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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Na Líbia, aldeia vítima de erro da Otan espera por justiça


Nove meses se passaram, mas os cascalhos não saíram do lugar. Bombardeada pela Otan em uma noite de agosto de 2011, a casa da família Gafez, em Majer, cidade 150 quilômetros a leste de Trípoli, ainda lembra um suflê murcho. Uma massa de concreto e aço. Quatorze pessoas perderam a vida na explosão. Outras vinte morreram alguns minutos depois em dois novos ataques à fazenda dos vizinhos, os Jaroud. Homens, mulheres e crianças, pegos em plena véspera de ramadã. Limpar o entulho? Reconstruir? Haj Ali, o patriarca da família Gafez, um pequeno homem afável e de bigode, nunca pensou nisso, por questões de saúde, de dinheiro e principalmente de honra. Isso porque a Otan não quer ouvir falar nos mártires de Majer.

A organização insiste em afirmar que as bombas lançadas nesse dia 8 de agosto visavam “alvos militares legítimos”. Já as organizações internacionais de defesa dos direitos humanos acham o contrário. Entre elas a Human Rights Watch (HRW), que publicou na segunda-feira (14) um relatório bem documentado sobre os erros cometidos pela Otan durante a campanha da Líbia, na primavera e no verão de 2011. Segundo seus autores, os sete meses de bombardeio que culminaram na queda do regime de Muammar Gaddafi causaram a morte de 72 civis. Esse balanço “relativamente pouco elevado mostra as precauções tomadas pela Otan” ao longo de sua operação, afirma o relatório. No entanto, a HRW lamenta que a organização militar não tenha reconhecido seus erros, não tenha aberto nenhuma investigação e não tenha oferecido nenhuma indenização às vítimas de seus tiros.

Foi para lutar contra essa negação que os membros da família Gafez transformaram as ruínas de sua casa em um Museu da Lembrança. O visitante é recebido por uma frase raivosa, escrita no portão de entrada: “São isso os direitos humanos?” Uma alusão ao princípio de “proteção dos civis” que o ministro francês das Relações Exteriores, Alain Juppé, havia invocado diante do Conselho de Segurança da ONU, para obter a votação da resolução 1973 que desencadeou a intervenção da Otan. Na sala do térreo, cujo teto resistiu ao desabamento dos dois andares superiores, foi estendida uma faixa coberta exclusivamente por fotos de crianças e de moças usando véus. “Muitas famílias que fugiam dos combates vieram se refugiar em nossa casa”, explica Amr, filho de Haj Ali. “Nossas tradições mandam que, nesses casos, os homens deixem a casa para as mulheres e as crianças. Estávamos instalados no campo ao lado. Foi isso que nos salvou”.

Os chinelos de plástico dos defuntos, ainda recobertos pela poeira dos escombros, foram reunidos em um canto. Ao lado, um relógio amassado, uma bicicleta de criança com a roda torta e uma máquina de costura. A ideia desse bricabraque funesto é tanto honrar a memória das vítimas quanto provar que elas não mereciam estar na mira da Otan. “Você imagina que eu teria recebido todo esse pessoal em minha casa, se soldados de Gaddafi estivessem nas proximidades?”, pergunta Haj Ali. Os especialistas da HRW, que foram inspecionar o local por quatro vezes, inclusive no dia seguinte à tragédia, lhe dão razão. Fora uma camiseta militar, uma vestimenta apreciada por muitos líbios, eles não encontraram nenhum indício que pudesse corroborar as alegações da Otan, segundo a qual as fazendas de Majer serviriam de base de repouso para as forças regulares.

No quarto ao lado, o mausoléu vira um museu de horrores. Fotos de cadáveres despedaçados recobrem as paredes. “É meu irmão”, diz Adel Absaat, um jovem de 30 anos, apontando um corpo deformado, empapado de sangue. “Ele estava na mesquita quando uma primeira explosão devastou a casa da família Jaroud. Ele correu para prestar socorro às vítimas, com uma dezena de seus colegas. Foi nesse momento que aconteceu o segundo ataque. Todos morreram”. Os habitantes recolheram nos escombros fragmentos de bomba, que eles juntaram em uma mesa de madeira. Um deles foi identificado pela HRW como um pedaço de GBU-12, um projétil guiado a laser, “que deveria ter indicado ao piloto a presença de um grande número de pessoas em solo”, diz o relatório.

No dia seguinte ao massacre, 9 de agosto, as autoridades líbias levaram dezenas de jornalistas até o local. Levado pela perspectiva de atrapalhar a Otan, ou até de forçá-la a suspender sua operação, o porta-voz do regime, Moussa Ibrahim, se revoltou contra esse “crime que desafia qualquer entendimento”, aproveitando para inflar o número de mortos, que ele apresentou como 85. A mídia, já tendo pegado os partidários de Gaddafi em falsificações, relatou essas declarações com circunspecção. Divididos entre a raiva, a dor e a repugnância em fazer o jogo de Trípoli, os habitantes se calam. É preciso esperar o fim do conflito para que os ânimos se acalmem e que o calvário de Majer seja reconhecido.

Só que o Conselho Nacional de Transição (CNT), a instância de direção da revolução líbia, hesita em tomar partido. Alguns de seus membros consideram inoportuno incriminar a Otan, aliada cujo apoio foi determinante. “Eles alimentam a ideia de que isso foi feito pelas forças de Gaddafi, para desacreditar os ocidentais”, lamenta Khaled Shakshik, um membro do CNT em Zlitan, cidade grande próxima de Majer. “E quando eles reconhecem o erro da Otan, eles não querem que o status de mártir seja atribuído às vítimas, afirmando que nem todos eram necessariamente anti-Gaddafi”. Esses pequenos interesses irritam Milad Tawil, um engenheiro que perdeu o irmão na tragédia. “Mais do que indenizações, queremos uma assistência moral”, ele diz. “Pagamos caro pela liberdade. É preciso reconhecer isso”.

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