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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Em debate, ex-diplomata fala sobre como acabar com a repressão na Síria

Sírio bate com o sapato em cartaz com a imagem do presidente da Síria, Bashar al-Assad, durante protesto na praça Taksim, em Istanbul, na Turquia
Íntegra do debate com Ignace Leverrier, ex-diplomata e autor do blog “Um oeil sur la Syrie” [Um olhar sobre a Síria], na quarta-feira (16).
Chat moderado por Aude Lasjaunias

De onde vem esse dogma de rejeição total a qualquer intervenção estrangeira?

Ignace Leverrier: Os sírios em geral são contrários a qualquer ideia de ingerência estrangeira em seus assuntos internos. É uma atitude constante que eles têm. Ela foi reforçada pelo nacionalismo ferrenho demonstrado pelo partido Baath desde que este chegou ao poder em 1963.

É verdade que as experiências regionais sustentaram essa ideia de que havia mais a perder do que a ganhar com a intervenção de uma força estrangeira na região. O que aconteceu no Iraque, a partir de 2003, os convenceu mais uma vez de que, como enuncia a ideologia baathista, a favor de uma resolução dos problemas árabes por árabes, era melhor evitar apelar a forças estrangeiras.

Existe uma possibilidade de intervenção estrangeira?

Uma intervenção estrangeira não parece provável. O Conselho de Segurança até agora se mostrou profundamente dividido nessa questão. Não parece que a Rússia e, em um grau menor, a China estejam dispostas a mudar sua linha de conduta.

Além disso, as potências ocidentais que se envolveram militarmente no apoio à revolução líbia não sabem de que maneira elas poderiam intervir na Síria, caso tivessem a intenção. As duas situações são radicalmente diferentes. No leste da Líbia existia uma cidade e depois uma região já “libertada”, algo que não existe na Síria. Ademais, os líbios manifestaram o desejo de serem ajudados no plano militar, enquanto o máximo que a população síria pediu a favor de uma mudança até agora foi uma “proteção internacional”.

“Proteção internacional” pode significar um envio de capacetes azuis?

Por proteção internacional, os manifestantes sírios entendem o envio, por parte de países estrangeiros, árabes ou outros, de observadores, jornalistas, juristas e membros de organizações internacionais que possam relatar, após colherem seus depoimentos, os acontecimentos e os abusos que ocorreram durante oito meses em seu país.

Um outro pedido diz respeito à criação de uma zona desmilitarizada na qual poderiam se refugiar famílias que fogem da repressão conduzida por militares, agentes de serviços de segurança e bandidos conhecidos por “chabbiha”. Essa zona poderia, de preferência, se encontrar perto das fronteiras da Síria com os dois países nos quais os sírios têm uma relativa confiança: a Turquia e a Jordânia.

Eles hesitariam, por medo de serem pegos, em buscar refúgio numa zona dessas se ela estivesse instalada perto das fronteiras do Líbano ou do Iraque, dois países que não podem ou não querem recusar nada ao regime de Bashar Al-Assad.

Não seria possível invocar o princípio de ingerência “humanitária” a fim de levar uma intervenção armada internacional?

É difícil pensar em intervir na Síria sob pretexto de uma operação humanitária. Primeiro, porque os próprios sírios não estão fazendo esse pedido, e, segundo, porque não vemos de que maneira poderíamos fazer isso.

Em caso de intervenção da Otan na Síria, a Rússia e o Irã intervirão militarmente ao lado do atual regime?

Quanto ao Irã, ele já intervém na Síria fornecendo ajuda militar, logística e tecnológica ao regime atual. Ele também lhe traz apoio financeiro, o que contribui para jogar contra o regime aqueles que há muito tempo denunciam a ingerência iraniana em seu país.

Nessas condições, não vemos o que o Irã poderia fazer a mais para ajudar o regime de Bashar Al-Assad a superar o teste no qual ele embarcou, mesmo que digam hoje que ônibus transportando combatentes iraquianos dependentes de Mouqtada Sader teriam entrado na Síria para levar ajuda, a pedido do Irã, aos militares sírios.

Não creio que se a Otan, mais do que a ONU, decidir iniciar uma ação na Síria, a Rússia e a China procurarão confrontá-la.

O que mais se pode esperar da Liga Árabe?

A Liga Árabe trouxe uma resposta que deu satisfação parcial aos opositores sírios. Ela exigiu que Bashar Al-Assad retire suas forças de segurança das cidades, liberte os prisioneiros feitos durante os acontecimentos e autorize a entrada na Síria de observadores e jornalistas independentes.

Ela também lhe exigiu que abra um diálogo com a oposição. A oposição, que recebeu bem as três primeiras exigências, tem reservas contra a última. Eles imaginam se o diálogo no qual a Liga Árabe está pensando é o mesmo que eles têm em mente... por mais que estejam alinhados na questão.

Para os manifestantes e parte da oposição, o único diálogo com o regime aceitável hoje é aquele que trataria dos métodos de transferência do poder atualmente nas mãos de Bashar Al-Assad para um governo de transição. Portanto, eles se perguntam se, ao realizar esse pedido de diálogo, a Liga Árabe ou alguns de seus membros não estaria tentando, mais uma vez, salvar o chefe do Estado sírio.

Os ministros das Relações Exteriores dos Estados árabes, que hoje estão reunidos em Rabat, vão ratificar a interrupção da participação da Síria nos trabalhos da Liga. Eles recusaram o pedido apresentado ontem por Damasco para organizar uma cúpula urgente dos chefes de Estado árabes. Eles parecem dispostos a ir até fim em sua intenção que é permitir, em troca de reconhecimento da legitimidade da oposição síria, a entrada em um processo de transição.

Quais sanções internacionais poderiam ter um impacto sobre o regime sírio?

Acredito que as sanções já adotadas estão tendo um impacto forte na situação na Síria. A economia hoje está quebrada. E os empresários estão considerando a oportunidade para se distanciar do regime.

Em compensação, as sanções tomadas contra membros civis e militares do regime são muito simbólicas. Acima de tudo, elas mostram à população que suas dificuldades estão sendo levadas em conta pela União Europeia e pelos Estados Unidos, mas não têm influência sobre aqueles que são alvo delas.

Tem-se uma ideia precisa da adesão de oficiais sírios e de parte do Exército à oposição política? E as deserções dentro do Exército? Podemos esperar uma reviravolta significativa de uma parte das forças armadas que poderia derrubar o regime de Bashar Al-Assad?

Ao longo dos dois últimos meses, as deserções aumentaram, mas o número de desertores é difícil de determinar. O Exército Sírio Livre (ESL) reuniria hoje cerca de 15 mil homens, mas não há nenhuma garantia sobre esse número.

Embora o número de desertores permaneça limitado comparado com o tamanho do exército sírio, o ESL parece hoje ter condições de defender certos vilarejos e, como vimos na noite passada, de atacar centros de serviços de segurança.

Até hoje, os oficiais de grau mais elevado são coronéis. Em quase todos os casos são oficiais sunitas, mas também conhecemos casos de deserções de oficiais graduados que pertencem à comunidade alawita, como a do suboficial Afaq Ahmed Mohammed, diretor de gabinete de uma autoridade dos serviços de inteligência da aeronáutica.

Nada de decisivo poderá ser feito no nível do Exército enquanto os generais alawitas, que detêm os postos mais delicados, não decidirem largar o regime e se unirem a uma personalidade ou à oposição para provocar uma mudança de regime.

Quais são as diferentes forças da oposição síria? Quem as representa? Que personalidades dentro dessa oposição poderiam, na sua opinião, se afirmar nos próximos meses e ter um papel importante na Síria?

É preciso primeiramente distinguir entre a oposição e o movimento de contestação. A maioria dos sírios que estão se manifestando nas ruas não são “opositores”. Eles pedem para si mesmos e para todos os sírios por condições de vida mais decentes, por liberdade e dignidade. Mas eles não têm programa político. Além disso, inicialmente a queda do regime não fazia parte de suas reivindicações. Foi unicamente a recusa do governo de ouvir seus pedidos e o aumento do número de vítimas que as levou à conclusão de que nenhuma mudança seria possível na Síria enquanto Bashar Al-Assad, sua família e seus aliados permanecessem no lugar.

A oposição propriamente dita é muito pequena na Síria. O governo baathista limitou consideravelmente as possibilidades de expressão de divergência ao longo das últimas quatro décadas. Os partidos de oposição foram obrigados a viver na clandestinidade. Eles não puderam renovar seus membros, não puderam recrutar novos militantes, não puderam atualizar sua ideologia...

No fim do ano 2010, os partidos de oposição não tinham nenhuma influência sobre o povo ou sobre os acontecimentos. Dentro dessa oposição, existem personalidades que têm o respeito da população fora do círculo restrito dos militantes de seus partidos. Entre elas, podemos citar o nome de Riyad Turk, ex-primeiro-secretário do Partido Comunista, o de Michel Kilo, opositor independente, o do advogado Haytham Al-Maleh, defensor de direitos humanos, ou do ex-empresário e ex-deputado na Assembleia do Povo, Riyad Seif.

Ninguém tem condições de afirmar que algum deles terá qualquer papel que seja nos próximos meses. Dependerá muito da maneira como o governo de Bashar Al-Assad cairá e daqueles que forem os responsáveis por sua queda. São eles que decidirão a quem confiar o cuidado de administrar o período de transição que se abrirá depois.

É possível compreender a falta de entusiasmo por parte das comunidades cristãs do país, desde que começou a insurreição generalizada na Síria?

É preciso primeiramente apontar que há cristãos que têm participado desde o início das manifestações, mas que nada permite distingui-los dos outros sírios. Entre eles, os assírios se pronunciaram sem ambiguidade a favor de uma mudança de regime.

Muitos cristãos temem que a queda do regime de Bashar Al-Assad resultará em dificuldades para eles, comparáveis às que seus irmãos no Iraque sofreram. Portanto, o regime sírio, que não tem interesse nenhum em deixar que os cristãos se distanciem, e que sempre se colocou como protetor das minorias na Síria, se esforçou desde o início do ano de 2011 para instilar medo em suas mentes.

Para o regime sírio, a única alternativa é hoje a chegada dos islamitas ao poder, conduzidos pela Irmandade Muçulmana. Os sírios sabem que essa possibilidade é muito pequena, para não dizer inexistente, mas a propaganda do regime causou medo.

Quais seriam os efeitos da queda do regime de Al-Assad na região?

O Líbano certamente seria o país mais afetado pela queda do regime de Bashar Al-Assad. O Hezbollah, que recebe apoio do regime sírio e que é abastecido em armas iranianas através da Síria, perderia tanto seu apoio político quanto as facilidades logísticas das quais dispõe.

O Irã também se enfraqueceria. Ele não poderia mais manter a pressão que exerce atualmente sobre Israel graças ao Hezbollah e ao Hamas palestino, cujo financiamento é por ele garantido.

Como um todo, os países árabes da região, que geralmente hesitam em dizer em voz alta tudo que pensam de ruim sobre Bashar Al-Assad e sobre a política síria, certamente veriam sua saída com satisfação...

Os israelenses certamente não eram a favor à queda do regime, no começo de 2011. Desde o acordo de desengajamento de 1974, eles só tinham elogios para a seriedade com que os sírios vigiavam sua fronteira comum.

A perspectiva de ver um regime dominado por islamitas assumindo o poder na Síria também suscitava reservas entre eles. Aparentemente eles mudaram de ideia nessa questão ao constatar que os manifestantes sírios não faziam da guerra contra Israel uma de suas prioridades.

Os sírios vão querer retomar Golan ocupada, mas eles acreditam que podem conquistar seu objetivo através de negociações. De qualquer forma, a questão das relações com Israel não será a prioridade da Síria pós-Bashar Al-Assad, na qual tudo deverá ser reconstruído: o Estado, a economia e as relações sociais.


Como classificar o conflito na Síria? É uma guerra civil? Um levante? Uma revolução?

No início, tratava-se de um levante popular. Aos poucos ele se transformou em uma verdadeira revolução não-violenta. Os sírios querem manter o caráter pacífico de seu movimento. Eles querem hoje a saída de Bashar Al-Assad e daqueles que o cercam, mas esperam conseguir isso sem recorrer às armas.

O ESL não pretende se apoderar do poder por força das armas, unicamente proteger suas manifestações.

Os sírios não querem uma guerra civil que colocaria os diferentes componentes étnicos ou religiosos da população uns contra os outros. E, até hoje, eles conseguiram.

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