Catedral de São Basílio, na Praça Vermelha, Moscou, Rússia |
Dezembro marca o 20º aniversário da queda da União Soviética. É um momento oportuno para avaliar o que foi conseguido – e o que fracassou– na Eurásia nas últimas duas décadas.
O governo Obama tentou “reinicializar” as relações dos Estados Unidos com a Rússia. Mas a recente ameaça pelo embaixador russo na Otan, Dmitri Rogozin, de fechar a linha de suprimento para o Afeganistão é um lembrete de quão profundas são as raízes do antiamericanismo, e como a Rússia está cada vez mais se afastando do Ocidente.
Não precisava ser assim. O colapso multifacetado do império soviético e de sua ideologia comunista foi rápido segundo os padrões históricos. Do colapso econômico às “revoluções de veludo” nos satélites do Leste Europeu e separação das repúblicas independentes foram necessários poucos anos, de 1989 a 1991.
A notícia triste é que o colapso soviético não trouxe um “futuro brilhante” para sua população, como muitos esperavam na época, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Burocratas comunistas demais permaneceram no poder. A extirpação da fé, a ética corroída e o aumento da criminalidade impediram a ascensão de um Estado que serve seus cidadãos e responde plenamente por isso.
A assistência americana fracassou em assegurar transparência, governança participativa baseada no estado de direito. Parafraseando uma piada contemporânea, construir uma autocracia a partir da democracia é como fazer sopa de peixe a partir de um aquário, mas construir uma democracia a partir de uma autocracia é como montar um aquário a partir de uma sopa de peixe.
Atualmente, nenhuma das ex-repúblicas soviéticas, com exceção dos países bálticos e possivelmente a Geórgia, é uma democracia plena. Na Ucrânia, os dois líderes de partidos de oposição – o ex-ministro do interior, Yuri Lutsenko, e a ex-primeira-ministra, Yulia Tymoshenko – estão na prisão.
Na Rússia, o primeiro-ministro Vladimir Putin alegou recentemente no jantar do Valdai Club que “alguns analistas políticos alegam que o modelo multipartidário ultrapassou sua utilidade”. Com sua indicação para disputa da presidência, Putin deverá se tornar um dos líderes há mais tempo no poder na história da Rússia, ao lado de Pedro, o Grande, Catarina, a Grande, Nicolau 1º e Stalin.
A Rússia certamente não é mais comunista, mas também não é uma democracia. Ela parece ser uma autocracia paternalista, criminalizada. Citando o ex-secretário de Defesa americano e chefe da CIA, Robert Gates, a Rússia é “uma oligarquia dirigida pelos serviços secretos”.
Um lugar infeliz, ela sofre de algumas das maiores taxas de uso de drogas, corrupção e suicídio do mundo.
Além disso, ela é dirigida por um partido – o Rússia Unida – que visa manter sua influência. O presidente da Duma, Boris Gryzlov, que também é líder do Partido Unido, declarou recentemente que conquistar menos que a maioria constitucional (300 das 450 cadeiras) nas eleições deste domingo seria considerada uma derrota. E ele acrescentou de modo ominoso, “a derrota não é uma opção”. As pesquisas sugerem aproximadamente 52% para o Rússia Unida – menos do que a maioria constitucional cobiçada.
A agenda externa de Putin não é menos grandiosa. Ele declarou que pretende promover uma União Eurasiática, que se estenderia da fronteira polonesa até os montes Pamir. Ela incluiria o Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão, levando soldados russos de volta à fronteira afegã, e Moscou sem dúvida tentará atrair a Armênia e a Ucrânia para o bloco. O homem que chamou o colapso da URSS de “a maior catástrofe geopolítica do século 20” parece disposto a corrigir esse suposto erro.
Vinte anos depois da dissolução soviética, os líderes russos estão usando uma retórica intrigante. Gryzlov insiste em chamar o projeto de expansão de “bolshaya strana”, ou “grande país”, ou o “Grossraum”, como foi promovido por Carl Schmitt e outros ideólogos alemães na primeira metade do século passado.
O nacionalismo russo está se tornando mais forte. Nas pesquisas de opinião, o slogan “Rússia para os Russos (étnicos)” está ganhando popularidade. Stalin, um herói para o Partido Comunista (ainda a segunda maior força política do país), ainda figura consistentemente entre os líderes históricos favoritos do país. E nacionalistas detestáveis continuam ganhando seguidores.
Ao mesmo tempo, autoridades e magnatas passam férias, depositam seu dinheiro e educam seus filhos na Europa, não na Eurásia. Como dizem os nacionalistas, “os chineses e muçulmanos podem vir tomar nosso território, mas não podem tomar nossas almas – os ocidentais podem”.
No congresso do partido Rússia Unida, onde foi indicado candidato à presidência, Putin atacou os Judas das organizações não governamentais, que ousam receber dinheiro ocidental para promover a democracia. Imediatamente, três membros da Duma escreveram um artigo exigindo investigações fiscais e criminais da Golos, a única organização de monitoramento eleitoral independente que resta na Rússia. Isso é um mau sinal para as liberdades dos russos.
Alguns ativistas pró-democracia e autoridades do governo americano alegam que o advento da nova tecnologia da informação e das redes sociais pode levar a democracia para lugares como a Rússia, Ásia Central e Oriente Médio. Eles falam em termos do “Partido da TV” – pessoas que assistem a TV controlada pelo Estado– e o Partido da Internet –aqueles que são mais críticos e cosmopolitas.
Mas a tecnologia tem valor neutro e o conteúdo é tudo. Na Eurásia, o ciberespaço reflete a sociedade – assim como no Oriente Médio, onde os salafistas e a Irmandade Muçulmana têm páginas mais visitadas do que os liberais. Toda sorte de “trolls” do Kremlin e ultranacionalistas eslavos são tremendamente eficazes em usar o ciberespaço para propaganda ou pior. Na Rússia, o ciberespaço também reflete as crescentes tensões étnicas e religiosas e o aumento do antiamericanismo.
Vinte anos depois do colapso soviético, ainda há abundância de obstáculos para a democracia, livre mercado e o estado de direito. Os fantasmas que assombram o espaço pós-soviético tornam mais difícil para os Estados Unidos e o Ocidente lidarem com aqueles que governam o maior país do planeta e a vizinhança que ele controla.
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