Durante alguns meses, em 2012, os habitantes de Mogadício começaram a acreditar que as coisas iam melhorar. A retirada das unidades do movimento Al-Shabab da capital somali, no ano anterior, havia sido um ponto de virada. Junto com seus guerreiros de rostos mascarados se foram uma série de interpretações rigoristas do islamismo e os combates devastadores com a Amisom, a missão da União Africana para a Somália.
Seria aquela finalmente a oportunidade para o novo governo somali, cujos precedentes haviam sido fracos e corruptos, de reinstaurar a autoridade do Estado, desaparecida vinte anos antes? As solidariedades de clã cederiam lugar a um poder central? Era possível sonhar com isso. Afinal, em Mogadício, a vida começava a voltar ao normal.
Estava se tornando possível ir à praia ou se sentar no terraço de um dos novos restaurantes para admirar o pequeno boom no setor da construção civil. Os otimistas celebravam a decolagem de certas atividades – telefonia, bancos, comércio - , esquecendo-se de que os somalis se destacaram nesses setores ao longo dos vinte últimos anos de suposto "caos".
Em outubro de 2012, oito anos de transição chegaram ao fim. Uma assembleia constituinte trabalhou em um modelo de Estado federal que acomodaria as dinâmicas somalis. Eleições gerais seriam organizadas em 2016. Tudo com um forte apoio internacional, motivado especialmente pelo medo de ver o Al-Shabab instaurar na Somália um emirado, plataforma de diversos movimentos jihadistas.
Para apoiar esse impulso, vindo de fora, um "new deal" foi fechado em meados de setembro em Bruxelas, destinado a injetar 1,8 bilhão de euros para ajudar o governo a se reconstruir e a retomar o controle das zonas conquistadas pela Amisom e seus aliados.
Soluções africanas para problemas africanos
Foi precipitado achar que o Al-Shabab seria incapaz de levar o país de volta à realidade. O Harakat al-Shabab al-Mujahidin (Movimento da Juventude dos Mujahidin) sofreu várias metamorfoses e graves derrotas nos anos anteriores, combatendo as tropas da Amisom. Os soldados africanos – ugandeses e burundineses durante os duros anos de combate, com a adesão de contingentes de Djibuti e de Serra Leoa, bem como o corpo expedicionário queniano, que tem seus próprios interesses – sofreram grandes perdas, sem revelar quantas, e não hesitaram em usar artilharia em zona urbana.
A Amisom funciona graças aos financiamentos da União Europeia e dos Estados Unidos, que assim delegam uma operação anti-Shabab sem colocar nenhum soldado ocidental em campo, sob pretexto de estar promovendo soluções africanas para os problemas africanos. Depois disso, teoricamente as tropas governamentais somalis deveriam assumir. Mas, como lamenta uma fonte dentro da força pan-africana, "Na verdade, nunca há ninguém por trás". Em outras palavras, nenhum soldado somali. O Exército nacional é uma nova coleção de facções. E a Amisom está no fim de suas capacidades de se desdobrar no local.
Mas embora o Al-Shabab tenha parado com a guerra frontal, ele ataca continuamente, de maneira assimétrica. Eles perderam centenas de homens nos combates em solo, perderam as cidades principais do centro e do sul da Somália. Mas eles se reorganizaram em torno de seu chefe, agora único, Ahmed Abdi "Godane", conhecido como Abou Zubayr.
Ao longo dos meses, eles intensificaram uma campanha de terror – até o vizinho Quênia, com o ataque sangrento a um shopping center de Nairóbi, no dia 21 de setembro. Nas cidades, o número de ataques a granada ou com bombas caseiras e assassinatos direcionados dobrou em relação a 2012. Agora são dezenas deles a cada dia, segundo o balanço metódico do NSP (NGO Safety Programa for Somalia/Somaliland). Alguns foram organizados por outros elementos fora do Al-Shabab (rivalidades entre clãs, políticos afastados do jogo etc). Mas segundo uma fonte do NSP, "de 85% a 90% dos assassinatos e ataques a granada são atribuíveis ao Al-Shabab, assim como 95% das explosões de bombas caseiras".
Em abril, um atentado de grande escala matou mais de trinta pessoas no principal tribunal de Mogadício, com uma metodologia elaborada. "A mensagem era clara: o governo não tem a capacidade de proteger você", analisa Cédric Barnes, chefe do projeto Chifre da África no International Crisis Group (ICG). "Tudo aquilo que representa uma forma de normalização passa a ser um alvo", resume uma fonte do setor de segurança.
Liberdade de movimentação nas zonas governamentais
Mas o Al-Shabab mantém uma liberdade de movimentação nas chamadas zonas governamentais. Um especialista sobre a região mostra os corredores pegos em total liberdade por seus veículos até a costa norte, entre Somaliland e Puntland, para ir buscar armas. Mais perto, no subúrbio de Mogadício, em Danyile: "Durante o dia é a polícia que controla; à noite, é o Al-Shabab", garante um elemento da região. Além disso, boa parte das zonas rurais do centro e do sul da Somália ainda está sob controle do movimento, incluindo três portos, entre eles o de Barawa.
O financiamento deles não se esgotou. O movimento ainda recebe impostos da diáspora ou de empresários (as empresas de telefonia, por exemplo), de ONGs (cerca de 20% de seu orçamento) e se beneficia indiretamente da ganância das tropas governamentais. "Há tantas barreiras nas estradas principais mantidas pelo governo que as pessoas às vezes preferem tomar as rotas secundárias mantidas pelo Al-Shabab", afirma uma fonte humanitária.
Do lado militar, a Amisom gostaria de estender as zonas que estão sob seu controle. Seu chefe, o representante especial da União Africana para a Somália, Mahamat Saleh Anadif, apresentou um quadro preocupante da situação diante do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no dia 12 de setembro, insistindo nas "táticas de perseguição que estão cada vez mais sofisticadas, com excelentes preparações e treinamentos e que recebem os recursos necessários" de seu inimigo. Como há uma exigência de que a Amisom combata, ele frisa a necessidade de receber mais recursos, sobretudo helicópteros.
Já o governo somali se atém aos "seis pilares" de uma reforma do país que parece ficção. Discute-se arduamente a forma de federalismo que conviria à Somália, com a bênção de outros países. "A discussão sobre o federalismo oblitera todas as questões centrais, e faz com que se esqueça que ainda não houve nenhum progresso tangível para a sociedade", observa Cédric Barnes. "É pior que o Afeganistão", lamenta uma fonte regional, "isso ainda vai durar dez ou 15 anos."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário