segunda-feira, 25 de junho de 2012
Neonazistas ajudaram terroristas palestinos em massacre de Munique, revelam documentos
Há quarenta anos, o massacre de atletas e técnicos israelenses ofuscou as Olimpíadas de Verão de Munique. Embora nunca tenha sido provado, suspeitou-se que extremistas de esquerda tenham trabalhado com os terroristas palestinos por trás da operação. Mas arquivos até então secretos vistos pela "Spiegel" provam que, em vez disso, os neonazistas estavam envolvidos – e autoridades sabiam disso.
Os homens que foram presos em Munique na casa do ex-membro da Waffen-SS Charles Jochheim no fim do dia de 27 de outubro de 1972 estavam armados como soldados a caminho da frente de batalha. Numa maleta, a polícia encontro três rifles automáticos Kalashnikov, seis câmaras de rifle, 174 recargas de munição, duas pistolas, um revólver e seis granadas de mão belgas.
Os dois homens que foram presos também carregavam outras armas. Wolfgang Abramowski tinha armas escondidas em seu cinturão, enquanto seu cúmplice, Willi Pohl, carregava duas pistolas e uma granada de mão, de acordo com um relatório de investigação da polícia de Munique.
Um colega de um grupo dissidente de extrema direita que se autodenominava "Grupo Nacional Socialista de Luta Por Uma Alemanha Melhor" havia dado a dica à polícia sobre Pohl e Abramowski. Os dois homens supostamente planejavam usar as armas para libertar um colega extremista que estava na prisão, mas os investigadores logo questionaram se essa história era verdadeira.
Entre os documentos que Abramowski e Pohl carregavam estava uma carta de ameaça a um juiz de Munique encarregado de desvendar um dos crimes mais chocantes da história alemã do pós-guerra: o massacre das Olimpíadas de Verão de Munique.
Em 5 de setembro de 1972, militantes palestinos de um grupo terrorista da Organização Pela Libertação da Palestina (OLP) chamado Setembro Negro tomaram nove atletas israelenses como reféns e pediram a libertação de centenas de palestinos das prisões israelenses. Quando a polícia tentou libertar os israelenses no aeroporto militar de Fürstenfeldbruck, onde eles estavam presos em dois helicópteros, os terroristas assassinaram todos os reféns. Um policial também morreu no tiroteio. Três dos palestinos sobreviveram, e o juiz a quem a carta encontrada na bagagem de Pohl e Abramowski era endereçada estava encarregado do caso contra eles.
Na carta, o Setembro Negro ameaçava uma retaliação contra o juiz "se ele continuasse a permitir que agentes da inteligência israelense participassem dos interrogatórios sobre os terroristas olímpicos". Um exame das armas confiscadas de Pohl e Abramowski provou que se tratava de uma ação séria de extremistas de direita.
Uma nova luz sobre o ataque
O relatório final da polícia de Munique, datado de 23 de julho de 1973, afirma: "uma indicação adicional da relação entre os crimes cometidos por Pohl e seus cúmplices e o ataque contra a Vila Olímpica em Munique é que (…) as carabinas e granadas de mão confiscadas têm as mesmas características que as armas usadas pelos militantes."
Essa evidência praticamente provou que as suspeitas de que os neonazistas Pohl e Abramowski estavam colaborando com os terroristas palestinos eram de fato verdade. O relatório da polícia faz parte de mais de duas mil páginas de arquivos que o serviço de inteligência nacional sediado em Colônia, o Escritório Federal para Proteção da Constituição (BfV em alemão), divulgou recentemente em resposta a um pedido da "Spiegel".
Os documentos incluem análises confidenciais e memorandos, a correspondência da agência com o Bundesnachrichtendiesnt (BND), o serviço de inteligência internacional da Alemanha, e o Escritório Federal de Investigação Criminal (BKA), bem como relatórios da polícia. Com base nos documentos até então confidenciais, será necessário agora considerar a história do ataque olímpico sob uma nova luz?
Sim, pelo menos em parte.
Até agora, muitos especialistas davam por certo que eram os extremistas de esquerda que tinham laços com o Setembro Negro, ajudando os terroristas a encontrarem lugares para ficar em Munique, por exemplo. Também havia indicações de cooperação entre os dois grupos, como um panfleto do líder da Facção do Exército Vermelho (RAF), Ulrike Meinhof, que elogiou o massacre por "tornar transparente a essência do controle imperialista". Também houve uma declaração de alguém que havia deixado a organização terrorista que disse à "Spiegel" em 1978 que outro membro da RAF havia contado a ele que as "Células Revolucionárias", um grupo dissidente, estava envolvido em encontrar lugares para hospedar os militantes palestinos.
Mas de acordo com os documentos divulgados, essas declarações agora devem ser tratadas como mitos.
O Setembro Negro não precisava de nenhuma assistência logística alemã. Alguns dos homens haviam chegado na Alemanha semanas antes da crise dos reféns, e tinham bastante dinheiro. Eles encontraram acomodações por conta própria, o que não era fácil em Munique, onde tudo estava lotado por causa das Olimpíadas. Em vez de ficarem juntos, como planejado, eles se hospedaram em hotéis diferentes.
Um dos líderes, chamado "Tony", até publicou um anúncio no jornal Süddeutsche Zeitung, no qual escreveu que estava "procurando uma família para hospedá-lo". Herta N., ex-mulher de um advogado, que não suspeitava de nada, alugou um quarto para "Tony".
Neonazistas em vez de extremistas de esquerda
Numa carta a seus colegas da inteligência internacional no BND no início de 1973, agentes de inteligência do BfV concluíram que não havia provas de que extremistas de esquerda haviam apoiado os terroristas palestinos.
Mas este não foi o caso com Pohl e Abramowski, os neonazistas alemães. Menos de dois meses antes do massacre, a polícia da cidade de Dortmund, no oeste da Alemanha, enviou um telex para o BfV contendo informações sobre o potencial interesse da agência de inteligência. A linha do assunto dizia: "suposta atividade conspiratória por parte de terroristas palestinos". O telex discutia Willi Pohl e sua relação com Mohammed Daoud, cujo nome de guerra era Abu Daoud, o mandante do ataque de Munique.
Será que o massacre poderia ter sido evitado se a BfV, e também os escritórios investigação criminal em Düsseldorf e Munique e a BKA, tivessem percebido adequadamente a importância daquele telex?
Hoje, Willi Pohl é um bem-sucedido autor de livros policiais de ficção que escreve sob pseudônimo. Ele renunciou convincentemente ao terrorismo e à violência há décadas e até escreveu um romance sobre isso. Pohl também escreveu o roteiro de muitos episódios alemães do programa popular de crimes "Tatort". Com 68 anos, ele concordou em falar à "Spiegel" sob condição de não ser fotografado para a reportagem.
No verão de 1972, Pohl, nascido na região da União Soviética que era conhecida como Prússia Oriental, era um homem magro e loiro de 28 anos, vindo de raízes pobres com várias sentenças por roubo nas costas. Ele também havia roubado dinheiro de seu empregador, que, como resultado, sentiu-se motivado a contar para a polícia que Pohl apoiava a ala radical da OLP e havia se encontrado com um homem de "aparência árabe" que estava ficando no Hotel Römischer Kaiser em Dortmund. A polícia logo descobriu que um homem chamado Saad Walli estava ficando no hotel. Saad Walli era um dos nomes de Abu Daoud.
Nos documentos divulgados agora, não há indicações de que os escritórios de investigação criminal, o BKA ou o BfV, que haviam sido notificados pela polícia de Dortmund, fizeram qualquer coisa para encontrar o suspeito Walli. Como resultado, de acordo com os documentos, Abu Daoud, também conhecido como Saad Walli, pode ficar, sem problemas, no Hotel Eden Wolff em Munique antes e durante o ataque, encontrando-se com militantes em seu quarto e telefonando dali para seus associados na Líbia e Tunísia.
Envolvido sem saber?
A conexão entre Pohl e Abu Daoud foi estabelecida por meio de um neonazista alemão que havia lutado com os palestinos na Jordânia. Abu Daoud, então professor de 35 anos de Jerusalém com um rosto juvenil e um bigode fino, mais tarde declarou que era indiferente às visões políticas de Pohl e que havia considerado pessoas como Pohl "muito úteis para nosso futuro".
Em Dortmund, Daoud precisou da ajuda de Pohl para comprar vários sedãs Mercedes, o que Pohl fez por ele. Daoud também estava em busca de um falsificador profissional de passaportes, e Pohl o apresentou a um amigo da prisão, Abramowski. O homem de 28 anos, também um alemão étnico longe da Prússia Oriental, era considerado um profissional.
Pohl, atualmente, tem quase certeza de que ele esteve envolvido sem saber nas preparações para o ataque das Olimpíadas. "Eu levei Abu Daoud por metade da Alemanha, e ele se encontrou com palestinos em várias cidades." Em Colônia, o oficial da OLP também se encontrou com árabes que suavam ternos e gravatas. Pohl acredita que eram diplomatas afiliados à Embaixada da Líbia em Bonn. De acordo com Pohl, ele e Abramowski deixaram a Alemanha no final de julho e viajaram para o Líbano via Roma.
Como Abramowski disse mais tarde à divisão de segurança estatal do BKA, ele e Pohl se mudaram para um bangalô num vilarejo perto de Beirute. Quase todas as noites, um oficial da OLP pegava Abramowski e o levava a uma gráfica na capital, onde, de acordo com Abramowski, ele falsificava passaportes do Kuwait e do Líbano, mudava nomes em documentos norte-americanos e franceses e trocava fotos de passaportes. Ainda hoje não está claro se os responsáveis pelos ataques em Munique usavam passaportes da oficina de Abramowski para entrar na Alemanha.
De acordo com Pohl, ele ainda não sabia sobre o ataque planejado em Munique naquele momento. Foi só em 24 de agosto, 12 dias antes do massacre, que os palestinos foram mais específicos e falaram sobre um "ataque terrorista espetacular".
Embora Pohl não se lembre de ouvir a palavra "Munique", havia conversas sobre uma operação de sequestro de reféns na Alemanha, na qual os palestinos planejavam trocar 20 israelenses por cerca de 200 colegas militantes palestinos que estavam em prisões israelenses. Os palestinos insistiam que seria uma operação sem sangue, e perguntaram aos dois alemães o que eles achavam que o público pensaria sobre isso.
Um plano insano
Pohl disse que ele propôs uma coletiva de imprensa internacional em Viena, que ele daria junto com um oficial da OLP. De acordo com Pohl, ele fugiu para Viena via Paris, o que foi corroborado pela declaração que seu amigo Abramowski deu à agência de inteligência internacional BKA na época, dizendo que Pohl estava na Áustria durante as Olimpíadas "para cuidar de algo para os palestinos lá".
Quando viu na televisão que a operação do sequestro de reféns havia fracassado, Pohl deixou o país. Poucos dias depois, ele estava de volta no Oriente Médio, onde o chefe de inteligência da OLP Abu Iyad estava determinado a se vingar. No relato de Pohl sobre os acontecimentos, ele diz que Iyad culpou as autoridades alemãs, mais do que qualquer outro envolvido, pelo fato de a operação de Munique ter se transformado em tamanho desastre. Além disso, disse Pohl, Iyad acreditava nos rumores de que oficiais israelenses haviam liderado a iniciativa fracassada de resgate por parte da polícia alemã.
Do ponto de vista do chefe de inteligência da OLP, isso significava que a Alemanha havia entrado no meio da guerra entre Israel e os palestinos, transformando a Alemanha num inimigo com o qual era preciso lidar. De acordo com Pohl, Iyad pediu sugestões de alvos alemães para possíveis ataques futuros. Poucos dias depois, no Cairo, Pohl apresentou o que ele hoje chama de plano insano.
Ele propôs ocupar várias prefeituras por toda a Alemanha e tomar políticos locais como reféns. Então, na véspera de natal de 1972, um grupo de militantes invadiria a Catedral de Colônia. O objetivo era obrigar a Alemanha e outros países a cumprirem uma lista de demandas. A operação ganhou o codinome "Mesquita", diz Pohl.
Em meados de outubro, Pohl e Abramowski viajaram para Madri para receber armas para esta e outras operações. Eles embarcaram num trem para Munique, via Paris, levando as armas consigo. Esta é a versão de Pohl, que essencialmente corresponde às informações dos documentos recém-divulgados.
Leniência surpreendente
Mas antes que pudessem colocar seu plano em ação, Pohl e Abramowski foram traídos e presos. As granadas de mão encontradas com os dois neonazistas levaram os investigadores a concluir que eles estavam em contato próximo com os responsáveis pelo massacre olímpico. De acordo com um relatório da polícia, a granada vinha de uma "operação de fabricação extremamente rara". Elas eram granadas belgas que continham explosivos suecos produzidos somente para a Arábia Saudita. Os terroristas da OLP haviam usado exatamente as mesmas granadas para assassinar seus reféns durante o resgate fracassado em Fürstenfeldbruck.
É claro, isso levanta a questão de se a mesma rede radical de direita já havia levado para a Bavária as armas para os responsáveis pelo ataque de Munique na mesma rota via Madri e Paris. A questão continua sem resposta até hoje. Pohl nega que isso tenha acontecido. Ele diz que a rota via Madri foi sua ideia, e que só foi usada depois das Olimpíadas. Em vez disso, ele assume que diplomatas líbios na Alemanha ajudaram a levar os Kalashnikovs e granadas para os terroristas de Munique no país.
Os tribunais alemães trataram Pohl e Abramowski com uma leniência surpreendente. As investigações sobre as suspeitas de violação do Ato de Controle de Armas de Guerra e "participação em organização criminosa" não levaram a nada, muito embora as provas incluíssem "planos de operação para sequestro de reféns" que "implicavam os sequestros de pessoas não identificadas em Essen, Bochum e Colônia."
Em 1974, os dois alemães foram condenados meramente por posse ilegal de armas de fogo. Abramowski foi sentenciado a oito meses e Pohl a 26 meses de prisão. Apenas quatro dias depois da sentença, Pohl foi solto e foi para Beirute. Não há nada nos arquivos para explicar os motivos por trás de tal leniência.
Talvez as autoridades temessem que os palestinos também pudessem tentar libertar Pohl da mesma forma que tentaram garantir a libertação dos três membros sobreviventes da operação das Olimpíadas: sequestrando um avião alemão. Poucos dias depois da prisão de Pohl, terroristas da facção Fatah da OLP sequestraram um voo da Lufthansa que ia para Frankfurt. O governo alemão cedeu às demandas, e os três homens foram enviados para a Líbia.
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