa suspensão, significativamente, ocorre antes de Wen e do presidente Hu Jintao deixarem seus cargos como parte da transição de poder do país.
O terceiro rio internacional citado pelo Conselho de Estado em sua nova aprovação de projetos já foi um grande alvo de construção de barragens pela China. Os engenheiros chineses construíram seis megabarragens no Mekong, incluindo a hidrelétrica de Xiaowan de 4.200 megawatts, e uma apropriadora de águas ainda maior, a hidrelétrica de Nuozhadu, de 5.850 megawatts, cujo primeiro gerador começou a produzir eletricidade em setembro.
A Ásia precisa de cooperação hídrica institucionalizada porque ela aguarda um futuro mais quente e mais seco por causa da mudança climática e ambiental e pelo esgotamento de recursos. Os desafios de água do continente são exacerbados pelo crescente consumo, práticas insustentáveis de irrigação, rápida industrialização, poluição e mudanças geopolíticas.
O continente se transformou no estopim mais provável para guerras envolvendo água. Vários países estão atualmente construindo barragens em rios transnacionais. A maioria dessas barragens é financiada e construída por entidades chinesas. A maioria dos projetos de barragens auxiliados pelos chineses no Laos, Camboja e Mianmar visa fornecer eletricidade para a rede elétrica do sul da China, com os habitantes das margens rio abaixo arcando com os custos ambientais e sociais.
Mas é o grande número de barragens construídas em casa pela China –refletido no fato de contar com metade das 50 mil maiores barragens do mundo– que tem as maiores implicações internacionais e obstrui o desenvolvimento de uma ordem asiática baseada em regras.
A China transformou o controle e manipulação do fluxo natural dos rios no ponto de apoio de seu poder e desenvolvimento econômico. Apesar de promover o multilateralismo no palco mundial, o país dá as costas à cooperação multilateral entre as nações da bacia –como simbolizado, por exemplo, pela Comissão do Rio Mekong– e rejeita os esforços por parte dos Estados que compartilham seus rios de chegar a acordos bilaterais de compartilhamento de água.
Pequim já conta com poder financeiro, comercial e político significativo sobre a maioria de seus vizinhos. Agora, ao estabelecer um controle assimétrico sobre os rios transfronteiriços, ele busca ter o controle sobre a torneira de água da Ásia.
Dada a posição e papel únicos da China, não será possível transformar a disputa asiática por água em cooperação sem que Pequim exerça um papel de liderança no desenvolvimento de um sistema baseado em regras.
(Brahma Chellaney é autor de "Water: Asia’s New Battleground" e de "Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis", a ser lançado em breve.)
Esse negocio de água e um problema sério, isso leva a guerra. Que sentem e achem um modus vivendi p td os envolvidos. sds.
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