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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Aviões teleguiados usados pelos Estados Unidos na "guerra ao terror" matam civis

Um UCAV MQ-9 Reaper do 42º Esquadrão de Ataque da USAF
Nos EUA, as aviões teleguiados são considerados um grande instrumento para a guerra ao terror. Há anos, Washington envia essas armas de alta tecnologia para o Oeste do Paquistão, enaltecendo sua precisão. Um jornalista local, todavia, diz que tem evidências fotográficas que as vítimas muitas vezes são civis.

Noor Behram lembra por que partiu em uma missão para fotografar as cenas de bombardeios no Paquistão. A razão foram 12 mortos –uma família inteira extinta no que oficialmente fora um ataque norte-americano contra militantes. Mas Behram, 39, que trabalha para a rede de notícias em árabe Al Jazeera, tinha fontes no Waziristão que disseram que a história oficial era apenas metade da verdade.

Ele subiu no carro e viajou de sua casa em Miranshah para Shawal, local do atentado, e viu algo que continua marcado em sua mente: corpos carbonizados e farrapos de roupas pendurados nas árvores.

“Na verdade, um helicóptero americano tinha atacado um hotel onde os insurgentes aparentemente estavam se escondendo”, disse Behram. “Uma família que morava em um morro vizinho ouviu o barulho e assistiu o incidente no vale. Neste momento, um jato norte-americano cruzou os céus e lançou um foguete na casa deles. Morreram quatro homens e oito mulheres e meninas”.

Naquele dia 27 de junho de 2007, porém, o repórter não encontrou notícias sobre esta família nos jornais –somente dos extremistas mortos. O choque inspirou-o a fotografar a morte e o sofrimento das vítimas civis não contabilizadas da guerra no Oeste do Paquistão, na esperança de publicá-los algum dia.

“A maior parte das pessoas são mortas por sondas americanas”, disse ele. “Mas as reportagens desses incidentes também dizem que um certo número de militantes morreu.”

Quase todas as fotos de Behram vêm de pontos no Norte ou no Sul do Waziristão. Eles foram atingidos por bombas lançadas por aviões guiados a partir do outro lado do mundo –em salas de controle nos EUA. “Não posso dizer quantos extremistas foram mortos na realidade”, diz ele. “Só o que posso dizer é que a maior parte das vítimas não são militantes, e sim pessoas que não estão envolvidas. Na maior parte, mulheres e crianças.”

O pé de uma criança, o crânio de um jovem esfacelado

As autoridades em Washington dizem que quase não há mais vítimas civis porque os ataques por aviões teleguiados são tão precisos. Behram discorda: “Estimo que, para cada extremista morto, haja cerca de 15 vítimas civis”, diz ele.

As fotos são horríveis. Uma mostra um menino com o crânio esfacelado, outra, o pé desmembrado de uma criança. Uma foto tem um menino morto com a cabeça envolta em uma bandagem. Livros escolares ensanguentados estão em outra. As partes de corpos de toda uma família aparecem em meio a destroços em outra. As fotos são tão inquietantes que o “Spiegel Online” publicou apenas algumas.

Após visitar os locais de cerca de 70 ataques por aviões não tripulados nos últimos quatro anos, Behram viu mais de 600 corpos. Este trabalho é um projeto pessoal, não da rede Al Jazeera, diz ele, explicando que queria ver a verdade por si próprio. Mas como jornalista no Paquistão, Behram ganha pouco e teve que pegar emprestado a câmera de amigos e parentes. Imagens dolorosamente detalhadas são o resultado.

O trabalho também é perigoso. Muitas vezes, ao chegar ao local logo após um ataque, Behram temia novos tiros.

Insônia e outros distúrbios

Ele ajudava a enterrar os mortos e tirar os feridos dos destroços. Ele também atendia os feridos. Somente depois, ele pegava a câmera. Ele tinha que pedir permissão dos anciãos do clã e de comandantes do Taleban para usá-la. Ele tinha que convencê-los de que não era um espião, não era uma das pessoas que passam coordenadas para a CIA para possíveis ataques.

É impossível verificar a veracidade das fotografias. Quase nenhum jornalista pode vagar independentemente no Waziristão. As informações de Behram, contudo, batem com as datas e locais dos ataques pelas sondas.

Hoje ele está sentado em um restaurante na capital do Paquistão, Islamabad. Ele veste uma camisa de algodão bege até os joelhos, calças largas e quepe pashtun combinando. Ele parece nervoso e pisca muito; o olho direito se espreme. Ele não se sente bem, diz. Ninguém se sente bem no Waziristão. Muitas pessoas têm problemas psicológicos. “A pior parte é a insônia”, diz ele. “Os aviões atiram principalmente contra nossas casas, e sempre temos que nos preocupar se seremos alvos. Como você pode dormir nessas condições?”

Duas vezes por semana, o exército paquistanês tranca as duas partes do Waziristão para que ninguém possa sair de casa. São os dias em que o exército recebe suprimentos, quando alimentos e munição chegam para as forças de combate ao terrorismo do Paquistão. O recolhimento forçado é uma resposta aos ataques contra o exército. “Nesses dois dias, as lojas ficam fechadas”, diz Behram. “Mas mesmo nos outros dias úteis, quase não tem comércio. Quem tem trabalho hoje em dia? Até as escolas fecharam.”

Nem sempre é fácil lidar com o Taleban, diz ele. Há violência diariamente, e o Taleban combate os soldados e a polícia paquistanesa. Mas os civis também são mortos regularmente –pessoas consideradas espiãs pelos extremistas. Os representantes do governo não são muito melhores, porque eles gastam milhares de euros em suborno para conquistar poder, diz Behram. “Quando chegam ao governo, pegam o dinheiro que passa pela região e embolsam”, diz ele.

Os ataques por aviões teleguiados radicalizam os moradores

Muitas pessoas do Waziristão dizem que os bombardeios norte-americanos radicalizam os moradores. Os ataques são formalmente condenados pelo governo paquistanês, mas sancionados em sigilo, como se viu claramente em documentos divulgados pelo WikiLeaks. “Quando uma casa é destruída e civis morrem, você pode ter certeza que as pessoas que moravam ali, os vizinhos e seus amigos, todos odeiam os EUA”, diz Behram. A violência e a necessidade econômica levam inevitavelmente à radicalização, diz ele. As pessoas não têm escolha: “São pobres demais para procurarem perspectivas melhores em outras partes.”

Behram compreende por que os EUA combatem o Taleban. “Os EUA e o Taleban estão em guerra, admitimos isso”, diz ele. “Mas o que os milhares de habitantes no Oeste do Paquistão têm com isso? Por que estão sendo mortos?” O jornalista quer mostrar que está sendo cometida uma injustiça. A guerra por aviões teleguiados começou em 2004, mas o presidente Bush a aumentou em julho de 2008, e seu sucessor, Barack Obama intensificou-a ainda mais. Behram quer mostrar que isso não faz sentido.

O jornalista tenta se manter neutro. Ele sorri e diz que sua mulher, que dirige uma escola para garotas, deu ao primeiro filho o nome de “Osama”. O menino nasceu há cinco anos. “Há muitos Osamas da mesma idade no Waziristão”, diz ele, passando a mão pela barba preta grossa. “É um protesto das pessoas contra os ataques pelas sondas”.

Ele ri, como se soubesse muito bem que é um protesto inútil. Depois, subitamente para de rir.

“Osama tem leucemia”, diz ele.

História alternativa

A campanha dele contra os ataques por aviões não tripulados também é uma tentativa para afastar a atenção dele mesmo. Em março, ele considerou que tinha suficientes fotos. Ele as ampliou, convidou um grupo de jornalistas às próprias custas para viajarem de ônibus até Islamabad, onde apresentou as fotos em um stande feito em casa.

“Levei os jornalistas para minha própria proteção”, disse ele. O governo paquistanês não tem interesse em deixar que o sofrimento de seu próprio povo –o qual ele permite- venha à luz. E não tem escrúpulos quando reprime os dissidentes.

Em Islamabad, o jornalista conheceu um advogado, Shahzad Akbar, que representa uma série de vítimas dos bombardeios e estava preparando uma grande ação na justiça. Akbar apresentou Behram para uma organização de direitos humanos britânica, Reprieve, e agora a coleção fotográfica será apresentada em Londres. Oitenta e cinco fotos –todas as que parecem adequadas para a mídia. “Em uma exibição, elas têm um impacto diferente”, diz ele. Ele tem dúvidas se deve mostrar uma foto de um alcorão manchado de sangue. Ele não quer causar derramamento de sangue. A violência em reação à violência não leva a nada.

Ele diz que talvez publique um livro. Nos últimos quatro anos, manteve um diário amargo sobre suas experiências e observações. Sua história deveria servir como alternativa para os relatórios oficiais que falam de uma região perigosa e arrasada pela guerra.

Agora, como é conhecido pelos locais, como se tornou uma figura pública, nada pode acontecer a ele, acredita.

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