terça-feira, 7 de agosto de 2012
Em Chipre, praia deserta traz dolorosas lembranças de um conflito inacabado
Presa no túnel do tempo, Varosha, na região de Famagusta, tem resorts abandonados e prédios baleados em disputa que teve início em 1974 entre turcos e gregos
Cobras invadem as casas degradadas localizadas no resort abandonado à beira-mar de Varosha, na região de Famagusta, uma cidade fantasma com carros antigos em decomposição e mansões em ruínas onde o tempo parou em agosto de 1974.
Foi naquele ano que Turquia invadiu a Ilha de Chipre e a dividiu em duas partes: o sul dominado pelos gregos e o norte pelos turcos. Dos cerca de 15 mil moradores de Varosha que se apavoraram e fugiram - a maioria deles de origem grega - quase todos esperavam estar de volta a suas casas em questão de dias após a invasão.
Em vez disso, eles foram submetidos a um exílio de décadas durante o qual o Exército turco tem ocupado a região de Varosha, cercando-a com arame farpado e apenas permitindo que a natureza siga seu curso na região.
"Eu perdi tudo após a invasão dos turcos: minha casa, minha fábrica, meus laranjais", disse Harris Demetriou, 71 anos, um grego de Chipre cuja família fugiu de casa e deixou para trás um negócio de sorvetes em Varosha. "Eu tento não ficar preso ao passado ou à minha miséria. Eu desisti.” Demetriou, desde então, reconstruiu sua vida em um subúrbio perto de Nicósia, a capital de Chipre.
Com suas praias desertas e hotéis que uma vez atraíram pessoas como Elizabeth Taylor e Richard Burton hoje transformadas em terra de ninguém, a região de Varosha se tornou um símbolo da improvável solução do conflito. Os gregos disseram que Varosha tem sido conservada nessa situação permanente para que os turcos possam utilizá-la como barganha nas negociações. Os turcos, por sua vez, culpam a intransigência grega.
Um plano de paz da ONU, em 2004, propôs devolver ao controle de Varosha à região grega de Chipre de acordo com uma confederação aceita pelos cipriotas turcos. Mas os cipriotas gregos rejeitaram a reunificação da ilha.
E assim Varosha, uma região na cidade nordestina de Famagusta, permanece presa em um túnel do tempo. Seus hotéis se encontram em praias vazias, sem janelas, com marcas de tiros. Em uma praia que contorna a região, jovens mulheres de biquíni jogam vôlei de praia e saboreiam coquetéis, aparentemente indiferentes aos prédios bombardeados logo atrás delas. Um oficial turco vigia a região a partir de uma torre com intuito de alertar qualquer possível invasor.
Vislumbre
Cipriotas que tiveram um raro vislumbre além do arame farpado descreveram uma paisagem repleta de árvores que atravessavam os telhados das casas abandonadas, manequins vestindo calças boca de sino se encontravam atrás das vitrines com vidro estilhaçado. Os poucos pianos que não foram saqueados pelos soldados turcos estavam abandonados e cobertos com poeira em salas abandonadas.
Para alguns cipriotas turcos na região, a ocupação de Varosha - ainda fortemente patrulhada por soldados turcos - é um ultraje e motivo de vergonha.
"Isso me faz sentir envergonhada e com raiva", disse Selma Caner, 28 anos, uma professora de filosofia turca de Chipre, que tomava um banho de sol na praia ao lado da cerca de arame farpado que protege Varosha. "É um pouco assustador vir aqui. Mas depois de um tempo, você se acostuma. "
Alguns cipriotas turcos afirmam que a ilha poderá recuperar toda sua glória antiga apenas se os cipriotas gregos receberem de volta suas propriedades. Planejadores urbanos disseram que levariam cerca de 10 anos, e cerca de US$ 12 bilhões, para restaurar Varosha.
Dagli, um cipriota turco de Famagusta que faz parte de um grupo que promove a reconciliação, disse que espera que a economia possa superar o nacionalismo e que Varosha possa ser devolvida para o controle dos gregos de Chipre. Ele quer que a região seja restaurada como um ponto turístico importante de novo, proporcionando uma vantagem econômica para toda a ilha. Ele se lembra de quando ainda era criança e fugia até Varosha para comprar coisas como refrigerantes e sorvete que estavam fora dos limites do murado enclave turco nas proximidades.
"Eu quero que Varosha se torne uma cidade pulsante novamente, não quero que continue uma cidade fantasma", disse Dagli. "Nós não temos nenhuma chance de isso acontecer se permanecermos divididos para sempre."
Mas nem todos os cipriotas turcos querem devolver Varosha para os gregos. Após a invasão de 1974, cerca de 150 mil colonos turcos chegaram no norte de Chipre, muitos deles eram pobres e fazendeiros do continente, que os cipriotas gregos disseram ser imigrantes ilegais utilizados pela Turquia como uma arma demográfica.
Satilmis Sisli, um enfermeiro de Izmir, na costa oeste da Turquia, mora em Famagusta, do outro lado da rua de uma cerca de arame farpado que fecha as ruínas das igrejas ortodoxas gregas de Varosha e suas casas abandonadas. Ele viveu 33 anos na antiga casa de um cipriota grego, a qual decorou com limoeiros. E não tem nenhuma intenção de sair de lá tão cedo.
"Eu sou turco, então eu não sei se as coisas seriam melhores se estivéssemos unidos. A maioria das pessoas acham que seria pior", disse Sisli, de pé em seu jardim. "Cipriotas gregos não voltarão enquanto os turcos estiverem aqui, e se eles voltarem, vamos perder tudo."
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