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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

El País: Zona desmilitarizada entre a Coreia do Norte e Coreia do Sul é abrigo para espécies ameaçadas


Coreia do Sul não consegue que a Unesco declare Reserva da Biosfera a fronteira com o norte, vetada ao homem desde 1953

A zona desmilitarizada é puro século 20. A fronteira que divide as duas Coreias na altura do paralelo 38 é uma sucessão de arame farpado, postos de controle, sacos de terra, postos de observação semiocultos sob lona asfáltica e jovens imberbes patrulhando em jipes. Pelo menos na vertente sul-coreana é pura iconografia da Guerra Fria.

Mas onde os militares veem tensão e os comerciantes, potencial turístico, há um grupo de biólogos que vê outra coisa: uma oportunidade única na Ásia de conservar um hábitat no qual o homem não pisou em quase 60 anos.

Um deles é Kim Seung-ho, um biólogo que há dez anos fundou o Instituto de Ecologia da DMZ (iniciais de Zona Desmilitarizada em inglês, e que se repetem por todo o lugar). "É irônico que esta zona tão conflituosa seja uma bênção para a natureza. As espécies riem de nosso conflito ideológico", explica Seung-ho, 51 anos. No pequeno escritório que ele tem perto da fronteira, mostra um mapa com cinco charcos entre os rios Imjin e Han, que na sua opinião deveriam ser protegidos. As paredes estão cheias de fotos de estranhos animais tiradas na fronteira, plantas exóticas, uma espécie de lince, pegadas...

Em uma região do planeta tão densamente povoada, a DMZ criou um estranho oásis. Estabelecida em 27 de julho de 1953 como parte do armistício da guerra entre as duas Coreias, é uma barreira de 248 km de comprimento por 4 de largura. A isso deve-se somar uma zona de acesso restrito à população, entre 7 e 15 km.

"Os animais riem da estupidez humana. Aqui vêm aves da Mongólia, Japão, China, Rússia e Austrália", sorri Seung-ho pouco antes de entrar na área restrita. Seu instituto foi fundado há dez anos, quando parecia que a reunificação se aproximava. "Nos primeiros três ou quatro anos era muito difícil conseguir autorização para entrar. Mas agora sabem que somos um grupo sem ideologia nem política, que trabalha pela ecologia", conta. Depois esclarece que ele tem suas ideias e que de sua família só ele e sua mãe vivem no sul, o restante ficou no norte.

Agora os membros da ONG entram uma vez por semana. Na terça-feira (4) o fizeram com um grupo de jornalistas - entre eles "El País" - convidados pelo governo coreano por motivo do Congresso Mundial da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), que está prestes a abrigar o país.

O capitão Kim manda abrir a cerca com a condição de que não se fotografe nenhum número e nenhum posto de controle que torne a zona reconhecível. O gargalo de uma garrafa de plástico cobre os cadeados para que não enferrujem. Um soldado parece cochilar em seu caminhão, mas outro com o rosto pintado de camuflagem dá a impressão de estar concentrado na vertente norte.

Do outro lado do rio fica a Coreia do Norte, provavelmente o país mais opaco do mundo, uma ditadura comunista que nada tem a ver com a Coreia do Sul, onde mais de um terço da população tem smartphones (de preferência da marca coreana Samsung).

No meio, um ecossistema que vai desde as montanhas do leste da Coreia aos charcos do oeste. Estão catalogadas 2.700 espécies, das quais 67 estão ameaçadas, segundo a ONG. Como vive pouca gente e não há fábricas, a qualidade da água dos rios é ótima. Sobrevoam abutres negros, grous, falcões, águias do mar, serpentes, anfíbios, mamíferos como leopardos e talvez até tigres, peixes em abundância e plantas ainda não catalogadas.

"Na Coreia há muitos parques nacionais, mas seu objetivo é o turismo, por isso não há nada tão bem conservado quanto isto", conta Shing Yuseung, um estudante de ecologia que colabora com o grupo. Diante dele há uma ilha desabitada. Ali ninguém pisou em 60 anos, não só pelo temor dos militares, como pelas minas.

Dentro da zona restrita à população civil pode-se transitar pelos caminhos que rodeiam as poucas plantações de ginseng e os arrozais, embora antes de entrar um soldado dê uma folha com a forma das minas: "Na semana passada houve um tufão e pode ser que a água tenha arrastado alguma para fora. Se virem algo assim, avisem". Contam que em um episódio semelhante em maio passado houve mortos em um povoado próximo.

As minas limitaram as plantações dos antigos habitantes da região, mas também causam baixas na fauna. "De vez em quando vemos restos de um animal ferido", conta An Chiyong, um dos seis biólogos que trabalham no estudo da DMZ. Chiyong explica que é impossível saber quantas são, mas que há anos, quando a Coreia do Sul cavou uma vala de 5 quilômetros, descobriu 50 minas.

A Coreia do Sul pediu em setembro de 2011 proteção à Unesco para sua parte da DMZ (os 2 quilômetros de fronteira), mais uma ampliação para o sul. A candidatura para ser Reserva da Biosfera incluía 297.913 hectares. Apesar de o comitê científico da Unesco ter recomendado conceder o título em maio, em 12 de julho passado o órgão decidiu que não tinha sentido proteger só a metade da que é conhecida como "linha verde delgada". Recomendava conseguir o apoio da Coreia do Norte (e de um povoado do sul afetado e que se opunha).

A proteção internacional era chave para esses pesquisadores. Chiyong conta que a pressão sobre o ecossistema da fronteira cresce conforme se relaxa a tensão. "Cada vez mais agricultores querem ganhar terreno para plantar. Olhe essa linha elétrica. A Coreia do Sul quer construir mais." Os cabos vão para o complexo industrial de Kaesong, um dos principais núcleos econômicos da Coreia do Norte. Aberto há uma década como forma de aproximação, no complexo trabalham cerca de 60 mil operários do norte para cerca de 90 firmas do sul.

Seung-ho teme que a reunificação se esqueça da natureza que, de forma imprevista, foi conservada ali. Por isso quer que chegue logo algum tipo de proteção: "Assim poderemos iniciar a paz, a partir da natureza".

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