Social Icons

https://twitter.com/blogoinformantefacebookhttps://plus.google.com/103661639773939601688rss feedemail

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Le Monde: Radicais islâmicos usam internet para estudar e disseminar doutrinas

É um disco rígido perdido no oceano do processo judiciário aberto após os assassinatos cometidos em março de 2012 por Mohamed Merah. Os policiais o descobriram durante uma revista na casa da família da esposa de Abdelkader, o irmão mais velho do assassino de Toulouse. Ele pertencia a "Kader", indiciado por "cumplicidade em homicídio". Dentro dele havia uma biblioteca digital de milhares de textos que constituem tanto um guia de doutrinamento salafista quanto um manual do aprendiz jihadista, com textos de "acadêmicos" religiosos, vídeos propagandistas ou excertos de livros.

O que pode parecer um detalhe dentro de um caso judicial tão pesado, na verdade revela a caixa de ferramentas islamita, disponível a um clique de mouse. Ela materializa o grande papel da internet no processo de radicalização. Os sites visitados por Abdelkader Merah não estão ocultos: eles chegam a aparecer nas primeiras ocorrências nos motores de busca usando palavras-chave óbvias – "jihad", "sharia" etc. São traduzidas para o francês e, portanto, podem atingir um público bem mais amplo que a revista da Al-Qaeda na internet, a "Inspire", redigida em inglês. Acima de tudo, eles fazem uma propaganda em gotas recomendando um islamismo rigorista para a defesa de um jihad mais duro.

A maior parte dos textos é construída em torno de um mesmo raciocínio binário. Qualquer que seja o tema abordado, os argumentos são idênticos, apoiados por textos religiosos instrumentalizados e distorcidos de seu sentido primeiro. O objetivo é oferecer fundamentos ideológicos para um pensamento austero, para depois chamar o leitor a escolher seu lado.

O doutrinamento se constrói em etapas. A primeira consiste em opor os muçulmanos aos "descrentes". Assim, nos documentos consultados por Abdelkader Merah, o fiel aprende que a mínima dúvida o joga para o lado errado, o dos ímpios. "A mensagem do Profeta é uma verdade indiscutível. Acreditar que ela possa não ser é a descrença da dúvida", é possível ler em um texto intitulado "Descrença". Um outro condena qualquer forma de nuance, e ordena que os fiéis "respeitem o Corão ao pé da letra em vez de tentar inovar".

"Desencaminhar os jovens muçulmanos"
A segunda etapa visa colocar os muçulmanos uns contra os outros, em quase todos os documentos consultados, sugerindo que somente os "bons muçulmanos" são partidários de uma aplicação rígida da lei islâmica: "A sharia é o caminho geral que todos os muçulmanos devem tomar", insiste um desses textos, "Julgar as leis humanas". Pouco importa que eles rezem, jejuem ou façam caridade, "aqueles que julgam com as leis inventadas pelos homens trocaram a religião por essas leis, e isso é descrença."

Nessa aplicação rígida da regra, nenhum modelo, exceto por aquele que os talebãs estão tentando impor no Afeganistão, parece ser aceito pelos redatores dos diferentes textos. Nem mesmo a Arábia Saudita, considerada excessivamente submissa aos Estados Unidos, que, no entanto, é defensora de um wahhabismo – movimento tradicionalista e literalista – ultraortodoxo. No entanto, eles têm urgência em aplicar a sharia, inclusive nos países ocidentais. Isso porque nessas sociedades, como é mencionado no tratado "Sobre o comportamento em relação aos descrentes", é feito de tudo para "desencaminhar os jovens muçulmanos."

Uma vez assimilada essa base ideológica, o internauta que consultar os mesmos documentos que Abdelkader Merah pode passar para a terceira etapa: a execução da jihad.

"A principal obrigação que cabe aos muçulmanos não é o combate?", pergunta o autor do texto discretamente intitulado "A paz ou a espada", que diz: "Eles devem sair em jihad, jovens ou velhos, cada um segundo suas próprias capacidades (...). As pessoas querem praticar atos espirituais e temporais completamente difíceis apesar de sua falta de vantagens, ao passo que a jihad é religiosamente mais saudável. É, na realidade, o melhor ato para um muçulmano". Esse dever da jihad mundial, inicialmente justificada pelo conflito israelense-palestino, tem chegado a terras ocidentais.

Nessa quarta etapa, a ação individual é aconselhada e justificada. É o fim de células e redes como a Al-Qaeda. A hora é dos solitários isolados, mais discretos e com mais mobilidade: "O que faz o indivíduo sozinho se os outros não cumprirem seu dever? Ele ataca a si mesmo, se for capaz." Em outro texto, fala-se no "fim de uma das fases da jihad e no início de uma nova fase."

"A jihad se tornou um assunto controverso"
Todavia, nenhum versículo do Corão recomenda ações bélicas. Como para eles é impossível de justificar, esse é um ponto que a maior parte dos autores evitam. "O ato mais virtuoso é a jihad. Fazer o espírito humano compreender a virtude desse ato pode se provar difícil, mas somente a graça de Alá pode nos esclarecer", argumenta o autor das "Virtudes da jihad".

Alguns autores têm ciência de que a maior parte da comunidade muçulmana rejeita essa ideologia, e antecipam os questionamentos dos leitores. "A jihad se tornou um assunto controverso cuja finalidade é dizer aos muçulmanos: sejam pacíficos... As pessoas que procuram desculpas para não lutar zombam e ridicularizam a religião", afirma o autor de "A Paz".

Em uma última etapa, os textos mastigam o trabalho do neojihadista: eles selecionam para ele alvos em potencial. "Não se pode inculcar às pessoas que é proibido combater os civis", afirma o autor de "Inocentes", que lista os "infiéis" em geral e explica certos casos, como o dos judeus, "cujas mulheres e crianças"  o jihadista "pode matar se eles começarem a matar". Mas um muçulmano não pode ser morto, a menos que tenha "ajudado militarmente" o inimigo.

Esses textos soam ainda mais fortes pelo fato de que são muitos os que passam para a prática, como o caso de Mohamed Merah, que matou em Toulouse e em Montauban quatro soldados franceses de origem muçulmana, além de três crianças em uma escola judaica, em março de 2012; o de Alexandre Dhaussy, um convertido de 22 anos chamado de Abdelilah, que agrediu com uma faca um militar da Defesa em maio; e, por fim, o de Michael Adebolajo e de seu cúmplice, em Londres, acusados de terem matado a golpes de cutelo um jovem soldado no meio da rua, alguns dias antes.

Nem todos os que bebem nesses textos embarcam em ações. Mas todos os que embarcaram em ações os consultaram.

Um comentário: