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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan lança biografia com detalhes inéditos da diplomacia

Kofi Annan (esq.) se encontra com o chanceler sírio Walid Moallem, em Damasco, na Síria, em maio

Colin L. Powell, que quando foi secretário de Estado dos EUA ficou famoso por defender a guerra contra o Iraque em 2003 com um discurso emocionado no Conselho de Segurança da ONU, tinha mais dúvidas sobre as provas que ele usou para justificar a invasão liderada pelos EUA do que se sabia anteriormente, de acordo com um novo livro de memórias de Kofi Annan, secretário-geral da ONU na época.

Seis semanas depois da invasão do Iraque, escreveu Annan, Powell visitou seu escritório no 38º andar da ONU para comemorar com ele em particular as notícias de que as forças norte-americanas acreditavam ter encontrado laboratórios móveis no Iraque que o governo alegava estarem sendo usados por Saddam Hussein para fazer armas de destruição em massa – o motivo central da guerra.

“Kofi, eles me tornaram um homem honesto”, disse Powell segundo Annan.

Annan escreveu que “o alívio – e a exaustão – era palpável. Eu fui obrigado a sorrir junto com meu amigo, e queria compartilhar seu conforto”, embora o próprio Annan estivesse longe de estar convencido. Ainda assim, disse Annan, “eu só podia me impressionar com a resiliência deste homem, que passou por tanta coisa para argumentar a favor de uma guerra na qual ele claramente não acreditava”.

Esforços para contatar Powell para comentar sobre o episódio não tiveram sucesso imediato. Peggy Cifrino, sua assistente, disse que ele estava viajando e a contatava apenas esporadicamente.

Até agora, é claro, muitos livros foram escritos sobre o período precedente à Guerra do Iraque, no qual nenhuma arma de destruição em massa foi encontrada. O papel de Powell, que alguns historiadores dizem ter prejudicado de forma irreparável sua credibilidade e tirado dos trilhos sua carreira política, também foi bem documentado.

Mas o encontro entre Powell e Annan, como foi recontado pelo ex-secretário-geral, oferece um novo vislumbre sobre o grau de dúvida que Powell tinha em relação a colocar tropas no solo do Iraque.

Numa entrevista por telefone desde seu escritório em Genebra, Annan, 74, disse que decidiu usar aquele episódio no capítulo de abertura de seu novo livro, “Intervenções: Uma Vida em Guerra e Paz”, publicado pela The Penguin Press, porque o Iraque foi um tema muito importante durante seu mandato, que durou de 1997 até o fim de 2006. A Guerra do Iraque, disse ele, foi “um evento que dividiu a comunidade internacional – da maneira como a Síria está prestes a fazer”.

Além disso, disse Annan, ele via Powell como “um amigo, muito respeitado, um astro entre os ministros de exterior. E acho que a apresentação do caso dos EUA ao conselho o prejudicou um pouco, e eu queria transmitir o que aconteceu na época”.

O livro de 383 páginas, escrito em colaboração com Nader Mousavizadeh, ex-conselheiro de Annan e escritor de discursos, é uma crônica de sua vida diplomática. Nascido em Gana, Annan é o primeiro funcionário de carreira da ONU e primeiro africano da África subsaariana a ascender ao posto de secretário-geral. Ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2001 por seu trabalho na ONU.

Escrito parte como uma autobiografia, parte como aula de história, o livro está repleto dos relatos de Annan sobre encontros privados com líderes mundiais, incluindo Saddam, com quem ele certa vez teve um diálogo intenso em Bagdá, persuadindo-o a permitir que os inspetores de armas entrassem no palácio presidencial de Hussein.

O livro é também o esforço de Annan para explicar as circunstâncias por trás de alguns erros espetaculares em parte atribuídos a ele durante seu mandato como secretário-geral e antes, quando administrava o departamento encarregado das operações de paz da ONU.

Annan escreveu que os motivos por trás do fracasso da ONU em evitar o genocídio em Ruanda em 1994, para citar um exemplo, estão enraizados nos fiascos das operações de paz anteriores na Somália e no Haiti. Muitas nações que contribuíram com soldados pacificadores, liderados pelos EUA, desenvolveram uma aversão a assumir esse tipo de risco, escreveu Annan, e o Conselho de Segurança resistiu em ordenar medidas que podiam incluir o uso da força.

“Infelizmente, a primeira operação a ser criada neste clima foi a missão a Ruanda.”

No que pode ser uma surpresa para alguns críticos conservadores de Annan, ele expressou uma grande admiração no livro pelo presidente George W. Bush, apesar de suas discordâncias quanto à Guerra do Iraque e o que Annan via como uma abordagem equivocada de Bush em relação ao conflito palestino-israelense. Annan disse que o esforço de Bush para combater a epidemia global de Aids representou “o maior compromisso financeiro de qualquer país na história para lutar contra uma única doença”.

Annan disse que trabalhou no livro por dois anos e tinha quase acabado no inverno passado quando recebeu um telefonema de Ban Ki-moon, seu sucessor como secretário-geral, com um pedido extraordinário.

Ban queria que Annan negociasse uma solução diplomática para a revolta da Síria, como enviado especial representando a ONU e a Liga Árabe, onde a exasperação com o presidente Bashar Assad da Síria parecia intratável.

Ban disse que estava pedindo em nome de um grupo de ministros de exterior, que acreditavam que as habilidades de negociação de Annan poderiam ter sucesso na Síria.

Annan, que já havia negociado com o presidente da Síria antes, consentiu, e o livro foi postergado, com as páginas finais ainda por revisar.

“Estávamos quase entregando para os editores”, disse Annan.

A parte do livro que trata da Síria foi atualizada para incluir um frágil cessar-fogo que Annan negociou em março. Mas Annan não é mais o enviado especial, tendo renunciado frustrado no início de agosto à medida que o cessar-fogo foi ignorado.

Desde então, o conflito piorou. Os 300 monitores da ONU que deveriam observar o cessar-fogo deixaram a Síria, e um novo enviado especial, Lakhdar Brahimi, que já trabalhou para Annan, foi designado seu sucessor.

Ainda assim, disse Annan, ele decidiu há algum tempo que não fará mais revisões no livro.

Agora, disse ele, “as pessoas estão me perguntando se escreverei um segundo livro, sobre a Síria”.

Annan disse que em seus vários encontros com Assad em Damasco, ele sentiu que nunca de fato conseguiu se comunicar com ele. “Inicialmente, senti que ele estava em negação”, disse Annan. “Ele sentia que a maior parte dos seus problemas estavam sendo criados por estrangeiros. Se os estrangeiros deixassem a Síria em paz, ela resolveria seus problemas rapidamente.”

Líderes como Assad “tendem a acreditar no mundo que criam”, diz Annan.

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