Quando os novos líderes chineses, encabeçados por Xi Jinping, ascenderam ao poder no 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCCh), em novembro de 2012, prometeram realizar profundas reformas econômicas e construir uma sociedade mais rica. Xi foi designado naquele conclave secretário-geral do PCCh e, em março passado, foi nomeado presidente do país. Desde então, foi assentando seu poder e eliminou alguns dos últimos obstáculos herdados de seu antecessor, Hu Jintao, como o escândalo do ex-líder do PCCh na municipalidade de Chongqing e potencial rival, Bo Xilai. Bo foi condenado à prisão perpétua em setembro por suborno, malversação de fundos e abuso de poder.
Um ano depois do congresso, chegou o momento de tomar decisões e anunciá-las. A China realiza desde sábado e até esta terça-feira (12), no mais absoluto sigilo, em um hotel de Pequim, uma importante reunião do partido na qual se prevê que se defina a agenda das reformas que deverão ser implementadas nos próximos anos para passar do atual modelo de desenvolvimento --baseado no investimento e nas exportações-- para outro mais ligado ao consumo interno e tornar o crescimento mais sustentável depois de três décadas de expansão vertiginosa. Algumas questões sociais e políticas serão abordadas também no congresso, mas se dá por certo que não ocorrerão reformas democráticas de estilo ocidental.
O terceiro plenário do 18º Comitê Central do PCCh, integrado por 205 pessoas, deverá revelar até que ponto a nova direção chinesa está comprometida com a necessidade de modificar um sistema que, segundo reconhece o governo, chegou a um ponto de inflexão: perdeu fôlego e sofre excesso de capacidade industrial, um alto nível de endividamento e preços imobiliários astronômicos. "O processo de reformas chinês se estancou na última década, o que causou uma grave crise na política chinesa", afirma Yao Zhongqiu, pesquisador e vice-presidente do Comitê Acadêmico do Instituto de Economia Unirule, um organismo privado com sede em Pequim.
As posições coincidem dentro e fora do país: sem reformas profundas, a China corre o risco de cair na chamada armadilha das rendas médias, situação em que um país fica estagnado devido à entrada em concorrência de outros países com custos de produção inferiores, enquanto ainda se encontra longe de economias que fabricam bens de alto valor agregado. O governo fixou como objetivo para 2020 que toda a população urbana e rural duplique as rendas per capita em relação a 2010 (que eram US$ 7.519, segundo a OCDE; na Espanha eram US$ 31.904).
O Centro de Pesquisa em Desenvolvimento do Conselho de Estado --um órgão de reflexão estatal-- ressaltou oito áreas-chave de reforma para se construir "uma economia de mercado dinâmica, liderada pela inovação, global e pacífica sob o regime da lei". No núcleo do plano está "administrar de forma adequada as relações entre o governo e o mercado".
As oito áreas citadas são: as indústrias de monopólio, o solo, as finanças, o sistema fiscal, a abertura da economia, a administração do governo, os ativos de propriedade estatal e o impulso à inovação e ao desenvolvimento ecológico. O relatório sugere a necessidade de melhorar o acesso ao mercado e a concorrência em setores cruciais, como o ferroviário e o petrolífero. Prevê-se que o chamado terceiro plenário proporcione o quadro amplo das políticas, mais que detalhes de como a China vai transformar sua economia.
As empresas estatais serão um dos temas fundamentais da reunião. Os especialistas creem que as autoridades não estão preparadas para modificar profundamente a situação dos gigantes que dominam desde o setor energético ao bancário e que as privatizações estão fora da agenda, embora pudessem adotar decisões ousadas para enfrentar os poderosos grupos de interesse nos monopólios estatais, que podem resistir às mudanças.
Esperam-se mais detalhes em outras áreas importantes, como as reformas financeira, fiscal, do solo, da administração do governo, dos preços dos recursos e da seguridade social, bem como a abertura de setores protegidos da concorrência estrangeira.
Entre as principais mudanças previstas há medidas para liberalizar as taxas de juros bancários --o mercado teria um papel maior-- e ampliar a participação privada no setor. Mais lenta parece ser a transformação do sistema fiscal para permitir que os governos locais administrem melhor sua dívida e não tenham que confiar nas desapropriações e na venda de terras para obter dinheiro.
No âmbito social, um dos temas quentes é o processo de urbanização. O governo quer que a economia dependa menos do investimento e das exportações e mais dos serviços e do consumo interno. Isso implica promover a urbanização do país, assentar as centenas de milhões de habitantes das zonas rurais em cidades e modificar o atual sistema de registro de residência, o "hukou", que impede na prática os imigrantes de se instalarem com suas famílias nas cidades porque não têm os mesmos direitos sociais, educativos e sanitários que os locais. Esperam-se medidas para relaxar progressivamente esses controles. O plenário também poderia estimular reformas para permitir um dia que os agricultores vendam a terra ao deixar o povoado.
"Não é provável que o terceiro plenário termine com compromissos executáveis para reduzir a malversação ou os privilégios das empresas estatais. O máximo que se prevê são medidas voltadas a aumentar a transparência do financiamento dos governos locais e facilitar a entrada de mais capital privado nas empresas estatais", afirma em um documento Mario Esteban, pesquisador sobre Ásia-Pacífico do Real Instituto Elcano, em Madri. "Algo mais factível parece o estabelecimento de um novo regime de propriedade da terra no mundo rural, que elevaria o nível de renda dos agricultores e a oferta de moradias. Os avanços mais concretos são esperados em questões menos polêmicas, como a progressiva liberalização das taxas de juros e da moeda, o iuane, o aumento do gasto social e o relaxamento da política do filho único e do sistema de registro de residência."
Os mandatários chineses prometeram uma sociedade mais harmoniosa, o que implica reduzir as grandes brechas sociais e atacar os crescentes problemas ambientais. A criação de uma economia mais equilibrada já foi um objetivo da geração anterior de dirigentes, mas não houve grandes avanços nesse sentido. Xi Jinping e seu primeiro-ministro, Li Keqiang, parecem mais decididos a alcançá-lo, já que declararam publicamente que vão tolerar um crescimento econômico menor enquanto realizam as reformas.
Para Xi e Li, o importante é a estabilidade do crescimento, e não tanto que o ritmo seja alto. Desenvolvimento com mais qualidade, mesmo que seja lento. Ainda assim, Li lembrou esta semana que a China precisa crescer 7,2% ao ano para garantir postos de trabalho suficientes. A economia subiu 7,7% no ano passado, e prevê-se que em 2013 aumente 7,5%, o menor índice em 23 anos.
Como é norma da casa, a adoção das mudanças será gradual. A estabilidade econômica e social continua sendo a prioridade do Executivo. Os próximos meses mostrarão a rapidez com que Xi Jinping e seu séquito desejam ou podem avançar.
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