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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Conferência internacional em Bonn precisa tratar do que o Afeganistão realmente precisa


A conferência internacional sobre o Afeganistão, que terá início nesta segunda-feira (6) em Bonn, visa convencer Cabul de que o Ocidente não abandonará o país após a retirada das tropas estrangeiras em 2014. Mas se o encontro quiser ser mais do que apenas um espetáculo, a comunidade internacional precisa abandonar suas ideias de impor valores ocidentais ao país.

O momento é deliberadamente simbólico. Há 10 anos, após as forças militares ocidentais terem expulsado o regime do Taleban e a Al Qaeda de Cabul, a Alemanha promoveu uma conferência com representantes afegãos, que escolheriam um presidente de transição no Hotel Petersberg, o centro de conferências de propriedade do governo em uma colina, com vista para Bonn e que foi apelidado de “Camp David alemão”.

Os americanos indicaram o líder pashtun Hamid Karzai como sendo seu favorito. Com frio e com fome enquanto se entrincheirava em uma cabana na montanha nos arredores de Kandahar, Karzai, falando por telefone via satélite, aceitou assumir o cargo.

Nesta segunda-feira, o futuro do Afeganistão estará novamente na agenda em Bonn, a ex-capital alemã. Desta vez, entretanto, Karzai estará presente pessoalmente como chefe de Estado afegão e presidente da conferência. Sua delegação se hospedará no Hotel Petersberg. Descendo o Rio Reno, cerca de 100 representantes se reunirão em Bonn na antiga sede do Bundestag, o Parlamento alemão. Lá, os planos pedem que concordem com um documento no qual a comunidade internacional se compromete em fornecer ajuda ao país por pelo menos mais uma década após a saída das últimas tropas de combate estrangeira em 2014. Essas atividades incluiriam assistência adicional para a reconstrução civil, treinamento e financiamento das forças de segurança, com aproximadamente 350 mil soldados e policiais, e investimentos para melhorar as perspectivas econômicas a longo prazo do país.

Amplo acordo sobre as prioridades 

Tudo soa muito agradável e esperançoso. Ao assumir a responsabilidade pela organização dessa enorme conferência, diplomatas alemães se viram diante de uma tarefa árdua, mas louvável. No processo, o resoluto e competente Michael Steiner, um ex-embaixador que atualmente serve como representante especial da Alemanha para o Afeganistão e Paquistão, provou ser um empresário talentoso.

No momento, quase toda a comunidade internacional concorda em dois pontos. O primeiro é que a guerra contra o Taleban não pode ser vencida militarmente e que todas as forças internacionais gostariam de sair do Afeganistão o mais depressa possível. O Ocidente subestimou enormemente o desafio que enfrentaria no país. Para os Estados Unidos cansados de guerra, o custo desde o final de 2001 é de quase 2 mil soldados mortos e 10 mil feridos, sem contar os atuais US$ 110 bilhões gastos por ano.

Segundo, também parece haver um consenso de que o Afeganistão precisa chegar a um grau de estabilidade interna que o impeça, depois de 2014, de mergulhar no tipo de guerra civil e caos que ocorreu após a retirada das forças soviéticas em fevereiro de 1989. Pouco tempo depois, Moscou cortou os fundos de ajuda que fornecia ao presidente Najibullah, seu fantoche, para bancar suas forças de segurança, provocando o colapso de seu governo. O massacre resultante pelos mujahadeen custou dezenas de milhares de vidas apenas em Cabul. “Se o Afeganistão se deteriorar”, diz um importante participante da conferência, “então toda a região poderia enfrentar uma situação explosiva, particularmente se a crise vazasse para o Paquistão, na condição de potência nuclear instável”.

Mas no Paquistão, um país muçulmano com um alto potencial de comportamento extremista, a turbulência poderia estourar a qualquer momento. Lá, o forte sentimento anti-Ocidente se aproxima do ponto de ebulição, especialmente desde o recente ataque de helicóptero da Otan que deixou 25 soldados paquistaneses mortos.

Em protesto contra o ataque, o governo do Paquistão disse que não mais participaria da conferência em Bonn. A decisão não é bem-vinda. Em suas simulações de planejamento, os diplomatas veem o Paquistão como sendo o elemento regional mais imprevisível. Até agora, Islamabad não tem se mostrado disposto a dar nenhum passo decisivo na promoção de um processo de reconciliação entre os elementos domésticos do Afeganistão ou em renunciar seu apoio aos insurgentes de lá. Uma parte significativa do Taleban, incluindo os militantes da rede Haqqani e do senhor da guerra afegão, Gulbuddin Hekmatyar, continuam tendo fortes laços com a agência de inteligência paquistanesa, ISI.

Não há paz sem o Paquistão

Assim, se o Paquistão se recusar a cooperar, não será possível a paz no vizinho Afeganistão. O Paquistão é imprevisível e poderia frustrar todas as declarações ambiciosas de intenção feitas na conferência em Bonn, incluindo a esperança de promover um diálogo interno dentro do Afeganistão. Igualmente, o processo só será possível assim que todos os grupos étnicos rivais e forças sociais relevantes –incluindo as mulheres– sentirem que estão devidamente representadas à mesa.

Mas outro elemento de incerteza é a composição étnica de certas instituições no Afeganistão, como as forças de segurança. A polícia e o exército são dominados por tadjiques e uzbeques, duas minorias étnicas que ficaram ao lado da Aliança do Norte durante a guerra civil. Elas continuam sendo vistas como o inimigo odiado por muitos pashtuns, o maior grupo étnico do Afeganistão, que se veem como os “verdadeiros” afegãos e correspondem ao maior pool no qual o Taleban recruta seus combatentes.

Mas, aos olhos dos participantes da conferência, são os americanos que trazem o maior volume de incertezas ao grande jogo no Afeganistão. Ninguém sabe quais são realmente as metas deles a longo prazo. De fato, o que parece faltar em Washington é uma orientação decisiva de cima. O presidente Barack Obama e a secretária de Estado, Hillary Clinton, estão claramente tentando promover um final respeitável para o envolvimento dos Estados Unidos no Afeganistão. A posição oficial é de que alguns poucos milhares de soldados americanos, atuando a partir de campos de suprimentos, poderiam cumprir a promessa de continuar treinando as forças de segurança afegãs depois de 2014, assim como continuar combatendo os terroristas islâmicos e a máfia das drogas na região.

Ao mesmo tempo, também há estrategistas de escolas de pensamento influentes e outros elementos dentro do Departamento de Defesa que acreditam que será necessário os Estados Unidos manterem uma presença de longo prazo na região, diante dos desenvolvimentos no Irã, Paquistão e na China, assim como o fator dos recursos naturais na Ásia Central. Além disso, pelo menos três grandes bases militares precisariam ser mantidas no Afeganistão: uma em Mazar-e-Sharif, no norte do Afeganistão; outra em Bagram, perto de Cabul; e outra em Kandahar, no sul. Desta última, os Estados Unidos poderiam continuar lançando suas missões com aeronaves não tripuladas, que têm sido muito bem-sucedidas no combate aos militantes na região ao longo da fronteira entre o Afeganistão e Paquistão. Há planos para que todas essas atividades continuem sob os auspícios de uma “parceria estratégica”, que soa inócua.

Tornando o Paquistão senhor de seu próprio destino 

Karzai, que sobreviveu a várias tentativas de assassinato, é um mestre da sobrevivência, e não se sabe se ele aceitaria esse acordo. Os insurgentes se recusam a entrar em qualquer negociação de paz, muito menos discutir a formação de um governo de unidade nacional enquanto soldados americanos ainda estiverem estacionados no país.

De fato, se a conferência em Bonn pretende ser algo mais do que um evento cortina de fumaça, fornecendo justificativa moral para a futura retirada do Afeganistão, a comunidade internacional terá que abandonar o senso de superioridade que tem exibido até o momento, assim como suas pretensões de impor valores ocidentais a uma sociedade que continua baseada em uma estrutura tribal patriarcal profundamente enraizada. Da mesma forma, os novos entendimentos necessários devem incluir o reconhecimento de que aqueles no poder em Cabul não podem ser impedidos de promover arranjos políticos com os insurgentes. Ao continuarem exigindo que sejam autorizados a manter bases no Afeganistão, os americanos poderiam minar este processo.

De fato, uma das constantes na política afegã é a mudança constante das alianças. No final, os afegãos precisam ser autorizados a determinar seu próprio destino. E isso precisa ocorrer no contexto de um sistema de governo que reflita as tradições culturais dos próprios afegãos – não as nossas.

2 comentários:

  1. Ótima as duas reportagens mostrando uma realidade e complexidade que a mídia ocidental é em geral incapapaz de mostrar a respeito do Afeganistão,voce poderia dizer em qual jornal ou revista conseguiste essas reportagens?

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