Militares do Exército de Libertação Popular |
Os dirigentes chineses estão reunidos desde o final do mês de julho em Beidaihe, uma estação balneária próxima a Pequim, para a última grande rodada de negociações antes do 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) em outubro, que verá a saída de grande parte de sua direção.
Além da renovação do comitê permanente, a mais alta instância do PCC, e, abaixo, do gabinete político, a composição da futura Comissão Militar Central (CMC) é um dos temas de discussão. O Exército de Libertação Popular (ELP) é controlado pelo Partido através de uma dupla cadeia de comando, composta por comissários políticos e por uma direção, a CMC, conectada ao líder do Partido, no caso seu secretário-geral, Hu Jintao, que é o presidente da comissão.
O vice-presidente da CMC é Xi Jinping, o sucessor designado de Hu para o comando do país depois do congresso de outubro. Hu e Xi são os únicos membros do comitê permanente a pertencer à CMC, uma posição que garante sua preeminência sobre os sete outros “imperadores” do círculo dirigente. Assim, a exemplo de Deng Xiaoping, e depois de Jian Zemin, Hu Jintao deverá manter durante um ano ou dois seu posto de presidente da CMC apesar de ser substituído por Xi Jinping na liderança do partido. O objetivo? Cuidar de seu legado político.
O tema que se tornou recorrente da “nacionalização” do Exército, ou seja, colocá-lo a serviço do país e de sua Constituição, e não do Partido, defendido por parte dos militares, mas também pelos meios pró-democracia, torna-se altamente delicado em período de transição. Um jornalista chinês descobriu isso a duras penas.
2,3 milhões de homens
Yu Chen, redator-chefe da seção de reportagens do “Nanfang Dushi Bao” do Cantão, um dos jornais mais liberais da China, teve de se demitir em maio depois que o Weibo (microblog chinês) de sua coluna divulgou a seguinte mensagem: “Se é preciso considerar o Exército da Libertação do Povo como pertencente ao Partido Comunista, então o povo deve poder criar um outro exército!” Yu Chen confirmou o incidente mas preferiu não dar mais detalhes.
Esse gracejo não atingiu um ponto nevrálgico por nada: Hu Jintao e Xi Jinping são os dois únicos civis da CMC, da qual o ministro da Defesa, o general Liang Guanglie, é um simples membro. O resto é composto por militares. Só que 7 dos 12 membros atuais devem ser substituídos após o congresso. O Exército, que conta com 2,3 milhões de homens, tem suas próprias questões políticas: a Liga da Juventude Comunista, por exemplo, o corpo de origem de Hu Jintao e o de seus aliados, não está representado ali, e por isso o presidente chinês teve de cultivar dentro do Exército um outro círculo de fiéis, promovendo homens-chave. Só que dentro do ELP se encontra um grande número de taizi, os “filhos de príncipes” (ou seja, líderes revolucionários), cujas origens comuns podem reunir dentro do partido subfacções de ambições às vezes exageradas – como mostrou o caso de Bi Xilai.
“Promover os taizi é necessário [para um dirigente] a fim de garantir para si o apoio da geração anterior e reforçar sua legitimidade”, acredita o intelectual Hu Xingdou, entrevistado pelo “Le Monde”. “Os acordos dentro da CMC têm por objetivo garantir que o Partido continuará dirigindo o Exército. A escolha dos candidatos depende ao mesmo tempo do jogo das facções e das afinidades dos dirigentes. A Coreia do Norte funciona de acordo com uma sucessão familiar, a China segundo uma sucessão coletiva que envolve centenas de famílias”, diz essa figura da intelligentsia liberal.
Clima de contenção
Em março, a mídia de Hong Kong havia repercutido os problemas do general Zhang Qisheng, que por um tempo foi cogitado para o cargo de chefe de estado-maior geral, em razão do apoio que ele manifestou à tal “despolitização” e do escândalo que ele provocou durante um banquete de Ano Novo na presença de Hu Jintao, a respeito de “manobras” que regeriam a acessão à CMC. O general ainda está em exercício, mas suas chances de chegar ao mais sagrado dos postos agora estão comprometidas. De qualquer forma é uma questão premente: “A acessão ou não do próximo ministro da Defesa à vice-presidência da CMC, por exemplo, é uma das questões de sua futura composição”, explica um observador estrangeiro das questões militares chinesas que, no atual clima de contenção do Exército, não espera nenhuma grande mudança estrutural.
Deve-se lembrar de que o contexto político atual é particularmente delicado: o escândalo Bo Xilai voltou a centralizar o poder em torno do quarteto “Hu Wen Xi Li” (Hu Jintao, Wen Jiabao e seus dois sucessores, Xi Jinping e Li Keqiang) e a aproximação da transição ressuscitou a esperança de uma democratização parcial e controlada do regime. A necessidade de “reformas políticas” na China, assunto que é tabu já de alguns anos, recebe apoios explícitos entre um número cada vez maior de grupos.
Mas a intensidade das brigas internas também fez o PCC pensar: agora não é o momento de deixar escapar “o cano do fuzil”, única garantia do controle do poder. O momento é de lealdade absoluta ao partido. A mensagem foi proclamada durante o 85º aniversário do ELP, no dia 1º de agosto. Os mais turbulentos dos taizi se conformaram, assim como o general Liu Yuan, filho do ex-presidente Liu Shaoqi e arquiteto de uma operação anticorrupção dentro do Exército que causou grande comoção.
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