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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Falta de gasolina intensifica vontade dos egípcios de que Mursi renuncie

Já passava bastante da meia-noite quando Mahmoud Hifny finalmente perdeu a cabeça.

Hifny havia avançado com dificuldade pelo congestionamento, suando dentro de seu carro, enquanto o ponteiro do combustível pairava ameaçadoramente sobre o "E" vermelho quando, finalmente, ele conseguiu entrar numa fila sinuosa que levava a um dos poucos postos de gasolina do centro da cidade que ainda tinham combustível para vender. Duas horas depois, ele ainda estava esperando, preso em um mar de carros sufocados pela fumaça e cujos motoristas também tinham perdido horas tentando encher seus tanques.

"Nós vamos nos livrar desses filhos da mãe!", gritou Hifny, 42 anos. O grito não tinha nenhum alvo em especial, embora todos soubessem que ele estava se referindo ao presidente Mohamed Mursi e a seus aliados. Os motoristas que estavam próximos assentiram com a cabeça. "Eles são os responsáveis por todos os problemas deste país!"

Uma poderosa confluência de crises está engolindo o Egito enquanto as temperaturas do verão alcançam picos que mais parecem castigos divinos, exaltando os ânimos e alimentando a raiva de muitas pessoas em relação aos líderes do país.

O mal-estar econômico vem se espalhando pouco antes do Ramadã, a época mais penosa do ano para os muçulmanos --que jejuam durante o dia e celebram à noite. Para aumentar ainda mais a tensão, o governo não conseguiu reduzir os frequentes cortes de energia elétrica nem a piora da crise dos combustíveis, que tem provocado filas nos postos de combustíveis, obstruindo as principais vias das cidades durante horas.

Na origem do descontentamento há uma profunda sensação de mau presságio, como se os protestos marcados para este fim de semana para pedir a saída de Mursi da presidência do Egito possam desencadear uma nova onda de violência nas ruas ou fazer o país se afundar ainda mais na instabilidade política.

Espera-se que os protestos e os contraprotestos ganhem força nesta sexta-feira e que alcancem seu pico no próximo domingo, data do aniversário da posse de Mursi, o primeiro presidente eleito livremente no Egito --embora a oposição afirme que só sairá das ruas quando Mursi cair. Na quarta-feira passada, um homem foi morto na cidade de Mansura durante um ataque a uma marcha promovida pela Irmandade Muçulmana.

"Há tanta tensão entre as pessoas em relação ao que está acontecendo", disse Mohammed Ali, diretor de cinema que acelerou seu cronograma de produção devido aos protestos. "É como ver gasolina perto de uma fogueira, mas não saber quem é que vai acendê-la."

As famílias estão se apressando para terminar suas compras de Ramadã o quanto antes caso as lojas sejam fechadas, e outras pessoas têm corrido para terminar seus projetos, temendo que eles sejam impedidos de fazê-lo quando os protestos começarem. Os egípcios já se acostumaram com as paralisações generalizadas que os protestos em massa são capazes de causar. Por isso, eles sabem se preparar.

"Não tem a ver com o que vai acontecer durante esses três dias", disse Ali. "Estamos preocupados com o que vai acontecer depois desses três dias. E ninguém tem a menor ideia."

Poucas noites atrás, essa sensação de descontentamento pairava no ar no posto de gasolina localizado próximo à praça Galaa, em Dokki, um bairro do centro do Cairo.

A praça, cujo nome celebra o fim da ocupação britânica do Egito após a revolução de 1952, foi transformada pela crise de abastecimento de gasolina. Atualmente, centenas de carros, ônibus, caminhões e motocicletas que não conseguem encontrar combustível em outros postos lotam cada centímetro de calçada em torno do posto da praça Galaa e formam filas enlouquecedoramente longas, que se espalham pelas ruas circundantes e as deixam totalmente congestionadas.

A polícia ergueu barreiras para separar as filas do posto de gasolina do tráfego e, ocasionalmente, os policiais intervêm para impedir que espertinhos furem as filas e para evitar brigas. Na terça-feira à noite, um homem foi morto a tiros durante uma briga em um posto de gasolina em outro bairro do Cairo.

Os motoristas passam seu tempo conversando e discutindo com seus vizinhos de fila, tirando sonecas curtas e jogando games em seus celulares. No dia em que a reportagem esteve no local, uma mulher idosa vendia jornais freneticamente.

"Nós tentamos rir sobre isso tudo, pois o que mais podemos fazer?", disse Khalid Shaaban, 35, enquanto aumentava a música do rádio do carro e fazia sua esposa, irmã e três filhos baterem palmas e dançarem acompanhando a batida. "Mas nós estamos muito, muito cansados de tudo isso."

Esse era o sexto posto de gasolina que Shaaban visitava, e ele estava aguardando há mais de uma hora na fila. Da mesma forma que muitos outros que estavam esperando na fila, ele culpava Mursi pelo caos.

"Durante o governo de Mubarak, nós sabíamos que as pessoas estavam roubando. Mas nós nunca tivemos crises como esta", disse Shaaban, referindo-se a Hosni Mubarak, o presidente que foi deposto em 2011. "E tudo porque o cara que está governando o país agora não sabe dirigir."

Dois jovens desempregados estavam em um carro próximo --e um deles declarou apoio restrito ao presidente e seus aliados da Irmandade Muçulmana. "Eles são boas pessoas e temem a Deus, mas não conseguem adotar as políticas corretas para governar o país", disse o homem, Ashraf al-Adawi, 27, acrescentando que não vai participar dos protestos por temer a instabilidade do país.

"Se o país já recuou 90%, ele irá recuar 100% se eles derrubarem o presidente", disse Adawi. "E se Mursi sair, quem virá a seguir? Não há ninguém que agrade a todos."

A maioria dos motoristas não tinha ideia do que causou a atual crise da gasolina, apesar de muitos citarem teorias da conspiração. Alguns acusam os inimigos de Mursi de interferir no fornecimento de combustíveis para tentar arregimentar apoio aos protestos. Outros sugerem que o presidente tenha restringido a distribuição para conter os manifestantes em potencial.

O governo tem feito muito pouco para esclarecer a situação, e durante uma entrevista coletiva realizada na última terça-feira, vários ministros colocaram a culpa pela crise na paranoia alimentada pela mídia, nos vendedores do mercado negro e nos próprios egípcios.

O ministro do Petróleo, Sherif Haddara, minimizou a extensão da escassez de combustíveis dizendo que o problema havia sido causado por um erro técnico em uma instalação de armazenamento, e que a introdução de um novo sistema de "smart cards" pelo governo, que visa a impedir a venda ilegal de gasolina, tinha reduzido o ritmo da distribuição. Mas poucos acreditam que esses realmente sejam os motivos causadores das longas filas e das bombas vazias.

Quanto aos frequentes cortes de energia elétrica, o ministro do Desenvolvimento Local, Mohammed Ali Beshr, sugeriu que os egípcios sigam o exemplo do primeiro-ministro Hesham Qandil, que nunca liga o ar condicionado e trabalha passando calor o dia inteiro.

"Nós suamos quando vamos ao escritório de Qandil", disse Beshr, fazendo o tipo de observação que provavelmente não acalmará os ânimos da população. "Qandil tira a gravata e nunca concorda em ligar o ar-condicionado."

Em um discurso proferido na quarta-feira passada, Mursi renovou o seu apelo para que a oposição apresente emendas constitucionais, mas repudiou os manifestantes e afirmou que eles estão tentando minar o processo democrático para "voltar no tempo".

"Se você não gosta do governo, forme uma maioria parlamentar e crie o governo que você deseja ter", disse ele.

Reconhecendo a crise dos combustíveis, ele disse que aumentou os poderes de ministros e governadores para que eles promovam uma repressão às vendas ilegais e punam quem estiver se beneficiando com a crise.

Mas a ideologia e a política tiveram pouco espaço na fila da gasolina, onde os ânimos se exaltaram em meio ao calor paralisante da noite. Parecia que a amnésia tinha tomado conta das pessoas, pois muitos diziam que a melhor solução seria se as forças armadas dirigissem o país, como ocorreu após a derrubada de Mubarak --pelo menos até que a estabilidade fosse alcançada. Os militares governaram o Egito durante um ano antes que Mursi fosse eleito, período que não foi exatamente livre de problemas.

"Se Deus quiser, Mursi vai cair e o exército vai assumir o controle", disse Hani Abdel-Fattah, 35 anos, que tinha viajado de Port Said até o Cairo e precisava de gasolina para chegar em casa.

Ele também estava nervoso sobre o tipo de consequência que os protestos poderão trazer.

"O dia está se aproximando e há aqueles que querem que Mursi seja o presidente e aqueles que não querem", disse ele. "Ninguém sabe realmente quem está certo."

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