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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Com fim da guerra civil cingalesa, Sri Lanka e Índia disputam área de pesca

Pescadores indianos puxam barco em Vellapallam, perto do estreito de Palk, na Índia

Flutuando no estreito entre a Índia e o Sri Lanka, um pescador indiano chamado Sakthivel se agachou em seu barco. Um oficial naval cingalês, que tirou uma foto do homem, deu um aviso: se encontrarmos você de novo em águas cingalesas, não deixaremos você partir.

Ao voltar para esta aldeia pesqueira indiana, Sakthivel vendeu rapidamente seu barco e jurou nunca mais pescar. Ele disse aos amigos que ficou assustado demais para voltar ao mar. Mas, sem instrução e desempregado, ele só sabia pescar. Então nasceu seu primeiro filho. Ele tomou dinheiro emprestado, comprou um novo barco, partiu novamente para o Sri Lanka e nunca mais voltou. Ele está desaparecido há quase um ano.

“Agora meu marido se foi”, disse sua esposa, Maheshwari, 21 anos, que como a maioria das pessoas neste vilarejo, só tem um nome. “Como vou me virar?”

Ao sul do subcontinente indiano, uma guerra de pesca está causando tensão nas relações entre a Índia e o Sri Lanka, à medida que pescadores indianos, frequentemente pobres e desesperados, regularmente invadem águas cingalesas e entram em conflito com a Marinha cingalesa. Os números variam, mas segundo um relatório, pelo menos 100 pescadores indianos foram mortos e 350 foram gravemente feridos nos últimos anos –outro exemplo da volatilidade das questões marítimas na Ásia.

A disputa é enraizada em uma mistura complicada de fatores locais: o esgotamento dos cardumes de peixes, em parte devido à pesca excessiva por traineiras indianas; o resultado do tsunami de 2004, que viu os fundos de ajuda parcialmente usados para expandir a frota pesqueira indiana, apesar do declínio das populações de peixes; e o fim da longa guerra civil do Sri Lanka em 2009, que provocou o retorno dos barcos pesqueiros do país às águas antes exploradas quase que exclusivamente pelos indianos.

A disputa é intensificada pela história e proximidade. No ponto mais próximo, os dois países são separados por menos de 10 milhas náuticas, apesar de ambos os lados terem laços étnicos. Os tamis dominam o Estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, e têm laços culturais estreitos com os tamis do Sri Lanka, até mesmo fornecendo apoio aos rebeldes tamis ou aceitando refugiados durante os combates que acabaram com a vitória do governo.

As tensões pós-guerra permanecem em Tamil Nadu. A ministra-chefe do Estado, Jayalatithaa, pediu recentemente às forças armadas da Índia que interrompessem os exercícios conjuntos com as forças armadas cingalesas. Nesta semana, ela suspendeu um burocrata que permitiu que uma escola cingalesa jogasse uma partida de futebol no Estado, e na segunda-feira (3) manifestantes enfrentaram os peregrinos do Sri Lanka que vieram a Tamil Nadu para um evento religioso.

Aqui em Vellapallam, a disputa em torno da pesca é profundamente pessoal, já que a pesca é praticamente o único meio de subsistência existente. Quando a aldeia foi devastada pelo tsunami de 2004, o dinheiro de ajuda foi usado para construção de casas de concreto para as famílias ou para ajudar a financiar novos barcos pesqueiros. Quase todos os pescadores da aldeia usam pequenos barcos motorizados em vez das grandes traineiras ancoradas em outras cidades próximas. Por muitos anos, dizem os pescadores, eles permaneceram próximos da costa indiana, mas gradualmente foram se afastando cada vez mais, à medida que diminuíam as populações de peixes.

Quando se aproximam das águas cingalesas ou entram nelas, dizem os pescadores, a Marinha cingalesa frequentemente está à espera. Um pescador, um homem magro e de olhos marejados chamado Pakkirisamy, tirou sua camisa para mostrar os hematomas e vergões em suas costas. Ele disse que os oficiais navais cingaleses o espancaram no mês passado com barras de aço e cordas pesadas. Ele disse que eles jogaram o combustível dele no mar e ordenaram que ele voltasse à Índia. Ele içou a vela e chegou oito horas depois.

É uma história comum. Outros pescadores descreveram o confisco de seu equipamento, o roubo de celulares e apreensão de sua pesca. Vários descreveram ser atacados por marinheiros cingaleses, apesar do acordo bilateral entre os dois países proibir esse tratamento. Antes, eles disseram, os navios da Marinha cingalesa apenas investiam contra as grandes traineiras, mas agora eles também perseguem os barcos pequenos.

“Este é um trabalho arriscado”, disse um pescador chamado Dhanabal. “Mas não sabemos fazer outra coisa. Somos analfabetos. Somos pobres.”

A questão das fronteiras marítimas é delicada em Tamil Nadu. Nos anos 70, a Índia e o Sri Lanka chegaram a um acordo sobre a fronteira marítima, na qual a Índia cedeu uma ilha chamada Katchatheevu ao Sri Lanka e os direitos de pesca ao redor. Hoje, muitos pescadores em Tamil Nadu, assim como líderes eleitos do Estado, querem a devolução da ilha e dos direitos de pesca como parte do que consideram sua herança.

Durante a guerra civil do Sri Lanka, os barcos de pesca indianos enfrentavam riscos e, ocasionalmente, fogo das canhoneiras cingalesas. Mas com frequência a Marinha cingalesa estava distraída com a guerra, permitindo aos barcos indianos pescarem livremente e com pouca concorrência, já que a frota pesqueira do Sri Lanka era impedida de trabalhar devido ao conflito.

Mas agora, os pescadores cingaleses estão voltando ao mar e se queixam da pesca ilegal e excessiva dos indianos –especialmente o grande uso pelos indianos de traineiras e redes de náilon de monofilamento, que são proibidas no Sri Lanka. Em fevereiro de 2011, pescadores cingaleses formaram uma flotilha e capturaram 18 traineiras indianas e 112 pescadores antes de libertarem os barcos sob pressão do governo.

“Grande parte dos recursos naturais no mar foram destruídos por eles”, disse S. Thavarthnam, presidente da Associação dos Pescadores da Província do Norte, um grupo cingalês. “Nosso futuro foi destruído por eles.”

Sugeeswara Senadhira, o cônsul geral da embaixada do Sri Lanka em Nova Déli, negou que navios da Marinha estejam atacando os barcos pesqueiros indianos, descrevendo essas afirmações como “histórias inventadas”. Ele culpou os barcos indianos por atravessarem ilegalmente a fronteira internacional.

“Eles não podem pescar em torno da ilha”, disse Senadhira.

V. Vivekanandan, um antigo defensor dos pescadores indianos que estudou de perto a disputa, disse que os esforços diplomáticos estagnaram e que diretrizes regionais para gestão da pesca são necessárias. Ele disse que o número de barcos de pesca e traineiras indianas aumentou significativamente, em parte devido aos fundos de ajuda disponíveis após o tsunami. Ele pediu por uma comissão regional, com representantes de ambos os países, para a gestão dos recursos de pesca cada vez menores e para arbitrar as disputas.

“Não há peixe suficiente”, disse Vivekanandan. “Houve um aumento imenso da capacidade de pesca, o que contribui para uma pesca menor por barco.”

Em Vellapallam, a pesca cada vez menor é uma ameaça para a sobrevivência das famílias de pescadores. Quase todos os pescadores são iletrados; até recentemente, a escola da aldeia terminava na quinta série. Para Maheshwari, a mãe jovem cujo marido desapareceu no ano passado, sua única renda é uma ajuda diária de 250 rupias, ou US$ 4,50, do governo. Deprimida e sem esperança, ela disse que tentou cometer suicídio.

Outra mulher, Rukumani, perdeu o marido há dois anos, depois que ele foi morto no que ela disse ter sido um confronto com marinheiros cingaleses. Ele foi molestado várias vezes, mas continuava voltando ao mar.

“Não há outro emprego”, ela disse. “Se ele não fosse, a família não teria comida. Ele dizia: ‘De que outro modo vamos comer?’”

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