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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cidade do mártir da Primavera Árabe na Tunísia vive desencanto

É difícil dizer ao certo quem retirou o retrato do mártir mais famoso da revolução, Mohamed Bouazizi, de seu lugar no alto de uma ostentosa estátua dourada na rua onde ele ateou fogo em si mesmo, dando início a uma temporada de revolta por todo o mundo árabe. Um homem disse que os responsáveis foram contra-revolucionários não identificados, outro falou que o retrato foi danificado pela chuva.

Os vizinhos de Bouazizi disseram que ele foi retirado por desgosto, há algumas semanas, depois que a mãe, tio e irmãos de Bouazizi deixaram a cidade de Sidi Bouzid, um ato que os vizinhos consideraram uma traição. A indignação se deu por conta de rumores de que a família havia aceitado grandes somas de dinheiro para se mudar para uma casa em Túnis. Mas, mais do que isso, eles disseram que estavam furiosos por terem sido deixados para trás, num lugar sem empregos, dinheiro ou esperança, sem os famosos Bouazizi para dar voz ao seu desespero.

“Ela nos abandonou, e nada aqui mudou”, disse Seif Amri, 18, um vizinho, falando sobre a mãe de Bouazizi, Mannoubia Bouazizi.

É um sinal da profunda frustração que paira em Sidi Bouzid o fato de que algumas pessoas decidiram atacar o filho favorito da cidade. A raiva está fora de lugar, diz a maioria dos moradores, atribuindo a culpa pela falta de progresso ao governo de transição, que demorou para lidar com uma das principais queixas da revolução – o desemprego dos jovens – especialmente aqui nas cidades do centro da Tunísia, onde a revolta começou.

A frieza aqui é um contraste grande em relação ao otimismo que existe por toda a Tunísia em relação ao progresso da revolução, e ela ameaça minar as conquistas: várias vezes nos últimos meses, disputas por empregos levaram a episódios fatais de violência.

Os analistas dizem que a resposta do governo foi inadequada, consistindo principalmente num esquema de oferecimento de dinheiro. Eles também dizem que alguns ministros resistiram a pressionar por projetos governamentais de grande escala que criariam empregos de curto prazo, esperando, em vez disso, que o mercado corrija os problemas.

“Não foi oferecido nem fornecido o suficiente”, disse Mongi Boughzala, professor de economia na Universidade de Túnis. “Os poucos programas que chegaram vieram tarde ou foram insuficientes”. Os jovens esperam algo imediatamente. Eles esperavam que depois de tomar esse passo revolucionário, houvesse algum retorno, em termos de empregos mas também de reconhecimento.

“Um jovem que diz 'eu quero um emprego, estou cansado de ser marginalizado, e isso é algo que não posso mais aguentar' não quer saber se a culpa é do governo ou do mercado”, acrescentou.

Na Tunísia, como no Egito, o otimismo alimentado pela revolta popular colidiu com a fria realidade de que a vida não melhorou rapidamente, e em muitos casos, ela ficou ainda mais difícil à medida que as economias desaceleram e os líderes lutam para construir um novo sistema. O desemprego entre os jovens na Tunísia era alto antes mesmo da revolução – até 30%, e mais de 40% em cidades como Side Bouzid, dizem os economistas. Mas a economia da Tunísia foi duramente atingida nos meses depois da revolta e deve conseguir um crescimento positivo apenas modesto este ano. O setor turístico prejudicado e o fardo de ter de lidar com os refugiados da guerra na vizinha Líbia pioraram o quadro financeiro e seus problemas de emprego.

Nos últimos anos, o primeiro-ministro interino da Tunísia, Beji Caid Essebsi, falou várias vezes sobre os 700 mil desempregados do país, mais de 15% da força de trabalho, incluindo 170 mil universitários graduados. Essebsi disse que os novos programas do governo podem fornecer vagas para 60 mil pessoas, mas ele também reconheceu que não havia uma solução rápida, apelando, em vez disso, para empresários e investidores para focar nas áreas deprimidas do interior da Tunísia.

Jovens da região dizem que o governo respondeu com promessas vazias e ouvidos surdos. Nabil Hajbi, empresário local que coordena uma associação de jovens chamada Karama, disse que oito ministros visitaram Sidi Bouzid há cerca de dois meses e ignoraram um plano apresentado por líderes da região que continha possíveis soluções para o problema do desemprego, incluindo ideias para reformar a infraestrutura da região e para construir novas fábricas.

“Eles prometeram muita coisa”, disse Hajbi. “Foi por isso que as pessoas perderam a esperança. O governo não fez nada nessa área. Eles querem que as pessoas se acalmem primeiro.”

Ele acrescentou: “as pessoas querem que o governo aja primeiro, ou que pelo menos tenha um plano”.

Em outros lugares, promessas específicas aumentaram as expectativas de depois levaram a recriminações – ou à desobediência civil. Menos de 100 quilômetros dali, em Kassrine, professores desempregados estão se manifestando há quase dois meses, pedindo que o Ministério da Educação cumpra uma promessa de abril de contratar 3 mil professores em semanas. Até agora, disseram os professores, apenas 190 foram contratados.

Eles ocuparam o andar térreo do prédio do sindicato – e queriam tomar o escritório de emprego local, mas ele foi queimado durante a revolta. As reclamações dos professores não são novas: num canto da sala, Zuhayar Arhimi, 38, estava no quarto dia de uma greve de fome. Enquanto ele desmaiava no calor, seus colegas disseram que ele estava desempregado desde que se formou na faculdade em 2003.

Kassrine e a cidade vizinha de Tala sofreram altas perdas durante a revolta de janeiro, quando mais de 20 moradores locais foram mortos. O maior empregador é uma fábrica de papel, e as pessoas, como outras na região, encontram emprego temporário na agricultura, ganhando cerca de US$ 5 por dia. Uma pichação nas ruas de Kassrine diz: “covardes não fazem história”.

Samir Rhimi sentou-se sobre os trilhos de trem nos arredores da cidade, observando dois homens procurando plástico, além de alimentos para seus animais, num canal sujo.

“Se não houver desenvolvimento nesta região”, disse Rhimi, “não haverá estabilidade no país”.

Há mais de duas semanas, autoridades impuseram um toque de recolher em Sidi Bouzid, depois que conflitos violentos entre o exército e manifestantes terminaram com a morte de um garoto de 14 anos. Os protestos não foram diretamente sobre desemprego. As pessoas se reuniram para mostrar solidariedade aos manifestantes que haviam entrado em conflito com a polícia em Túnis alguns dias antes, mas no atual clima de Sidi Bouzid, o protesto rapidamente escalou à medida que jovens jogaram bombas improvisadas nos soldados, que usaram suas armas.

Depois disso, houve reclamações familiares de negligência.

“Ninguém veio explicar o que havia acontecido”, disse Bilghassim Hajlaoui, cujo filho Thabit foi morto. “O governador disse sentir muito pela perda.”

A família de Bouazizi não se mudou para uma casa elegante, embora sua casa térrea, enfiada numa alameda no bairro de La Marsa, em Túnis, seja maior do que sua pequena casa em Sidi Bouzid. O quintal da frente tem uma plantação de abóbora e um limoeiro, e os seis filhos ainda dividem quartos. A família paga US$ 200 por mês de aluguel para o dono, que mora na parte de cima.

Sua jornada, de uma cidade pobre no interior para a costa mais próspera, é repetida por milhares de pessoas todos os anos.

“É bem melhor do que em Sidi Bouzid”, disse Samia Bouazizi, 20, irmã de Mohamed. “Estamos cansados.”

Ela disse que as informações de que a família havia recebido dinheiro eram “mentira”. Assim como a o argumento de que os Bouazizis esqueceram suas raízes.

“Nós falamos pela cidade sempre que podemos”, disse ela.

Ela não soube explicar os rumores que seguiram sua família, exceto um.

“Inveja”, disse ela.

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