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quarta-feira, 13 de junho de 2012

Relações entre Alemanha e Rússia entram em uma nova era do gelo


Putin and Merkel

As relações entre a Alemanha e a Rússia parecem estar se aproximando de uma nova era do gelo. Berlim depende mais que nunca de Moscou, mas Merkel tem pouca confiança no recém-reeleito presidente Vladimir Putin. Ela gostaria de reforçar a oposição.

Deveria ser um gesto de solidariedade, um importante evento público: o presidente russo, Vladimir Putin, e seu homólogo alemão, Joachim Gauck, trabalhando juntos em um quebra-cabeça na Praça Vermelha de Moscou, em frente aos portões do Kremlin. Juntamente com convidados seletos, os dois chefes de Estado deveriam juntar as 1.023 peças do quebra-cabeça, uma cópia em tamanho gigante do auto-retrato do artista alemão Albrecht Dürer, uma pintura icônica na arte europeia.

Mas Putin perdeu o interesse por montar quebra-cabeças. Primeiro, o Kremlin cancelou uma reunião planejada para maio que deveria dar início ao "Ano Teuto-Russo". E agora o gabinete de Putin informou a Gauck que ele também não tem tempo para uma reunião em junho. Putin, o ex-agente da KGB, não quer oferecer a Gauck, um ex-defensor da liberdade na Alemanha Oriental comunista, um lugar sob os refletores.
O cancelamento do evento do quebra-cabeça reflete adequadamente o atual estado das relações teuto-russas. Nesta sexta-feira (1º), Putin deverá chegar a Berlim em uma visita oficial. Será sua primeira visita a um país ocidental desde que tomou posse como presidente pela terceira vez, em 7 de maio --a mensagem deveria ser positiva. Mas, na verdade, as relações entre Berlim e Moscou estão em pior estado que nos últimos anos.

Os laços com a Rússia tradicionalmente gozaram de uma posição especial na política externa alemã. Diante da história de sofrimento, os governos alemães se consideram um importante intermediário entre Rússia e seus parceiros ocidentais. Moscou, por sua vez, só pode exercer sua influência na Europa através de Berlim.

Mas, apesar de estarem mais dependentes que nunca entre si, a Alemanha e a Rússia rumam para uma nova era do gelo. Com os planos para o oleoduto Nabucco na Europa meridional à beira do colapso, a Alemanha continua dependente do gás natural russo. Putin, por sua vez, precisa de investidores alemães para modernizar a economia de seu país.


Mais poderoso que nunca
No momento, a única coisa que vai bem são as relações comerciais. Em 2011, as exportações alemãs para a Rússia aumentaram 34%, chegando a 27 bilhões de euros (R$ 67,5 bilhões), enquanto as importações subiram 27%, alcançando 25 bilhões de euros. A Alemanha é o segundo parceiro comercial da Rússia, depois da China.

Mas a situação política parece diferente, e Merkel e Putin têm um relacionamento tenso. Na sexta-feira a chanceler alemã receberá um hóspede cuja carreira política ela gostaria que tivesse terminado anos atrás. Mas hoje ele é mais poderoso que nunca.

Merkel havia apostado em Dmitri Medvedev, que Putin substituiu como presidente. Ela pensou que ele seria capaz de modernizar a Rússia e esperava que disputasse a reeleição, apesar de muitos especialistas considerarem isso improvável. Em setembro passado, quando Medvedev e Putin, que era primeiro-ministro na época, anunciaram que tinham concordado em trocar de cargos muito antes, Merkel sentiu-se ludibriada. Ela foi obrigada a perceber que o homem em quem havia depositado grandes esperanças era apenas um fantoche de Putin.

Merkel ficou profundamente decepcionada e houve um período inicial de silêncio entre o governo alemão e o Kremlin. Sua opinião negativa de Putin foi confirmada por acusações de manipulação de votos e campanhas de difamação contra figuras da oposição durante a eleição para a Duma, câmara baixa do Parlamento russo, em dezembro. Ao se aproximar a eleição presidencial em maio, Merkel mandou uma mensagem para Putin. Nela, dizia que, como chefe de Estado da Rússia, ele deveria considerar fazer um gesto indicando para o Ocidente que recomeçaria do zero, por exemplo, libertando da prisão o ex-oligarca Mikhail Khodorkovsky. Mas Putin ignorou o apelo.


"Vassalos" da América
Embora Putin respeite Merkel, a considera excessivamente pró-americana. Prova disso para ele é o fracasso, três anos atrás, de um acordo pelo qual um consórcio liderado pela Rússia teria comprado uma participação majoritária na Opel, fábrica de automóveis alemã de propriedade da General Motors. Putin acredita que a oposição de Washington foi a culpada pelo fracasso da venda. De fato, durante uma recente transmissão pela TV de perguntas e respostas com cidadãos russos, Putin acusou os europeus de ser pouco mais que "vassalos" dos EUA.

Nos últimos dias Putin novamente deixou claro o que pensa sobre o Ocidente: primeiro, não foi a Camp David em meados de maio para participar da cúpula do G-8 dos países mais industrializados do mundo e também esteve ausente da cúpula da Otan realizada em Chicago alguns dias depois. Não exatamente uma nova Guerra Fria, é verdade, mas uma paz fria.

A reunião em Berlim provavelmente não mudará essa situação. Nenhum acordo deverá ser assinado, como é hábito nessas reuniões. Do mesmo modo, não haverá progressos sobre questões polêmicas como o pedido de Moscou de relaxamento das restrições aos vistos, pois nem Berlim nem Moscou têm nada novo a oferecer.

É claro, a chancelaria está consciente de que a Alemanha continua dependente da Rússia em várias questões importantes, principalmente o suprimento de energia. O apoio de Moscou será necessário nas negociações sobre o programa nuclear iraniano, e o veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU poderá ser usado para bloquear qualquer iniciativa ocidental relacionada ao conflito na Síria.
Mas Merkel não tem mais certeza de se Putin está aberto aos seus argumentos. Algumas semanas atrás ela telefonou para Putin para deixar claro que o comportamento da Rússia na crise síria era prejudicial a seus próprios interesses. Ela implorou que ele reconsiderasse sua posição --mas nada aconteceu.

Conferência ritualizada
Agora Merkel está decidida a pressionar Putin de outra maneira. Ela reorganizou a liderança do chamado Diálogo de São Petersburgo. Esse evento anual foi lançado 11 anos atrás por Putin e pelo então chanceler Gerhard Schröder para dar aos dois países um fórum para discutir questões sociais. Os críticos, entretanto, acreditam que o diálogo evoluiu para uma conferência ritualizada, dominada por ex-políticos e funcionários do Kremlin.

Em abril, Merkel instalou dois aliados de confiança na liderança do Diálogo, que deverão pressionar por reformas na Rússia. Andreas Schockenhoff, um confidente de Merkel e vice-líder dos conservadores no Parlamento, assumirá o importante grupo de trabalho da sociedade civil. Ulrich Wilhelm, ex-porta-voz do governo Merkel, deverá cuidar da questão relacionada à colaboração da mídia. "Precisamos deixar claro que compreendemos uma parceria para a modernização como algo que envolve mais colaboração no setor de energia", diz Schockenhoff. A Alemanha, segundo ele, precisa apoiar a ascensão da classe média russa, que mostrou com seus protestos públicos depois da eleição na Duma que é uma força genuína a favor da modernização, ele acrescenta.

O governo está consciente de que o processo provavelmente será árduo, e ninguém espera êxitos rápidos. O lado de Putin provavelmente tentará demonizar figuras da oposição como agentes do Ocidente.

Berlim acredita que há pequena esperança de que o recém-empossado governo russo produza alguma mudança real. Putin manteve o conservador Sergei Lavrov como ministro das Relações Exteriores, notam membros do governo Merkel, e o ministro do Interior da linha-dura Rashid Nurgaliyev foi substituído por Vladimir Kolokoltsev, o ex-chefe de polícia de Moscou, cujos oficiais foram brutais na repressão às demonstrações.

Fingindo-se de forte
Da perspectiva alemã, os líderes em Moscou ainda não compreendem que a Rússia não é mais uma potência global e que ela precisa da Europa como um parceiro confiável. O governo de Berlim vê a cruzada russa contra o sistema de defesa de mísseis da Otan na Europa como um último esforço desesperado de se posicionar como potência --a Rússia fingindo ser forte, porque na verdade é fraca.

O Kremlin vê a situação de maneira diferente. Não sem certo prazer, Putin e seus assessores veem uma diminuição da influência ocidental na política global. Eles indicam que nos últimos 30 anos a parcela da economia global dos membros da UE vem encolhendo constantemente. "Putin está convencido de que o modelo ocidental já ultrapassou o auge de sua importância global", diz o cientista político Nikolai Slobin.
No entanto, Putin continua acreditando que a Alemanha tem um papel importante a desempenhar. Tradicionalmente, ele apresentou importantes iniciativas de política externa na Alemanha. Em 2001, quando falava diante do Parlamento alemão, ele descreveu o objetivo de uma "Europa unida e segura" em que a Rússia e os países europeus uniriam seus recursos. Em uma contribuição editorial sobre seus princípios de política externa publicada no jornal alemão "Süddeutsche Zeitung" antes de sua visita a Berlim em novembro de 2010, Putin fez campanha por uma "comunidade econômica harmoniosa estendendo-se de Lisboa a Vladivostok". "Putin notou, entretanto, que suas propostas não tiveram resposta", diz o assessor do Kremlin Vladislav Belov. "Hoje o Ocidente para ele não é mais a principal prioridade."

Mais que seu antecessor Medvedev, Putin tem sua visão voltada para os antigos Estados soviéticos nas fronteiras da Rússia. Ele pressionou por uma união alfandegária com a Belorus e o Cazaquistão, elogiando-a como "um enorme mercado único de 165 milhões de pessoas com a livre circulação de capital e trabalho". O plano de Putin impede que o clube econômico oriental se torne o núcleo de uma "união euroasiática", que eventualmente receberia a adesão de outros antigos Estados soviéticos.

UE no caminho
A UE também está no caminho de uma aproximação entre Merkel e Putin. O presidente russo vê a comunidade política como uma entidade fraca, que se prejudica com complicados processos de tomada de decisão. A Rússia quer boas relações bilaterais com a Alemanha, e a UE apenas bloqueia o caminho.

Merkel, por outro lado, percebe que a Alemanha, como principal potência da Europa, também deve mostrar consideração pelos países menores da UE. Por razões históricas, continua havendo uma sensação de profunda desconfiança em relação a Moscou na Polônia e nos países bálticos, que Merkel não pode ignorar. Mas não são apenas fatores objetivos os responsáveis pelo impasse teuto-russo. Laços pessoais sempre tiveram um papel importante nas relações entre Moscou e Berlim.

Quando o chanceler Willy Brandt nadou com o líder soviético Leonid Brejnev perto de Yalta em 1971, abriu caminho para as políticas Ostpolitik da Alemanha, destinadas a normalizar as relações e reduzir as tensões da Guerra Fria com os países comunistas da Europa Oriental. Em julho de 1990, Helmut Kohl manteve conversas com Mikhail Gorbachev usando um cárdigã; a opção de roupa se destinava a simbolizar seu relacionamento próximo e confiante. Em 2001 Putin e Gerhard Schroeder --tratando-se pelo primeiro nome-- fizeram um passeio de trenó puxado a cavalo pela Moscou coberta de neve.

As reuniões entre Merkel e Putin, por outro lado, são frias e profissionais. Merkel não esqueceu que Putin estava estacionado como oficial da KGB na Alemanha Oriental comunista, para onde seu pai pastor havia levado a família de Hamburgo logo depois que ela nasceu, em 1954. Merkel viu o fim da União Soviética como o prelúdio da liberdade no bloco oriental, enquanto Putin sentia que era algo vergonhoso.

"Ela me censurou"
Merkel se irrita com as demonstrações de masculinidade de Putin ao caçar tigres ou pescar sem camisa. Ela percebeu suas tentativas de impressioná-la como uma afronta. Durante uma reunião na residência de férias de Putin no mar Negro, no balneário de Sochi, em janeiro de 2007, Putin permitiu que seu cão labrador preto Koni cheirasse as calças de sua convidada. Merkel tem medo de cães desde que foi mordida por um quando criança. Putin apenas sorriu.

Ainda assim, Putin tem-se impressionado pela coragem de aço com que Merkel o enfrenta. "Putin aprecia Merkel como uma política profissional de alto calibre", diz Belov, o assessor do Kremlin. "Ele claramente a considera um peso-pesado."

Durante uma cúpula UE-Rússia em maio de 2007, Merkel e Putin tiveram uma conversa acalorada sobre direitos humanos na frente das câmeras. Quando Putin visitou Berlim em janeiro de 2009, durante o ponto alto da disputa entre a Rússia e a Ucrânia sobre os suprimentos de gás natural, Merkel censurou Putin como uma mestre-escola. "Ela me repreendeu", Putin disse mais tarde, meio ironicamente e meio apreciativamente.

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