Centenas de pessoas acompanham funeral de um dos 16 soldados egípcios mortos na Península do Sinai em ataque terrorista no último domingo |
O teste para o novo presidente egípcio, Mohamed Morsi, chegou mais rápido que o previsto. O assassinato, no último domingo (5), de dezesseis guardas de fronteira egípcios na península do Sinai, coloca o chefe do Estado egípcio diante de dois dos desafios mais difíceis que o esperam: o restabelecimento da segurança e suas relações com Israel.
Por ser o primeiro civil à frente do estado egípcio desde 1952 e o primeiro islamita a dirigir o Egito, em paz com Israel desde 1979, ele é alvo de uma dupla expectativa de falhas após o ataque ao posto fronteiriço de Karm Abou Salem (Kerem Shalom, em hebraico). As questões de defesa e a relação com o estado judaico na verdade cabem em sua maior parte ao Exército no Egito, sendo que a divisão do poder entre o novo presidente vindo da Irmandade Muçulmana e o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) tem sido justamente objeto de uma acirrada luta de influências na cúpula do estado desde a reeleição de Morsi, no final de junho.
O Exército egípcio não quer permitir de forma alguma que o caos se instale no Sinai, comprometendo a paz com Israel e, consequentemente, a dádiva americana anual de US$ 1,3 bilhão (cerca de R$2,6 bilhões) que acompanha os acordos de Camp David.
Além disso, foi o Exército egípcio que jurou, em um comunicado, “vingar” as dezesseis vítimas de domingo, e que destilou as informações sobre a presença de grupos jihadistas no Sinai e na Faixa de Gaza. Por fim, foi o Exército que tomou a iniciativa de fechar até nova ordem o ponto de passagem de Rafah, entre o Egito e a Faixa de Gaza, invalidando assim a promessa de Mohamed Morsi de melhorar as condições dos palestinos facilitando sua passagem para o Egito, a única porta de saída que eles têm do controle de Israel.
Em pleno esforço de “presidencialização”, o presidente Morsi fez um pronunciamento na TV já na noite de domingo, no qual ele decretou três dias de luto, declarou um funeral nacional – ao qual ele compareceu – e anunciou instruções claras para retomar “o controle total do Sinai”.
Mas essa estratégia foi derrubada já na segunda-feira (6) por seu próprio partido de origem, a Irmandade Muçulmana, que em seu website atribuiu o atentado ao Mossad israelense, e assim pediu uma revisão do tratado de paz com Israel que limita a presença militar egípcia no Sinai. Uma acusação sem provas e uma negação preocupante da qual se apropriaram os islamitas palestinos do Hamas, que controlam a Faixa de Gaza.
Esse grande atrito vem se somar a um primeiro problema que houve no final de julho, quando a presidência egípcia desmentiu com veemência a existência de uma carta publicada pelo gabinete do presidente israelense, Shimon Peres, segundo a qual Morsi teria prometido empregar “o máximo possível de esforços” para reiniciar o processo de paz árabe-israelense.
A “pacificação” do Sinai promete ser ainda mais delicada pelo fato de que, desde a revolução que tirou Hosni Mubarak do poder, em fevereiro de 2011, as estruturas de segurança egípcias estão ali em completa caducidade. Não se sabe realmente se seria uma estratégia deliberada de caos por parte de defensores do antigo regime que querem provar sua necessária volta à ativa, ou um efeito do desamparo do Estado policial agora sem liderança ou diretivas.
Os ataques contra o gasoduto que liga o Egito a Israel e à Jordânia se proliferaram. Os policiais nem patrulham mais fora de seu distrito na cidade de Al-Ariche (norte do Sinai), e vários observadores atestam a presença de resistentes jihadistas bem armados, ao lado de traficantes de todos os gêneros.
O Sinai, que sempre foi território de todos os tráficos (drogas, armas, humanos), viu sua situação se degradar fortemente na última década. Primeiro, por causa da repressão cega e feroz que se seguiu aos atentados da Al-Qaeda contra as estações balneárias egípcias, em 2005: as tribos locais, resistentes ao governo central, entraram em rebelião aberta contra Cairo. Mas, também, por causa do bloqueio da Faixa de Gaza, que contribuiu para a expansão de uma economia de contrabando simbolizada pelos túneis de Rafah, e com a qual oficiais do exército e da política lucraram muito.
Há uma única pequena esperança nesse quadro sombrio: o novo ministro do Interior egípcio, Mohammed Ibrahim, nomeado no dia 2 de agosto, é conhecido por ter bons contatos entre as tribos do Sinai.
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