Pessoas que trabalham nas eleições parlamentares russas esvaziam urnas em colégio eleitoral de São Petersburgo |
Estranhamente, as mesas do Café Moscou, em torno do relógio de água do shopping center Evropeiski, estavam no último domingo (4) meio vazias. Assim como o tempo fora desse refúgio de cristal, assim como toda a campanha eleitoral: cinzentas, sem vida, nubladas. No domingo seria um dia especial, com eleições, e o ambiente, de festa, com as muitas árvores natalinas que tão cedo foram montadas em Moscou. Mas, ao contrário do esperado, a capital estava um pouco adormecida.
Seria a chuva, com seus tímidos flocos de neve? Poderia ser a falta de Sol neste estranho começo de inverno, ou talvez a expectativa política, ou pior: o começo de uma nova etapa, tendo como perspectiva os piores presságios econômicos da era Putin.
Realizadas ontem as eleições na Duma [Assembleia Nacional], a partir de agora a vida política será marcada pelas eleições presidenciais do dia 4 de março, que, com quase total certeza, serão ganhas pelo atual primeiro-ministro e homem forte russo. E, depois, seja o que Deus quiser no campo da economia. Tão cambiante, tão pouco previsível e tão temido na vizinha e rica Europa.
Um relatório recente do Conselho Europeu de Relações Exteriores, um think tank pan-europeu, levantou a questão “O mesmo Putin, uma Rússia diferente?”, e constatou que as previsões de 2006 de que Moscou viraria uma das capitais financeiras do mundo e o rublo seria uma moeda de referência caíram por terra diante de turbulências econômicas que podem ter influenciado na escorregadela do partido Rússia Unida nestas eleições parlamentares.
Em 2008, quando a crise chegou com força, Putin trocou a retórica de “superpotência energética” pela necessidade de diversificar a economia e dos investimentos estrangeiros para sustentar a produção de hidrocarbonetos. Em 2009, o PIB russo caiu cerca de 8,9%. “A Rússia pós-Bric percebeu que estava longe de ser autossuficiente”, diz o relatório.
No último ano e meio a Rússia retomou o caminho do crescimento, mas com cerca de 3,6% a 4%, muito longe das cifras de antes de 2008.
Um relatório da agência Moody’s de outubro passado e especialistas e profissionais dos bancos russos esperam pelo que se chama aqui de “a segunda onda da crise”. Aqueles que acreditam que a festa continua apresentam como argumento as enormes reservas de ouro e de divisas, as terceiras maiores do mundo, equivalentes a pouco mais de US$ 500 bilhões. Os pessimistas que ontem tampouco teriam passado pelo Café Moscou temem que a excessiva dependência do petróleo e das matérias-primas aumente a vulnerabilidade da Rússia em relação às flutuações internacionais.
A ministra da Economia, Elvira Nabiulina, calculou que se o preço do petróleo baixar para US$ 60 o barril, o atual crescimento positivo pode novamente virar negativo. Os orçamentos estatais, que atualmente se baseiam em um barril de Brent a US$ 116, não ajudam a dissipar os temores.
“Precisamos muito de novos projetos e negócios. Essa será a fonte da nova industrialização da Rússia”, disse Putin no fórum da VTB Capital de outubro. Mas os investidores estrangeiros são pouco propensos a investir na Rússia, o que estanca a produtividade. O excesso de burocracia e a má infraestrutura são algumas das causas que espantam o investidor estrangeiro, mas também o investidor russo, que prefere tirar o dinheiro do país. E, sobretudo, a endêmica corrupção. A Rússia melhorou no recente relatório da Transparência Internacional, publicado neste mês de dezembro. Mas ela continua bem atrás na classificação, ocupando a 143ª posição entre 183 países, ao lado, entre outros, do Azerbaijão, de Belarus, das Comores, de Togo e de Uganda.
Outros dados se somam à pilha de preocupações. Um estudo realizado em maio pelo Centro Levada indicava que vem aumentando o número de russos que querem abandonar o país por não verem futuro ali. Cerca de 22% dos que responderam à pesquisa dos sociólogos queriam imigrar, para melhorar suas expectativas de vida, contra cerca de 13% em outra pesquisa realizada em abril de 2009.
Vladimir Putin mantém uma popularidade indiscutível de 67%, segundo as últimas pesquisas.
Sua volta ao Kremlin, combinada com o presidente Dimitri Medvedev, pode alegrar as elites que veem um horizonte complicado, marcado por difíceis desafios, talvez por tensões sociais que precisariam de decisões corajosas suas. Mas o Café Moscou continuará meio vazio em dias de festa, enquanto o futuro seguir nublado.
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