A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande |
Cada um com seus mártires. Angela Merkel atacou seu compatriota Tom Enders, presidente da EADS que queria fusionar a Airbus com o grupo de defesa britânico British Aerospace. Arriscado demais para as fábricas alemãs do grupo aeronáutico. O governo francês não se conforma, ele que esperava construir um campeão europeu que pudesse competir de igual para igual com a Boeing.
As semanas passaram e os papéis se inverteram: os alemães estão preocupados com o destino reservado por François Hollande a seu compatriota Louis Gallois. O antecessor de Tom Enders preparou um relatório sobre a competitividade, que já parece enterrado. Audacioso demais, doloroso demais, reformista demais. Sarkozysta demais, talvez.
Para Berlim, esse seria o ponto de ruptura. Na primavera, os alemães ficaram gratos a François Hollande por ele ter respeitado seus compromissos orçamentários – às custas de um bombardeio fiscal que os torna questionáveis para um país recordista em dívida pública - , mas estão esperando por verdadeiras reformas. E estão perdendo a paciência. “Os mercados acabarão fazendo o trabalho deles. A menos que os franceses se adaptem às novas circunstâncias antes”, explicam em Berlim. François Hollande é o sucessor distante de François Mitterrand. Ele precisa escolher entre 1983 e 1993: o compromisso europeu assumido, após os erros de maio de 1981, ou aquele sofrido, com o ataque dos mercados financeiros contra o franco.
Tanto à direita quanto à esquerda, espera-se pela fúria dos mercados. A França terá mais dificuldades para se refinanciar, alertou na segunda-feira (29) em Berlim o ex-chanceler Gerhard Schröder, quando as agências de classificação de risco – quase que elas foram esquecidas – perceberem que as decisões de François Hollande penalizarão a economia francesa e suas pequenas e médias empresas.
Após algumas semanas de educada comiseração, os dirigentes em Berlim disseram em alto e bom som: o homem doente da Europa é a França. “O maior problema reside na Espanha, na Itália, mas também, e eu o digo discretamente, na França. Isso poderá se tornar um problema nada pequeno”, disse Gerhard Schröder, durante um colóquio sobre a Europa organizado pelo Instituto sobre a Governança de Nicolas Berggruen, em 29 de outubro. Seu velho rival do New Labour, Tony Blair, discretamente se recusou a desabafar quanto à França. “A questão é: por que a Alemanha está em uma posição tão forte? Porque sua economia é forte”, disse com um toque de perfídia, o ex-premiê britânico, referindo-se às “reformas estruturais”.
Há semanas François Hollande e seu assessor econômico Emmanuel Macron vem tentando tranquilizar seus interlocutores: não se preocupem, a volta da aposentadoria aos 60 anos atinge pouquíssimos assalariados, a tributação de 75% sobre rendas superiores a um milhão de euros é provisória. As reformas virão. Já Gerhard Schröder não se deixa enganar. “Deram um mau sinal”, decidiu o socialdemocrata. Com uma alegria maligna, ele lembrou os sarcasmos dos socialistas franceses quando ele reformava seu país no início dos anos 2000.
Dê uma de Schröder! Foi a exortação de verão dos visitantes franco-alemães que encontravam o presidente francês. Você tem cinco anos pela frente e todo o poder. Seria François Hollande tão pouco corajoso quanto Nicolas Sarkozy, que desistiu de sua “ruptura” pouco depois de ser eleito em 2007? Ele já inventou uma defesa: Schröder só iniciou suas reformas em seu segundo mandato. É verdade porque a liberalização do mercado de trabalho foi imposta após a reeleição do chanceler, salvo no verão de 2002 pelas cheias do rio Oder e por sua oposição à guerra do Iraque. É mentira porque Gerhard Schröder havia começado a reformar as aposentadorias, mantinha um discurso de economia orçamentária. Acima de tudo, ele difundia uma retórica pró-empresarial, a ponto de ser apelidado o “camarada dos patrões”.
Pouco importam os pensamentos privados de François Hollande, que estudou na HEC [uma das principais faculdades de administração da França]. Política são falas e ações. Por enquanto, somente as diatribes antiempresariais de Arnaud Montebourg conseguem ser ouvidas na Alemanha. Angela Merkel está revoltada. Ela diz “nein” às propostas francesas de uma Europa solidária. A chanceler não quer um seguro-desemprego europeu proposto por Pierre Moscovici, que teria levado os trabalhadores alemães a pagarem pelos desempregados espanhóis e franceses. Os estabilizadores automáticos e a administração da conjuntura são conceitos sofisticados demais para a Alemanha. Ela quer reformas e controles em toda a União Europeia.
Mal secou a tinta do tratado orçamentário, a Alemanha já está arregaçando as mangas. Assim como os banqueiros centrais, ela considera as regras europeias bem pouco eficazes. Quem ouviu falar do semestre europeu, que deveria controlar as políticas econômicas dos Estados da zona do euro? Ninguém. Em Bruxelas, nada acontece.
Angela Merkel elaborou uma nova proposta: os Estados devem assinar com a Comissão contratos com força de lei, pelos quais eles se comprometeriam com reformas específicas: a formação dos jovens na Espanha, o mercado de trabalho na França, a energia solar na Grécia. Essas mudanças seriam facilitadas por um fundo comunitário, um mini-orçamento da zona do euro. O essencial não está aí: os alemães querem que um ministro europeu das Finanças ou um super-comissário possam impor a implementação efetiva das reformas.
Angela Merkel está ainda mais determinada por sua irritação em ver François Hollande usando ostensivamente o SPD (Partido Socialdemocrata). Em junho, o chefe do Estado recebeu com grande pompa no palácio do Eliseu os três dirigentes do partido socialdemocrata. Aliados a François Hollande, eles exigiram de Angela Merkel a adoção da taxa sobre as transações financeiras, em troca de seu apoio indispensável à ratificação do tratado orçamentário europeu pelo Bundestag (parlamento alemão). Em novembro, o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault encontrará em Berlim Peer Steinbrück, o adversário de Angela Merkel nas eleições de 2013. Um velho sábio do SPD está preocupado com a excessiva proximidade mostrada pelo seu partido com a França: o que acontecerá se a CDU [União Democrata-Cristã] de Angela Merkel colar na Alemanha inteira cartazes explicando que votar no SPD é escolher a França de François Hollande? “Nein, danke”.
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