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quarta-feira, 25 de março de 2015

Como um discípulo de Bin Laden forjou um casamento para fundar a Al-Qaeda na Espanha

Abu Musab al-Suri (Mustafah Setmarian) com Bin Laden em 2001, no Afeganistão
A farsa foi encenada em 10 de julho de 1985 no Registro Civil de Madri, onde compareceu um sujeito ruivo, de olhos verdes, 1,70 metro de altura, barba elegante, tez clara e aspecto ocidental, acompanhado de Pilar Toledo, uma jovem espanhola de 29 anos. Assinaram os documentos, beijaram-se e só voltaram a se encontrar três anos depois, quando foram convocados para assinar os papéis de sua separação e divórcio, uma dissolução matrimonial que ocorreu em 11 de novembro de 1988.

Aquele jovem sírio era Mustafah Setmarian, Abu Musab al Asuri - fundador da Al Qaeda na Espanha e número 4 da organização até a morte de Osama Bin Laden -, o homem que plantou a semente da jihad na Espanha e estendeu a ideologia salafista, da qual surgiram as primeiras células jihadistas locais dedicadas então ao recrutamento, financiamento e envio de mujahedins à Bósnia, Chechênia e Afeganistão.

O chefe da Al Qaeda, por cuja cabeça o FBI ofereceu US$ 5 milhões, obteve a nacionalidade espanhola graças a esse falso casamento, segundo investigações da Delegacia Geral de Informação da Polícia, às quais "El País" teve acesso. A falsa esposa desconhecia suas intenções: conseguir uma autorização de residência e mais tarde a nacionalidade, para mover-se à vontade por toda a Europa.

As fotografias divulgadas na semana passada pela promotoria de Nova York demonstram que o sírio-espanhol não mentiu quando, no outono de 2001, anunciou a seus seguidores que havia se despedido com um beijo e um abraço de Bin Laden nas cavernas de Tora Bora (Afeganistão) e que o emir o havia encarregado de criar a nova jihad: a bomba suja, a guerra química e bacteriológica. Os americanos acabavam de invadir o Afeganistão em resposta aos ataques do 11 de Setembro, o maior golpe contra os EUA desde Pearl Harbor.

O falso casamento de Setmarian não foi improvisado. Em 23 de maio de 1985 - primeiro dado documentado de sua presença na Espanha -, Nabil Al-Abdalla, um árabe nacionalizado espanhol, entrou em contato em Madri com a advogada María Montalvo para lhe transmitir os dados de "um amigo" chamado Mustafah Setmarian, que pretendia se casar com uma espanhola. A advogada cuidou de tramitar a documentação.

Anos depois, Mustafah voltou a entrar em contato com ela para simular a farsa de seu divórcio e também para obter sua nacionalização. "Não tive a menor suspeita de que fosse um casamento arranjado. Não os conhecia. Limitei-me a preparar os documentos. Eu levava os papéis, e não as pessoas. Veio através de um tal Nabil, um árabe que, creio, se dedicava à exportação de peles", afirma a advogada.

Mustafah não apareceu na Espanha por acaso. O ruivo natural de Alepo (Síria) e filho de Abdulkader e Zalikha, um professor e uma dona de casa, combinava sua militância na Irmandade Muçulmana com os estudos universitários de engenharia em 1982, quando o governo de Hafez al Assad, pai do atual presidente sírio, sitiou a cidade de Hama e iniciou uma implacável perseguição aos adeptos dessa corrente fundada no Egito pelo professor Hassa al Banna.

O sírio fugia com muitos outros islamitas desse movimento fundamentalista que proclama que "o islã é a solução". Da Síria, refugiavam-se na Jordânia e depois escolhiam um país europeu para se assentar e reiniciar sua atividade clandestina.

Seu casamento com Pilar serviu de salvo-conduto. Um mês depois desse falso casamento, viajou para a França, e em 10 de agosto a embaixada da Espanha em Paris lhe concedeu um visto de 30 dias. Ele voltou no dia seguinte, atravessando a fronteira de Irún (Guipúzcoa) em direção a Madri, e no dia 13 solicitou uma certidão de antecedentes penais no Ministério da Justiça para obter a residência. Nesse mesmo ano matriculou-se na Escola de Idiomas em Madri, onde conheceu Helena Moreno, seu verdadeiro amor, e novamente voltou a Paris, segundo vistos do consulado espanhol na cidade.

Em janeiro de 1987, dois anos depois de sua chegada à Espanha, Abu Musab al Asuri voltou a se entrevistar com a advogada María Montalvo para que cuidasse da tramitação de sua nacionalização, o que fez mediante um documento dirigido ao Ministério da Justiça. "Não me lembro. Cuidei de dezenas de nacionalizações de estrangeiros. Ele não chamou minha atenção por nada", afirma a advogada. Em 23 de outubro do mesmo ano, Setmarian conseguiu seu objetivo: a Direção Geral dos Registros e do Notariado lhe concedeu a nacionalidade espanhola.

Em 17 de fevereiro de 1988, Mustafah obteve sua identidade e juntou as duas palavras de seu sobrenome em uma. O endereço que aparece no documento é o número 58 da Rua Hacienda de Pavones, no bairro de Moratalaz, em Madri, próximo da residência de Helena, a jovem de 24 anos que havia conhecido na Escola de Idiomas e com a qual se casou em 29 de maio de 1989, em uma cerimônia da qual não participaram os pais dela. "Sua filha já estudava o islã antes de me conhecer", atirou um dia a seu sogro, um trabalhador fabril. "É mentira. Minha filha era agnóstica e de esquerda. Você a meteu nisto", respondeu o sogro.

Os relatórios da polícia revelam os nomes das testemunhas desse casamento em uma mesquita em Madri: Adnan Fallaha e Fajer Kalaje, este último um sírio com o qual o casal morou anos depois em Islamabad (Paquistão) e que morreu combatendo em 1991 no Afeganistão. Uma morte pela qual sua família responsabilizou Mustafah, "por ter-lhe imbuído o radicalismo e fanatismo islâmico", segundo a polícia.

O périplo do casal Madri-Granada-Londres-Cabul deixou cinco filhos e terminou junto de Bin Laden nas cavernas de Tora Bora. Mustafah foi detido em 2005 no Paquistão e entregue aos EUA. Desde então está desaparecido. "Não sei onde está", afirma Helena, no país árabe onde mora.

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