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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Le Monde: A obstrução russa na ONU e os fantasmas da URSS


Sergey Viktorovich Lavrov (foto), chanceler russo, sempre fez duras declarações contra a ingerência ocidental na Síria 

Para entender o apoio russo ao regime sírio, é preciso passar pela etapa “psicologia da elite político-militar no poder”. Em primeiro lugar a de Vladimir Putin, o ex-tenente-coronel da KGB, reinando mais sozinho do que nunca em seu terceiro mandato. Com o veto triplo da Rússia no Conselho de Segurança, Putin 3º ignorou o Ocidente e renunciou à influência de seu país no mundo árabe. E, paciência se a ONU caiu em descrédito, paciência se a Síria for entregue ao caos. Para Moscou, “a única urgência reconhecida era esperar”, ressaltou Gérard Araud, embaixador da França junto à ONU.

Na visão do Kremlin, essa obstrução tem as características de uma vitória diplomática. Uma reprise da situação líbia pôde ser evitada, e a Rússia mostrou sua capacidade de enfrentar o resto do mundo --em outras palavras, sua força. No vocabulário putiniano, o “forte” e o “fraco” são conceitos fundamentais. “Nós fomos fracos, e os fracos apanham”, disse ele após o desenlace trágico (344 mortos) da tomada de reféns de Beslan em setembro de 2004.

"A nostalgia da época em que a Rússia causava medo está prevalecendo. Eis porque nossa política externa se tornou mais agressiva, mais antiocidental, centrada na Ásia”, acredita Alexandre Choumiline, especialista do Centro para Análise dos Conflitos no Oriente Médio. Como nos bons e velhos tempos, quando Nikita Khrushchev jogava o sapato contra o púlpito da ONU, a Rússia se orgulha de ter sacado seu “niet” [não] por três vezes no Conselho de Segurança. Ao apoiar Bashar al-Assad até o fim, Vladimir Putin acredita que os interesses estratégicos do país estão sendo bem defendidos.

“Acredito nos dirigentes quando eles garantem que querem preservar o sistema das relações internacionais originado em 1945. O veto e o arsenal nuclear são atributos da potência russa. A Rússia defende esse sistema, embora suas capacidades econômicas e políticas estejam em descompasso com suas ambições”, explica Elena Suponina, diretora do centro de estudos da Ásia e do Oriente Médio no Instituto de Pesquisas Estratégicas.

Ela reconhece que a percepção da crise foi errônea desde o início: “Nossos dirigentes não captaram toda sua dimensão. No mais alto nível, a impressão era de que o presidente sírio iria superar essa provação e de que reformas seriam iniciadas.”

As ambições desmedidas, as percepções distorcidas não prejudicam os gestos grandiloquentes, mas qual o objetivo disso? “A meta buscada foi atingida: exercer um papel central”, diz Fiódor Lukianov, redator-chefe da revista “Russia in Global Affairs”.

Há duas prioridades na mira dos russos: mostrar sua força e manter o status quo. A ruína de cinquenta anos de proximidade com o mundo árabe, a perda da Síria, o distanciamento dos países do Golfo mal são levados em conta. “A Rússia está perdendo suas posições no Oriente Médio. É como se o país não tivesse mais política externa. Não existe mais nenhuma estratégia, exceto pelo fato de considerar todos aqueles que sejam contra os países ocidentais como aliados”, lamenta Makhmoud al-Khamza, representante da oposição síria na capital russa.

Moscou desdenha do preço a ser pago. No entanto, a conta pode ser salgada. A começar pelos contratos de armamentos fechados com Damasco, que não serão honrados. Em 2005, a dívida síria com Moscou (US$ 9,8 bilhões) havia sido apagada, em troca da assinatura de novos acordos comerciais pelo mesmo montante. Evidentemente, em caso de queda de Bashar al-Assad, os próximos dirigentes sírios não terão vontade de fazer negócios com o principal apoiador do regime conspurcado. E que fiasco diplomático com os países do Golfo! Desde o início da crise síria, o tom se elevou com a Arábia Saudita, que outrora era vista como um mercado em potencial para o complexo militar-industrial.

A Rússia vem perdendo terreno... Nada de dramático, segundo Fiódor Lukianov: “As relações com as monarquias do Golfo nunca foram boas. E a presença russa no Oriente Médio dependia da herança soviética. Os regimes parceiros da URSS foram desmantelados, e os novos dirigentes não irão até Moscou. As perdas são mínimas. Pouco a pouco, a Rússia vai saindo dessa área geográfica. Como não é uma superpotência, ela precisa escolher suas prioridades”.

A Europa não é uma delas. A crise da dívida mostra que o Velho Continente “não está suportando a concorrência moderna internacional, e por isso a integração europeia não tem perspectivas”, diz um relatório do Conselho para a Política Externa e de Defesa (SVOP), um grupo de reflexão encarregado de repassar a propaganda oficial.

A reação antiocidental é agitada pela elite “de divisas”, pronta a censurar um “Ocidente pérfido” que trama às escondidas. “Putin explora as fobias soviéticas: o inimigo, a fortaleza sitiada, a quinta coluna”, lembra Alexandre Choumiline. O “líder nacional” conhece seu público o suficiente para saber que na Síria ele será seguido. Além disso, estranhamente, a oposição continua sem voz na política externa, que se tornou um instrumento de política interna para o soberano do Kremlin.

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