As revelações de que os Estados Unidos espiam extensamente os países europeus e a UE enfureceram os líderes em Bruxelas e em Berlim - podendo colocar em risco o acordo de livre comércio transatlântico. Importantes vozes americanas estão exigindo esclarecimentos de Obama.
Importantes analistas transatlânticos reagiram com choque e horror às revelações no fim de semana pela "Der Spiegel", em relação à extensão com que a Agência de Segurança Nacional (NSA) americana espia instalações na Alemanha e na União Europeia.
"Trata-se de um problema muito sério para o relacionamento transatlântico", disse Heather Conley, diretora do programa para Europa do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. "Ele tornará o trabalho de Washington com a Europa mais difícil em uma série de questões, como o acordo de livre comércio transatlântico. Some a isto o ambiente pré-eleitoral (na Alemanha) e o desafio se torna ainda maior."
As revelações são "muito embaraçosas", concorda Charles Kupchan, da Universidade de Georgetown. No governo do presidente Bill Clinton, Kupchan estava encarregado dos assuntos europeus no Conselho de Segurança Nacional. Jack Janes, do influente Instituto Americano para Estudos Alemães Contemporâneos, diz: "O secretário de Estado americano, John Kerry, e possivelmente o presidente terão que tratar disso publicamente em breve. Eles não podem mais protelar isso".
Uma declaração da chanceler alemã Angela Merkel, na segunda-feira, ressaltou ainda mais a volatilidade da situação. "O monitoramento de amigos - isso é inaceitável, não pode ser tolerado. Nós não estamos mais na Guerra Fria", disse a chanceler por meio de um porta-voz. Merkel confirmou que ela já tinha expressado seu descontentamento à Casa Branca no fim de semana e exigiu uma explicação.
Um porta-voz da NSA disse no domingo que as preocupações europeias serão tratadas por meio de canais diplomáticos. Ele acrescentou que a NSA não comenta detalhes específicos das operações de coleta de inteligência, mas disse "por política, nós deixamos claro que os Estados Unidos coletam inteligência estrangeira do tipo coletado por todos os países".
Declarações vagas
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que está no momento em visita à África, defendeu consistentemente o programa americano de monitoramento de dados, cujo tamanho foi revelado nas últimas semanas por meio das informações obtidas pelo delator Edward Snowden. Durante uma visita à Alemanha em junho, Obama disse que "a invasão de privacidade é limitada rigidamente por um processo aprovado pela Justiça". Ele disse várias vezes que o programa de vigilância é estreitamente focado e existe para defender os Estados Unidos de terrorismo.
Mas uma declaração vaga como essa provavelmente não bastará mais diante das revelações de ampla espionagem de instalações da União Europeia e de aliados, tanto na Europa como em outros lugares. "Os Estados Unidos precisam contatar as capitais europeias rapidamente e fornecer uma consulta profunda sobre o programa da NSA", diz Conley.
Fontes familiarizadas com a discussão em andamento na Casa Branca a respeito das revelações dizem que o governo Obama tentará deixar claro que as medidas de vigilância foram realizadas em coordenação com os serviços secretos de outros países. Mas permanece questionável se algum país vai querer admitir essa cooperação. Os políticos europeus, parece certo, não têm nenhum interesse em fazer uma admissão dessas.
Também há bastante espaço para conflito transatlântico quando se trata de Edward Snowden e o grau com que os europeus baseiam suas queixas sobre a espionagem americana nas informações atribuídas a ele. "Usá-lo como base para acusações aumentará as tensões no Congresso e na Casa Branca com a Europa enquanto ele for visto como criminoso nos Estados Unidos", diz Janes. "Não importa o que digam suas revelações." Mas, diz Janes, há uma crescente pressão do Congresso sobre o governo Obama para endurecimento das regulações relacionadas aos programas secretos de vigilância.
'Agora, nós não confiamos nele'
Observadores transatlânticos veem o acordo planejado de livre comércio entre os Estados Unidos e a UE como uma vítima potencial das revelações de espionagem, publicadas neste fim de semana pela "Der Spiegel" e na segunda-feira pelo jornal "The Guardian". Conhecido como Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em inglês), economistas de ambos os lados do oceano esperam que o acordo forneça um estímulo significativo para as economias europeia e americana.
Mas a fúria na Europa com a ação da NSA - e a consequente suspeita– pode colocar em risco o projeto. A comissária de Justiça europeia, Viviane Reding, já colocou o acordo em dúvida e preocupações foram expressas de que os Estados Unidos também praticam espionagem industrial. Além disso, o aumento da tensão mostra claramente que os europeus têm uma postura radicalmente diferente em relação à privacidade digital e proteção de dados que os americanos. Os europeus, por exemplo, há muito exigem regulação mais rígida para o Facebook e o Google.
Malte Spitz, um político do Partido Verde, chamou atenção no fim de semana com um artigo de opinião no jornal "The New York Times", no qual lembrava aos leitores sobre as manifestações na Alemanha contra a retenção de dados por seis meses, de acordo com uma diretriz da União Europeia. "Dada nossa história, nós alemães não estamos dispostos a trocar nossa liberdade por uma segurança potencialmente melhor. Os alemães experimentaram pessoalmente o que acontece quando o governo sabe demais sobre alguém;"
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