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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

"A credibilidade da América é a vítima desses vazamentos", diz o príncipe saudita Turki Bin Faisal

O ex-chefe da inteligência saudita, o príncipe Turki Bin Faisal, teme que os despachos diplomáticos americanos divulgados pelo WikiLeaks possam prejudicar a credibilidade americana. Ele falou com a “Spiegel” sobre as repercussões diplomáticas, as relações de seu país com o Irã e Israel e o fardo histórico que seu país carrega devido aos ataques de 11 de setembro de 2001.

Turki Bin Faisal
Spiegel: Sua Alteza, poucos dias antes da publicação dos documentos secretos do Departamento de Estado americano, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, telefonou para os principais aliados dos Estados Unidos para alertá-los. O senhor também recebeu um telefonema?

Turki:
Não, eu não sou o ministro das Relações Exteriores.

Spiegel: Mas o senhor serviu à Arábia Saudita, a aliada mais importante de Washington no mundo árabe, como embaixador nos Estados Unidos. Agora, detalhes íntimos dessa parceria foram revelados. Que consequências isso terá para suas relações com os Estados Unidos?

Turki:
A credibilidade e honestidade da América são as vítimas desses vazamentos. As pessoas, incluindo as autoridades, não mais falarão francamente com os diplomatas americanos.

Spiegel: O que isso significa para seu país?

Turki:
Nós superamos questões mais sérias no passado. Em 1945, por exemplo, meu avô, o rei Abdulaziz, se encontrou com o presidente Franklin D. Roosevelt a bordo do USS Quincy. Roosevelt tentou convencer o rei Abdulaziz a apoiar as aspirações do povo judeu que sofria na Europa, permitindo que imigrassem para a Palestina. Meu avô foi contrário. Por que os palestinos deveriam sofrer pelo que os nazistas tinham feito? Então eles concordaram que Roosevelt não agiria sem antes consultar seus amigos árabes.

Spiegel: E então?

Turki:
Como aconteceu –segundo os documentos que posteriormente vazaram– o sucessor de Roosevelt, Harry Truman, tinha um amigo de pôquer judeu. Este homem telefonou para ele e disse: “Escute, Harry, é melhor você fazer isso em nome dos velhos tempos”.

Spiegel: E assim os Estados Unidos reconheceram Israel sem consultar os sauditas?

Turki:
Todos os velhos compromissos foram abandonados. O Reino foi afetado por isso e ficou desapontado. Mas nós também tínhamos outros interesses: o desenvolvimento dos recursos de petróleo, a luta anticolonialista contra os britânicos e franceses, a ameaça comunista que surgia. Assim, é claro, nós mantivemos nossas relações com os Estados Unidos, expressando ao mesmo tempo nossa oposição pública quando surgiu a ocasião.

Spiegel: E isso é o que também se espera após as revelações do WikiLeaks? Oposição pública, mas a continuidade das relações?

Turki
: Nossos laços são fortes e estratégicos. Eles continuarão. Um exemplo da América nos ajudando foi na invasão iraquiana ao Kuwait. Os soldados americanos estavam dispostos a lutar e morrer. Nós não esqueceremos isso. Os Estados Unidos também são o único país capaz de dizer não aos israelenses. A América é o único jogo na cidade. Os europeus também estão sentados sobre seus traseiros dizendo: América, vá primeiro, nós seguiremos. Os europeus não se erguerão em defesa dos nossos direitos na Palestina ou no Líbano, nem os russos e nem a ONU. A América irá. É por isso que nossas relações estratégicas com a América são tão importantes.

Spiegel: Nós agora sabemos pelos cabogramas diplomáticos americanos que Israel e Arábia Saudita têm um interesse comum essencial: impedir que o Irã adquira uma bomba nuclear. Os despachos mostram que os mais altos escalões da liderança saudita não confiam nos iranianos na questão nuclear.

Turki:
Nem deveríamos. Nós sempre dissemos aos iranianos para serem mais sensíveis nesse assunto. Mas se você quiser que Israel, Turquia e Arábia Saudita se engajem com o Irã, primeiro é preciso nivelar o campo de jogo. Deveria haver um regime de recompensa e um regime de sanções, incluindo sanções militares, para os países que ingressassem em uma zona no Oriente Médio livre de armas de destruição em massa. Além disso, deveria haver uma defesa antinuclear fornecida pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Essa defesa antinuclear poderia fornecer proteção a Israel.

Spiegel: De acordo com os documentos agora publicados, o rei Abdullah pediu aos americanos para colocarem um fim ao programa nuclear do Irã e “cortar fora a cabeça da serpente”.

Turki:
Os documentos do WikiLeaks são uma mistura de seletividade, imprecisão, busca de agenda e pura desinformação.

Spiegel: Não é verdade que, caso Israel lance um ataque contra as instalações nucleares iranianas, a Arábia Saudita abriria seu espaço aéreo para Israel?

Turki:
Eu conheço esses rumores. A maioria deles vem de Israel.

Spiegel: Há pessoas na Arábia Saudita que pensam o mesmo.

Turki:
Leigos, talvez. Eu lidei com essas questões durante toda minha vida e lhe digo: a Arábia Saudita nunca aceitaria um ataque de Israel a qualquer país na área, independente do que esse país faça.

Spiegel: Por que não fazer uso do temor comum de uma bomba iraniana para fazer aberturas aos israelenses?

Turki:
Por que deveríamos? Em 1981, a Arábia Saudita propôs a aceitação das fronteiras de 1967 –o plano do rei Fahd. Mas Israel invadiu o Líbano. Em 2002, o então príncipe regente Abdullah uniu todo o mundo árabe em torno de um plano de paz, a chamada Iniciativa Abdullah. Mas o que Israel fez? Nada. Nenhuma resposta.

Spiegel: Homens como o senhor e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, têm os mesmos temores com uma bomba iraniana. Vocês são aproximadamente da mesma geração e ambos estudaram nos Estados Unidos. Por que não falam um com o outro?

Turki:
Netanyahu explora a questão iraniana. Ele usa a ameaça de Teerã para mobilizar a opinião pública israelense e a opinião global. A propósito, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, faz o mesmo. Em nenhuma outra questão ele conta com tanto apoio quanto na questão nuclear. É como dois galos brigando pela mesma galinha.

Spiegel: Por que, em nome da paz, o senhor não corre o risco? Por que simplesmente não convida Netanyahu a visitar Riad?

Turki:
Eu não acho que deveríamos. Nossa população nos acusaria de sucumbir à pressão israelense. Os assentamentos de Israel –que eu chamo de colônias– ganhariam legitimidade se falássemos com Israel, onde quer que fosse.

Spiegel: Por que a posição de vocês não é aceita pelos Estados Unidos –os principais aliados de vocês e de Israel?

Turki:
Os israelenses trabalharam mais arduamente, e de modo mais inteligente, do que nós na infiltração no processo de tomada de decisão da América. Seja lá o que quiserem, eles podem encontrar facilmente 300 legisladores no Congresso para apoiar sua proposta. Nós não temos esses representantes.

Spiegel: Mal dá para culpar os israelenses por esta situação.

Turki:
Certamente. Este é o motivo para os israelenses nos superarem, seja nos Estados Unidos ou na Europa. Eles foram mais espertos.

Spiegel: Há três semanas a inteligência saudita ajudou a impedir um ataque terrorista na Europa ou nos Estados Unidos. Vocês informaram às autoridades alemãs a respeito de pacotes suspeitos provenientes do Iêmen. Pela primeira vez desde o 11 de Setembro, a Arábia Saudita recebeu manchetes positivas no exterior, ligadas à prevenção do terror.

Turki:
Ocorreu uma mudança fundamental na forma como inteligência e informação funcionam. Quando eu estava na inteligência, a regra era: se eu lhe desse uma informação, então eu e você teríamos que nos certificar de que ninguém mais saberia. Era como protegíamos nossas fontes. Então ocorreu uma mudança devido ao aumento da disponibilidade de informação. Hoje eu posso entrar no Google e encontrar coisas para as quais antes eu precisaria colocar centenas de agentes em campo. O WikiLeaks é um exemplo perfeito.
‘Por que o Taleban precisaria negociar?’

Spiegel: O senhor se encontrou pessoalmente cinco vezes com Osama Bin Laden, mais recentemente em meados de 1990. Se o senhor estivesse encarregado das operações atualmente, onde o senhor o procuraria?

Turki:
Isso é fácil. Ele está na área de fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Nos primeiros dias após o 11 de Setembro, a América procurou por ele montanha por montanha, aldeia por aldeia, caverna por caverna. Mas então, de repente, ela parou porque transferiu seus ativos do Afeganistão para o Iraque. Nós precisamos de outra campanha para procurá-lo –liderada pelos Estados Unidos, mas incluindo todos os países que têm contas a acertar com Bin Laden. Não apenas a Arábia Saudita, mas também Rússia, China, Índia, Paquistão, Egito, Espanha e Indonésia.

Spiegel: A Arábia Saudita não poderia fazê-lo sozinha?

Turki:
Nem nossos meios, nem os da América e nem os de qualquer país individual bastam para uma campanha como essa. Se existir a vontade para pegá-lo, ele pode ser encontrado, da mesma forma como Saddam acabou sendo encontrado. Mas falta essa determinação. Durante sua campanha eleitoral, o presidente Barack Obama prometeu voltar a concentrar os esforços na busca pelos terroristas. Mas agora a filosofia do general David Petraeus prevê derrotar o Taleban militarmente para levá-lo à mesa de negociação. Ninguém mais fala em Bin Laden. Este é o ponto em que a campanha perdeu o rumo.

Spiegel: Que diferença faria a captura de Bin Laden?

Turki
: Apenas quando Bin Laden for eliminado, de um jeito ou de outro, é que os Estados Unidos e o restante do mundo poderiam declarar vitória. Ao poder declarar vitória, a retirada das tropas do Afeganistão se tornaria legítima.

Spiegel: Mas a Otan decidiu recentemente pela retirada em 2014.

Turki:
Então por que o Taleban precisaria negociar? Ele só precisa esperar.

Spiegel: O senhor comandou o Diretório Geral de Inteligência da Arábia Saudita por 24 anos, antes de deixar o cargo em 31 de agosto de 2001. Exatamente 11 dias depois, a Al Qaeda atacou Nova York e Washington. O senhor se culpa por não ter impedido os ataques?

Turki:
Não apenas eu. Todo o mundo deve lamentar não ter feito mais para pegar essas pessoas. Nosso erro foi lidar com este novo tipo de organização terrorista da mesma forma como lidávamos com organizações anteriores, como o Baader Meinhof ou as Brigadas Vermelhas. Nós costumávamos trocar nossa informação apenas bilateralmente, nós não usávamos a abordagem colaborativa como no recente caso das bombas do Iêmen. Tudo isso apesar de em maio de 2001 já existirem sinais de alerta de todos os lados de que algo iria acontecer. Mas mesmo dentro dos Estados Unidos, o FBI e a CIA não trocavam suas informações. Então, é claro, nós não fizemos o bastante.

Spiegel: Onde o senhor estava em 11 de setembro de 2001?

Turki:
Eu estava em Jidda. O então rei Fahd estava dando um almoço ao presidente do Sudão, Omar al Bashir. Um dos príncipes sentados próximos de mim me disse que tinha acabado de receber uma mensagem de texto: um avião tinha atingido uma das Torres Gêmeas. Inicialmente eu pensei: teria sido um acidente? Mas quando o segundo avião atingiu, eu obviamente quis ir para casa assistir a “CNN”.

Spiegel: O senhor fez imediatamente a ligação com Bin Laden, com a Arábia Saudita?

Turki:
Não. Minha inclinação no momento foi que o ataque poderia ter ligação com os Bálcãs. Eu pensei na Bósnia, em Kosovo, no envolvimento americano lá.

Spiegel: Mas foram seus rapazes.

Turki:
Quando os americanos anunciaram seus nomes, meu instinto foi aceitar tudo como fato. Eu não tinha motivo para questionar a sinceridade do relato. Eu não sou cético. Eu nunca duvidei de que foi Bin Laden, nem que a operação era complicada demais para alguém como Bin Laden. Mas, “seus rapazes”? Essas pessoas eram sauditas, mas foram treinadas fora do país. A vida deles dentro do Reino foi relativamente sem ocorrências relevantes. Dois deles eram professores, um era desempregado. Como eu disse antes: a Al Qaeda saiu das montanhas do Afeganistão, não dos desertos da Arábia Saudita.

Spiegel: Mesmo assim, é o seu país que agora está mais associado ao nome da Al Qaeda.

Turki:
É um fardo que pesará sobre nós para sempre. Ele será motivo de culpa e arrependimento pelo resto de nossas vidas, se não pelas de nossos filhos e netos.

Spiegel: Sua Alteza, muito obrigado pela entrevista.

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