sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Extrema direita húngara intensifica discurso antissemita

Márton Gyöngyösi

As pessoas de origem judaica são um “risco à segurança” e devem ser registradas em uma lista de âmbito nacional, de acordo com o político de extrema direita da Hungria, Márton Gyöngyösi. Os comentários dele, proferidos no parlamento do país, provocaram indignação generalizada. Mas o governo tem se mostrado lento para se distanciar desse tipo de postura.

As conversas com o político de extrema direita húngaro Márton Gyöngyösi geralmente se transformam em cansativas maratonas de relativização. Ele insiste que não é um antissemita, mas os judeus... Ele não é contra os roma*, mas os ciganos... ele não é um extremista favorável a ditaduras, mas a democracia liberal... falhou.

No entanto, o economista e ex-conselheiro fiscal de 33 anos de idade não é apenas um direitista formado ao acaso. Ele é vice-líder no parlamento do partido Jobbik, que abocanhou 17% dos votos durante as eleições de 2010 na Hungria. Os pais de Gyöngyösi trabalham para associações comerciais húngaras no exterior, e ele passou um tempo no Egito, no Afeganistão, na Índia e no Iraque durante sua infância e adolescência. O partido Jobbik transformou-o em porta-voz para assuntos relacionados a política externa.

Gyöngyösi frequentemente ri de satisfação com suas respostas evasivas. Ele se vê como uma espécie de diplomata com cabeça pensante de seu partido.

Mas, na noite de segunda-feira 26), Gyöngyösi surpreendentemente optou pela clareza em seus comentários no parlamento húngaro. Durante um debate sobre a ofensiva militar israelense contra o Hamas, na Faixa de Gaza, Gyöngyösi exigiu que “todos os judeus que vivem na Hungria sejam registrados” e que “os judeus, especialmente os que atuam no parlamento e no governo (da Hungria), sejam avaliados para que se detecte o perigo potencial que eles representam para a Hungria”. Em um comentário direcionado a Zsolt Németh, secretário de Estado no Ministério das Relações Exteriores, ele disse: “Eu acho que você deve essa lista à Hungria”.

Németh, especialista em política externa de longa data do partido conservador Fidesz, que governa o país, nem condenou nem demonstrou nenhum sinal de consternação com os comentários. “O número de judeus no governo húngaro”, disse ele, “realmente não tem nada a ver com o grave conflito no Oriente Médio”.

“Isso foi uma demonstração de puro nacional-socialismo no parlamento”, comentou o historiador Krisztián Ungváry, de Budapeste. Na verdade, essa foi a primeira vez que o partido Jobbik se identificou abertamente com o dogma racista dos nazistas. Outros partidos de direita da Europa também já esconderam o jogo em relação ao ódio racial.

Encontro com estrelas judaicas
Os comentários Gyöngyösi desencadearam indignação e nojo em representantes de organizações judaicas, políticos e ativistas de direitos civis na terça-feira (27). Várias centenas de pessoas usando estrelas judaicas se reuniram na tarde de terça para protestar contra “o fascismo rastejante” que tem tomado o parlamento da Hungria. Slomo Köves, chefe da Congregação Judaica Unificada da Hungria, se comprometeu a tomar medidas legais contra Gyöngyösi. Não seria a primeira vez que o político do partido Jobbik seria réu em um processo judicial. Na primavera** passada, Átila Mesterházy, chefe do Partido Socialista, entrou com uma ação judicial contra Gyöngyösi por ele ter negado a existência do Holocausto durante uma entrevista.

Oficialmente, até o momento os políticos do Jobbik tem refutado veementemente qualquer proximidade ideológica com o neonazismo. Mas essas negações têm sido hesitantes. No N1, canal de televisão pela Internet do Jobbik, por exemplo, o partido chegou a elogiar Adolf Hitler e a descrevê-lo como um dos “maiores estadistas do século 20”. Na primavera passada, um deputado do Jobbik lembrou no parlamento o aniversário do suposto assassinato ritualístico judaico de uma menina cristã de 14 anos na aldeia de Tiszaeszlár, que envolveu acusações contra os judeus na determinação da sentença final de assassinato e desencadeou várias semanas de pogroms*** entre 1882-1883. No verão**** passado, Csanád Szegedi, parlamentar europeu perigosamente extremista e antissemita, foi expulso do Jobbik após a descoberta de que ele tinha antepassados judeus.


Kristian Ungváry não está surpreso com os comentários de Gyöngyösi. Há muito tempo ele vem argumentando que o Jobbik é um partido neo-nacional-socialista que segue a tradição do Cruz de Flechas (partido nacional-socialista húngaro que atuou durante o período da Segunda Guerra Mundial), e também tem dito que o principal problema é o silêncio que seu extremismo tem encontrado na coalizão de governo. “O escândalo de arrepiar os cabelos é a covardia sem limites exibida pela não-reação a tais comentários”, diz Ungváry. “Sempre há nazistas em toda parte, especialmente na Europa Oriental, e nós temos que viver com esse fato. Mas você precisa se distanciar deles e repreendê-los. E isso não aconteceu”.

Só depois de grupos judeus terem protestado o governo húngaro divulgou um comunicado, na terça-feira, no qual os partidos governistas condenaram veementemente as declarações de Gyöngyösi no parlamento e prometeram agir com firmeza na luta contra o racismo, o extremismo e o antissemitismo. Ainda assim, o documento soa como um mea culpa obrigatório tornado necessário pelo silêncio do Secretário de Estado Németh. Blogueiros do portal de internet mais popular da Hungria, o index.hu, ressaltaram que o parágrafo mais importante da declaração já foi usado várias vezes, quase que palavra por palavra, em resposta a incidentes semelhantes.

Leitura recomendada
Na realidade, o partido conservador Fidesz tem se aproximado cada vez das posições do partido de extrema direita Jobbik, em parte para atrair os eleitores de direita e em parte por convicção. Em setembro passado, por ocasião da cerimônia de dedicação de um memorial, realizada na vila de Opusztaszer, no sul da Hungria, o primeiro-ministro húngaro, Victor Orbán, proferiu um discurso ao estilo “sangue e terra”***** sobre os valores húngaros – e que beirou o extremismo de direita. Em maio deste ano, László Kover, presidente parlamentar da Hungria, participou de uma cerimônia para a entrega de um monumento em homenagem ao escritor o Nyiro József, que era um dos principais ideólogos culturais do partido Cruz de Flechas. No atual currículo nacional das escolas da Hungria, as obras de vários autores antissemitas estão listadas como leitura recomendada.

O partido Jobbik também divulgou uma espécie de correção para os comentários feitos por Gyöngyösi, na qual a palavra “judeu” é substituída por “israelense”. De acordo com essa correção, Gyöngyösi só estava se referindo aos judeus com dupla cidadania – os que têm passaporte húngaro e israelense –, disse Gyöngyösi no comunicado do partido. Ele pediu perdão a seus compatriotas judeus pelo mal-entendido.

O líder do partido Fidesz no parlamento, Antal Rogán, também instituiu a cobrança de multas e de outras penalidades para futuros comentários semelhantes aos feitos por Gyöngyösi.

O partido Jobbik parece impassível. Atualmente, a agremiação está exigindo que seja realizada uma verificação para determinar se os políticos húngaros também possuem cidadania israelense. Além disso, os membros do Jobbik querem obter uma lista de lugares da Hungria onde o “capital de Israel” é investido e que descreva a dimensão desses investimentos.

Finalmente, o Jobbik está exigindo que um pacto firmado pela Hungria com a Alemanha e a Polônia seja tornado público. Gábor Vona, presidente do partido, está convencido da existência de um tratado secreto. Nesse acordo, segundo ele, os três países se comprometeram a fornecer um lar “para 500 mil judeus em caso de uma emergência”.

*Os roma (singular: rom) são mais conhecidos em português como ciganos. Eles formam um conjunto de populações nômades que têm, em comum, a origem indiana e uma língua (o romani), originária do noroeste do subcontinente indiano. Em português, em rom significa “homem”

**No hemisfério norte, a primavera vai de março a junho

***Pogrom é um ataque violento e de grandes dimensões maciço a pessoas, com a destruição simultânea de seu ambiente de vida (casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos de violência em massa, espontânea ou premeditada, realizados contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias étnicas da Europa. Porém, a descrição também se aplica a outros casos envolvendo países e povos do mundo inteiro

****No hemisfério norte, o verão vai de junho a setembro

*****O conceito de “sangue e terra” (em alemão: Blut und Boden) refere-se a uma ideologia relacionada à etnia e baseada em dois fatores: ascendência (ou o sangue de um povo) e pátria (o solo, a terra pátria). Ele celebra a relação de um povo com a terra que ocupa e cultiva, e dá um alto valor às virtudes da vida rural

Na Rússia, projetos de inovação tecnológica encalham


Nos arredores pantanosos de São Petersburgo, um grupo de homens está matando tempo jogando cartas enquanto montam guarda em um projeto de prestígio da política industrial russa: uma fábrica abandonada.

O bilionário Mikhail Prokhorov lançou a pedra fundamental desta nova unidade de produção pintada de laranja néon. A ideia é produzir um carro tão badalado quanto o microcarro Smart, da Daimler, e vender pela pechincha de 9 mil euros –uma combinação imbatível que a torcida é que se torne um sucesso de exportação.

Prokhorov prometeu investir 150 milhões de euros para cobrir os custos de engenharia do “Yo-mobil”. Esse veículo moderno e híbrido, que funciona a base de gasolina e eletricidade, busca finalmente derrubar o clichê de que a Rússia só é capaz de exportar gás natural, tanques e usinas nucleares.

Isso tornaria o Yo-mobil um presente dos céus para o presidente russo Vladimir Putin, que deseja conquistar o mercado global com celulares, tablets e aeronaves orgulhosamente “made in Russia”. O presidente prometeu criar 25 milhões de novos empregos baseados em inovação e alta tecnologia neste vasto país até 2025. Para atingir essa meta, o Kremlin planeja investir 16 trilhões de rublos (400 bilhões de euros), ou o suficiente para comprar a Toyota, BMW, Volkswagen e Daimler no atual valor de mercado delas.

Mas seria melhor investir o dinheiro nessas fabricantes de carros estrangeiras. De fato, as empresas estatais russas e os oligarcas pró-Kremlin mal conseguem avançar além da etapa na qual os protótipos são apresentados.

Todavia, Putin vê os carros como uma alta prioridade para o futuro inovador de seu país. Isso levou Prokhorov a levar dois veículos de teste até a residência do presidente em 2011. Mas Putin reagiu de modo taciturno.

Há dois anos, Putin dirigiu um Kalina amarelo-canário, um carro supermini produzido pela companhia automotiva russa Lada, em uma visita de publicidade à Sibéria. Por segurança, a Lada lhe forneceu dois veículos substitutos e um guincho.

Talvez tenha sido essa experiência que levou Putin a resmungar para Prokhorov se “este Yo-mobil também não vai desmontar durante a viagem”. Mas mesmo assim ele se espremeu atrás do volante e dirigiu até uma reunião do Conselho de Segurança Russo. O carro conseguiu percorrer a distância de 4 quilômetros sem quebrar.

Promessas e sonhos impossíveis
Mas a caminho do lançamento da produção em série, planejada para meados de 2012, o Yo-mobil perdeu força, apesar de contar com 200 mil pedidos. Na fábrica perto de São Petersburgo, os guardas afastam todos os visitantes, dizendo que o projeto foi colocado em espera. O gerente de construção pede discrição – caso contrário ele diz que terá a agência de inteligência doméstica da Rússia, a FSB, no seu encalço.

O carro de Prokhorov, que foi apresentado na Feira Internacional do Automóvel de 2011 em Frankfurt como “o novo símbolo da Rússia”, é o mais recente exemplo de uma tradição de séculos. Diz a lenda que o príncipe Grigory Potemkin, um favorito de Catarina, a Grande, ordenou o erguimento de assentamentos falsos para que imitassem aldeias prósperas e assim enganar a imperatriz. Táticas semelhantes de fumaça e espelhos ainda são usadas atualmente.

Os engenheiros já apresentaram o “primeiro smartphone da Rússia” em duas ocasiões. Em setembro de 2010, o chefe da Corporação Estatal Russa de Tecnologia entregou ao então presidente Dmitri Medvedev um protótipo que supostamente seria produzido em Taiwan. Mas o mundo nunca mais teve notícias dele.

Dois meses depois, Putin recebeu um aparelho que “tinha todas as funções de um iPhone4” nas palavras do magnata das telecomunicações russo, Vladimir Yevtushenkov. O oligarca prometeu uma produção inicial de 500 mil unidades, que posteriormente foi reduzida para 100 mil. A fabricante chinesa ZTE suspendeu o projeto depois da produção de apenas 5 mil unidades, citando “falta de demanda”.

Um desempenho igualmente decepcionante ocorreu com o leitor de livros eletrônicos elogiado pela mídia pró-governo como um “iPad russo”. Anatoly Chubais, chefe da empresa Rosnano que conta com apoio do Estado, prometeu “uma grande produção em série” quando colocou o primeiro protótipo funcional nas mãos de Putin em agosto de 2011. Um lote de 1.000 foi distribuído para estudantes russos. A fábrica planejada de 700 milhões de euros, entretanto, continua sendo apenas um sonho.

Não mais uma potência tecnológica
Depois de 55 anos do lançamento do Sputnik, o primeiro satélite do mundo feito pelo homem, que espalhou medo no Ocidente com o poder dos engenheiros soviéticos, a inépcia em inovação do maior país do mundo atingiu proporções patológicas. No ano passado, os russos registraram aproximadamente 1.000 patentes internacionais –menos do que a empresa alemã de engenharia e eletrônica Robert Bosch GmbH sozinha.

A falta de perícia tecnológica da Rússia também está colocando em risco os planos ambiciosos do Kremlin para os setores de aviação e defesa. O Superjet –o primeiro jato de passageiros desenvolvido na Rússia desde o final da União Soviética– virtualmente não tem compradores interessados. A Sukhoi, sua fabricante, produziu até o momento apenas duas dúzias de unidades. Uma delas caiu durante um voo de demonstração na Indonésia, em maio de 2012, matando todas as 45 pessoas a bordo.

O quanto a tecnologia da Rússia está atrás da de seus concorrentes se tornou dolorosamente óbvio em meados de outubro, quando o FBI desbaratou uma quadrilha de contrabando russa. Os supostos espiões russos aparentemente tinham pouco interesse em informação politicamente sensível. Em vez disso, segundo o FBI, eles conseguiram passar componentes microeletrônicos pelas autoridades aduaneiras americanas –bens produzidos em massa que eram adequados para uso em “sistemas militares” e aparentemente destinados ao exército russo e aos serviços de inteligência.

Aparentemente a Rússia desistiu de tentar fabricar esses componentes ela mesma. Alexander Golts, um analista militar baseado em Moscou, queixou-se recentemente no “Moscow Times” em língua inglesa que as empresas russas “não estão em posição de fazer uso de tecnologias avançadas." Por exemplo, os engenheiros que trabalham no planejado jato T-50, um bombardeiro stealth de quinta geração, receberam ordens rígidas de instalarem apenas componentes de alta tecnologia russos. Mas como não existem monitores de plasma suficientes feitos na Rússia, “nós simplesmente pegamos monitores japoneses e mudamos seu rótulo”, reconhece um membro da equipe do projeto.

“Progresso e modernização surgem dos esforços para se tornar mais eficiente”, disse recentemente Vladislav Inozemtsev, um economista de Moscou, em uma entrevista para a “Spiegel”. “Isso contradiz toda a lógica da economia russa.” Visando gerar um produto econômico de um dólar, a Rússia gasta 10 vezes mais energia que a Alemanha. Segundo auditores russos, “devido à corrupção e à fraca gestão”, cada quilômetro de estrada recém-construída é duas vezes e meia mais caro para ser construído do que na União Europeia.

“Todo mundo sabe que isso é inaceitável”, diz Inozemtsev, “mas todos permanecem satisfeitos desde que a receita do petróleo e gás continue entrando”.

Uma questão aberta
Enquanto isso, o futuro do Yo-mobil parece decididamente nada promissor. Prokhorov, o financiador bilionário do projeto, adiou o inicio das vendas em dois anos, para 2014. Pouco depois, ele anunciou sua aposentadoria.

Em uma sala dos fundos da fábrica perto de São Petersburgo, dois engenheiros mecânicos alemães estão sentados conversando. A Dieffenbacher, uma fornecedora de autopeças com sede no sudoeste da Alemanha, os enviou para cá para monitorarem a montagem de uma prensa injetora de plástico de 200 toneladas que Prokhorov comprou para ajudar a fabricar seu carro dos sonhos.

“Nossas máquinas estão funcionando”, diz um dos alemães com o sorriso de um homem que nunca diria uma palavra ruim sobre seu cliente. “Se os russos fabricarem um carro aqui, será uma revolução.”

Der Spiegel: Catalães querem independência, mas se dividem sobre governo

Artur Mas, líder do partido Convergência e União (CiU), discursa para partidários na Catalunha, na Espanha

As eleições regionais da Catalunha, realizadas no fim de semana passado, deixaram em suspenso o movimento pela independência da região espanhola. A maioria dos eleitores apoia a separação, mas não consegue decidir que partido está mais bem preparado para governar o Estado. Analistas alemães dizem que a confusão não é boa para a Espanha nem para a Catalunha.

“As pessoas disseram o que querem e, agora, a situação está mais clara e mais complicada”. Essa foi a avaliação de Artur Mas, líder do partido separatista catalão Convergência e União (CiU), após os votos terem sido contados depois das eleições do fim de semana passado na região, localizada no nordeste da Espanha. Uma olhada nos resultados faz com que fique difícil argumentar.

Por um lado, está claro que a maioria dos eleitores da região, que inclui Barcelona, a segunda maior cidade espanhola, gostaria que um referendo sobre a independência fosse realizado. Mas eles discordam sobre qual partido separatista está mais bem preparado para governar a Catalunha. No total, quase dois terços dos assentos do parlamento regional foram obtidos por partidos políticos que são favoráveis à realização de um referendo sobre a separação da Catalúnia da Espanha. Mas os 87 assentos foram divididos entre quatro partidos separatistas diferentes, sendo que os dois maiores, o CiU e a Esquerda Republicana, têm posições totalmente opostas.

Dessa forma, para que qualquer referendo possa seguir adiante, os dois partidos provavelmente teriam que formar uma coalizão. Mas isso não parece ser possível no momento. De fato, até os analistas pareciam confusos com o resultado da votação. “Neste momento, não temos certeza sobre o estado do processo de independência da Catalunha”, disse à Associated Press Angel Rodriguez Rivero, professor de ciências políticas da Universidade Autônoma de Madri. “Nós não sabemos se essa nova situação vai acelerar o processo ou sufocá-lo novamente por tempo indeterminado”.

A votação ocorreu no iminente cenário de problemas econômicos e incertezas financeiras que assola a Espanha. O desemprego no país está em 25% e a Catalunha vinha sendo há muito tempo uma das regiões espanholas mais bem-sucedidas economicamente. Na verdade, o movimento separatista tem sido alimentado pelo sentimento de que a Catalunha paga mais impostos para Madrid do que recebe em serviços do governo. Além disso, o dinheiro das regiões mais ricas da Espanha é distribuído para as regiões mais pobres, em um sistema que alguns consideram injusto. Mais recentemente, no entanto, a Catalúnia ficou profundamente endividada e, pouco tempo atrás, precisou de um resgate no valor de 5,4 bilhões de euros de Madrid.

Artur Mas, líder do CiU, que também é chefe do governo regional, tem seguido um caminho de austeridade nos últimos meses, que tem prejudicado sua popularidade. Apesar de seu partido ter obtido 50 cadeiras no Legislativo catalão, que conta com 135 assentos, o CiU perdeu 12 cadeiras em relação à última eleição. O governo central de Madrid tem se oposto totalmente ao movimento separatista, e há dúvidas sobre sua legalidade à luz da Constituição espanhola.

Analistas alemães avaliaram detalhadamente o resultado da eleição de terça-feira (27).

O diário de centro-esquerda Süddeutsche Zeitung publicou:

“A principal razão para a diminuição da base de apoio do partido de Artur Mas não é o rígido programa de austeridade que ele introduziu há dois anos para reduzir a enorme dívida herdada de seus antecessores de centro-esquerda. Ao contrário, seus eleitores ficaram com medo da questão europeia: será que a Catalunha teria que deixar a União Europeia (UE) e a zona do euro caso decida se tornar independente? Artur Mas não tinha uma resposta clara para essa questão”.

“O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, no entanto, tinha uma resposta. Ele gostaria de impedir a independência da Catalúnia, uma região movida a turismo e indústrias... O cenário de horror que ele pintou para uma Catalunha independente se provou bastante útil. Ele disse que a região sofreria um colapso econômico caso saísse da UE e que a classe média empobreceria. E Rajoy foi apoiado pelo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, que afirmou claramente que todo novo Estado deve passar pelo mesmo processo de adesão para entrar na UE”.

“Artur Mas não encontrou resposta para esse dilema europeu, especialmente considerando-se a completa falta de apoio dos líderes europeus para sua marcha rumo à independência. E a maioria esmagadora dos catalães, mesmo que queiram se separar da Espanha, querem continuar fazendo parte da UE”.

O diário de centro-direita Frankfurter Allgemeine Zeitung publicou:

“A votação na Catalunha não fez nada para esvaziar o debate sobre a independência. Os poderes radicais se fortaleceram e a fragmentação do cenário político não foi interrompida. Artur Mas perdeu devido a suas políticas de austeridade. No entanto, qualquer esforço para formar uma coalizão com a Esquerda Republicana terá que incluir uma plataforma separatista. Dessa forma, a dor de cabeça catalã de Rajoy não desapareceu. E a dor de cabeça da UE também continua”.

O diário de negócios Handelsblatt escreveu:

“Depois da algazarra populista das últimas semanas, é hora de os políticos catalães voltarem à realidade econômica. ‘De volta ao começo’, deve ser o lema. O estopim para o agravamento das relações entre Madrid e Barcelona foram as demandas catalãs pela reforma do modelo segundo o qual os ricos Estados espanhóis, como a Catalúnia, transferem dinheiro para os Estados espanhóis mais pobres. Foi só após o. categórico ‘não’ de Rajoy que o líder regional Artur Mas mergulhou no debate separatista”.

“Há um amplo consenso na Espanha que uma reforma fundamental do sistema... se faz necessária. Mas é difícil aprovar uma reforma como essa em meio à crise da dívida do euro, na qual os governos regionais e centrais estão lutando por cada décimo de ponto percentual do coeficiente do déficit orçamentário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)”.

O diário conservador Die Welt escreveu:

“No dia seguinte às eleições na Catalúnia ficou claro que a divisão que perpassa a Espanha está mais profunda do que nunca. À primeira vista, parecia que o líder catalão Artur Mas havia sido punido por seu incentivo à independência, como se os eleitores, devido a seu medo de ter que deixar a União Europeia, tivessem optado por uma postura moderada. O resultado das eleições, porém, demonstra o contrário. A radicalização aumentou em ambos os lados”.

“Artur Mas agiu irresponsavelmente. Ele nunca foi um pioneiro na jornada em direção à independência da Catalúnia. No entanto, ele queria realizar uma revolução em apenas dois meses – principalmente para desviar a atenção de sua terrível gestão da crise no governo. Isso tem se tornado uma espécie de padrão na coitada da Espanha”.

Para ex-chefe da Liga Árabe, democracia no Egito já está sob risco


Amr Moussa
Milhares de manifestantes tomaram novamente as ruas do Cairo na terça-feira (27), em protesto contra os amplos novos poderes que o presidente Mohammed Morsi concedeu a si mesmo. O ex-secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, disse à “Spiegel Online” que o processo democrático em seu país está em grave perigo.

Spiegel Online - O senhor tinha agendado uma visita a Hamburgo na segunda-feira (26), para um evento conjunto com a “Spiegel” e a Fundação Körber para discutir a situação política em seu país. Por que o senhor cancelou?
Moussa - Eu peço desculpas por não poder ir. Mas a crise que o Egito está experimentando no momento está se agravando. Em um momento como esse, eu não posso deixar meu país. O Egito nunca esteve em um estado tão crítico em toda a minha vida.

Spiegel Online - O que o senhor considera mais desconcertante?
Moussa - Por exemplo, o fato do presidente Mohammed Morsi ter emitido um decreto constitucional saído do nada, que contradiz o processo democrático e lhe concede poderes quase ditatoriais. Outro exemplo, apesar de termos uma assembleia constituinte que supostamente deve escrever a nova Constituição do Egito, ela está dividida em dois campos fundamentalmente opostos: um islamita e outro composto por patriotas e democratas. O segundo se tornou muito menor porque quase todos os liberais abandonaram a assembleia em protesto.

Spiegel Online - O senhor anunciou sua intenção de criar uma frente coletiva de oposição a Morsi.
Moussa - Sim. No fim de semana, eu me reuni com vários líderes da oposição. Eles aceitaram minha proposta de criar uma Frente de Salvação Nacional, que lançamos oficialmente no sábado.

Spiegel Online - A revolução egípcia fracassou?
Moussa - Eu diria o seguinte: o que está acontecendo atualmente no Egito representa um grave risco para o processo de democratização em nosso país. A opinião pública nunca esteve tão polarizada quanto no momento.

Spiegel Online - O senhor chegaria a dizer que o Egito está caminhando para uma nova ditadura?
Moussa - Não parece que já tenha chegado tão longe. Mas alguns dos decretos emitidos pelo presidente são extremamente problemáticos e lhe concedem uma quantidade preocupante de poder.

Spiegel Online - Dada a situação, e dado que a oposição egípcia costuma ser profundamente dividida, quão promissor é o novo esforço para criar um movimento conjunto?
Moussa - Nós estamos no início, mas as chances são boas. Há um provérbio egípcio: “Alguns problemas são úteis”. O dilema atualmente enfrentado pelo país também oferece uma oportunidade.

Spiegel Online - Quais o senhor acha que são os motivos por trás da decisão do presidente?
Moussa - Essa é uma questão difícil. Nós não sabemos. Foram seus conselheiros? Foi a liderança da Irmandade Muçulmana? Ou foi ele próprio que teve essa ideia vergonhosa de colocar em risco a separação dos poderes? Eu espero que ele recobre o juízo porque, como presidente, ele já deve ter percebido as consequências de seus decretos.

Spiegel Online - As ações dele foram previsíveis?
Moussa - Não, nem um pouco. Eu me encontrei recentemente com o presidente Morsi e não vi nada que indicasse uma ação nessa direção. Outros que se encontraram recentemente com ele disseram o mesmo.

Spiegel Online - As mulheres egípcias devem temer agora a perda de seus direitos?
Moussa - As mulheres no Egito estão muito preocupadas com os valores políticos extremamente conservadores defendidos pelos islamitas. Os debates na assembleia constituinte são um bom exemplo dessa mudança de valores: eles estão discutindo, por exemplo, se as mulheres devem ser legalmente subordinadas aos homens.

Spiegel Online - O presidente, como ele afirma, realmente se desligou da Irmandade Muçulmana?
Moussa - Morsi continua sendo um membro da Irmandade Muçulmana. Mas ele também é o presidente e, desse modo, deve permanecer neutro. Como cidadãos egípcios, nós esperamos que ele seja capaz de reconhecer quais devem ser suas prioridades.

Spiegel Online - O senhor compartilha a opinião do ganhador do Nobel, Mohamed ElBaradei, de que “uma guerra civil pode estourar no Egito” caso os poderes moderados não tenham uma voz, como ele disse nesta semana à “Spiegel”?
Moussa - Alguns egípcios acreditam que uma guerra civil já começou. Mas gostaríamos de evitar esse cenário a todo custo. O presidente do país é responsável pela segurança geral. Ele deve demonstrar que é presidente de todos os egípcios e não privilegiar uma parte da população em detrimento de outra.

Spiegel Online - O senhor acredita que os protestos se tornarão violentos?
Moussa - Eu espero que o bom senso prevaleça. Nossa plataforma de oposição, de qualquer forma, pede por manifestações pacíficas; nós somos contrários à violência em todas as suas formas.

Spiegel Online - Que papel o Ocidente deve exercer?
Moussa - O Ocidente deve permanecer em segundo plano. Esta é uma crise puramente egípcia que nós egípcios devemos solucionar sozinhos.

Morsi apela à tirania para salvar democracia


O novo presidente egípcio extrapolou no seu decreto e não explicou bem a razão, mas agiu assim para proteger a Assembleia Constituinte

Mohamed Morsi
A democracia no Egito acabou antes de começar? É o que pensam os céticos no exterior e os que protestam no Egito depois de o presidente Mohamed Morsi decretar unilateralmente que suas decisões não estão sujeitas a uma reavaliação pela Corte Constitucional do país.

Os temores são exagerados. Não é uma cena de filme em que o líder islâmico eleito democraticamente se revela um ditador religioso. Morsi extrapolou no seu decreto e não explicou bem a razão. Mas agiu assim para preservar a democracia eleitoral. E ele deu um primeiro passo para consertar o estrago, concordando em circunscrever o alcance do decreto a "questões soberanas", como proteger a assembleia encarregada de redigir a nova Constituição para o Egito.

A preocupação manifestada pelos egípcios e secularistas estrangeiros é compreensível. Democracia significa mais do que apenas eleições. Aqueles que são eleitos pelo povo têm de se ater às normas constitucionais e não assumir que sua eleição é um mandato para governar sem restrições. Quando Morsi declarou que não ficaria vinculado às decisões da Corte Constitucional porque "Deus e o povo" o escolheram, ele se expressou, de modo inquietante, como o aiatolá Ruhollah Khomeini ou um ditador fascista.

Mas, apesar das aparências, o decreto assinado por ele não representa o cenário do "um homem, um voto, uma vez" que muitos acham inevitável quando um partido radical islâmico chega ao poder por vias democráticas.

Precisamos analisar todo o contexto da tumultuada e ainda vigente revolução do Egito, e o papel bastante questionável que a Corte assumiu dentro desse mesmo contexto.

Sob o governo de Hosni Mubarak, a Corte Constitucional tentou ativamente coagir o governo. De início talvez tenha sido para salvaguardar o bem-estar público, mas a tendência rapidamente se transformou em partidarismo antidemocrático ou subordinação ao Exército. O ponto culminante dos trabalhos do tribunal foi quando dissolveu o legislativo eleito em junho.

Numa entrevista, um dos juízes admitiu que a corte ficou ao lado do regime militar o tempo todo e preparou suas decisões contra o legislativo desde o momento em que as eleições foram realizadas.

Há uma boa razão para achar que a Corte dissolveria a Assembleia Constituinte eleita, como dissolveu o Parlamento - seria um passo a mais para declarar a eleição presidencial inválida e criar um "golpe de Estado" constitucional contra Morsi.

Não se engane. Uma ação como esta por parte dos tribunais buscaria garantir o poder continuado dos líderes militares que não aceitaram o resultado das eleições. A luta entre islamistas eleitos e o Exército não foi encerrada.

E, claramente, o decreto de Morsi faz parte desta disputa. Ao dar-se conta de que a Corte Constitucional é um instrumento dos militares, ele tentou anular sua influência preventivamente.

Mas os meios que adotou foram ingênuos e provocaram uma péssima reação. Nada na Constituição provisória ou nos princípios constitucionais gerais permite ao presidente ignorar o julgamento de um Tribunal Constitucional.

O que Morsi deveria ter feito era recorrer à própria Assembleia Constituinte. Como não há uma Constituição permanente em vigor é a Assembleia que representa o desejo do povo e não o presidente. Num período pós-revolucionário repleto de incertezas a soberania subsiste somente num órgão coletivo eleito para redigir as novas normas fundamentais para o país.

Se a Assembleia Constituinte declarasse que não pode ser dissolvida pela Corte Constitucional este seria um argumento constitucional convincente e uma defesa política digna de crédito. Muitos especialistas no assunto dirão que uma Assembleia Constituinte pode fazer tudo o que deseja desde que não viole direitos humanos fundamentais. Certamente, a Assembleia teria o poder para abolir a Corte numa Constituição final e ratificada. Portanto, ela tem capacidade para se defender contra uma Corte monopolizadora.

Morsi teria sido mais prudente se assinasse um decreto limitado estabelecendo que a Assembleia continuaria vigente e em funcionamento mesmo que os tribunais tentassem dissolve-la. Mas, em vez disso, ao se colocar acima da lei, debilitou o real ideal democrático ao qual deveria ter recorrido.

Tendo agora concordado em limitar o escopo do decreto, Morsi deveria também esclarecer que não está reivindicando uma autoridade inerente à presidência, mas simplesmente afirmando o princípio de que a Corte não pode dissolver uma Assembleia Constituinte.

Isso indicaria aos defensores da democracia no Egito e no exterior que o presidente quer defender o processo democrático, não subvertê-lo.

Neste momento, Morsi debilitou substancialmente sua legitimidade dentro do país, provocando pela primeira vez protestos violentos contra ele. No plano internacional a situação ainda é pior: por conta do seu apoio público ao Hamas, foi visto como um ditador em potencial. A democracia ainda não morreu no Egito. Mas ele precisa fazer mais para mostrar que ainda acredita no sistema que o colocou na presidência.

ANÁLISE: Política externa dos EUA entra em xeque

Estratégia "light footprint" dos EUA entra em xeque

Tunisianos queimam bandeira americana 

As erupções do Oriente Médio constituíram, até agora, talvez o mais duro teste para a principal inovação do governo de Barack Obama na política externa, aquilo que a Casa Branca celebra como estratégia "light footprintp" [termo usado para expressar uma atuação menos abertamente combativa e mais discreta].

Atento à sensação popular de que uma década de guerras debilitou os EUA, e ávido por focar nos problemas econômicos internos, Obama rapidamente abraçou uma mistura de tecnologia por controle remoto e diplomacia à distância para conter os problemas mais explosivos do Oriente Médio, da Ásia Meridional e da África. O número de bombardeios teleguiados sextuplicou, armas cibernéticas secretas foram direcionadas para o Irã e forças especiais fizeram das incursões noturnas a moeda corrente do poderio americano.

Durante um tempo funcionou. Como perguntou tão sucintamente há um ano o recém-demitido diretor da CIA, David Petraeus: "Quem não gostaria de uma estratégia 'light footprint'?".

Mas estava implícito nessa pergunta o reconhecimento de que a estratégia tem utilidade limitada. E agora Obama está sob mais pressão do que nunca para se envolver com o Oriente Médio. Há no próprio partido do presidente comentários de que ele deveria intervir mais diretamente para conter a carnificina na Síria -instalando, por exemplo, mísseis Patriot na região, para abater o poderio aéreo de Bashar Assad- e renovar os esforços por um processo de paz israelo-palestino.

Aliás, ao enviar em 20 de novembro a secretária de Estado Hillary Clinton para o Oriente Médio, a fim de colocar o timbre americano no cessar-fogo entre Israel e o Hamas, em Gaza, Obama se lançou num conflito que ele vinha, em geral, evitando.

Obama é inquebrantável no seu apoio público a Israel durante o confronto com o Hamas, grupo militante que governa Gaza. Mas ele também procurou o presidente do Egito, Mohamed Mursi, pedindo a ele que acalme a situação.

Também há a questão do Irã. Obama já declarou que deseja iniciar negociações diretas com Teerã. Esse é um último esforço, admitem seus assessores, para evitar um confronto militar que eles temem que possa acontecer até meados de 2013.

Obama esperava não se preocupar com essas crises nas últimas semanas do seu primeiro mandato. A expectativa era de que ele estivesse colhendo os benefícios de tirar os EUA do Iraque e do Afeganistão, para que pudesse se voltar àquilo que ele durante a campanha frequentemente caracterizava como "um pouco de construção nacional dentro de casa".

Desde 2009, Obama tenta evitar ser sugado para o conflito do Oriente Médio e para a disfunção que esgotou tantos antecessores seus.

Ele pediu à sua equipe de segurança nacional para que reavaliasse onde os EUA investiam demais e de menos.

A resposta, como lembrou recentemente seu assessor de segurança nacional, Thomas Donilon, veio rapidamente: "Estamos com peso excessivo em algumas regiões, como com nossos compromissos militares no Oriente Médio, e com falta de peso em regiões das quais depende a futura prosperidade dos EUA, principalmente outras regiões da Ásia".

Para os críticos de Obama, a raiz da aparente ausência de alavancagem americana no Oriente Médio atual é que a "light footprintp" está excessiva.

"Acho que a maneira de entender a abordagem de Obama -eu não chamaria de estratégia- é que ele tem uma preferência uniforme por manter os problemas à distância", disse Eliot Cohen, professor da Escola Johns Hopkins de Estudos Internacionais Avançados, em Maryland, que trabalhou na campanha presidencial de Mitt Romney. "É isso que a 'light footprintp' é. E ela perdeu o gás."

A Líbia se tornou o primeiro exemplo desse argumento. Obama relutantemente ofereceu apoio aéreo para a derrubada do regime de Muammar Gaddafi. Sua recusa em colocar soldados americanos no terreno e sua decisão de manter uma presença mínima da CIA e de diplomatas na Líbia pós-Gaddafi podem ter colaborado para que Washington não notasse sinais que levaram ao ataque à sua legação em Benghazi.

A Síria é agora o novo foco da discussão. Obama, desde o começo, resiste em se envolver nesse conflito, mesmo que pelo ar. Mas, com cerca de 40 mil mortes por causa do conflito sírio, Obama enfrenta cada vez mais pressão, inclusive de alguns democratas.

O senador republicano John McCain argumenta que "tudo de ruim que prevíamos que aconteceria se interviéssemos -instabilidade na Jordânia, Líbano e Turquia - já está acontecendo de qualquer maneira".

Os próprios assessores de Obama admitem que as expectativas dele, de que fosse possível se preservar e deixar a liderança com interessados mais diretos, foram frustradas.

A estratégia "light footprintp" não foi tão boa quanto pensavam.

Forças Armadas apresentam principais projetos em evento na Câmara dos Deputados


A recuperação da capacidade operacional das Forças Armadas e o desenvolvimento de projetos ligados aos três eixos estruturantes da Estratégia Nacional de Defesa (END) e do Programa de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED) – cibernético, aeroespacial e nuclear – marcaram o último painel do Seminário Estratégias de Defesa, realizado no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados.

Durante mais de duas horas, militares representando o Ministério da Defesa, por meio do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), fizeram detalhamento minucioso daquilo que planejam para o horizonte de 35 anos. O seminário foi promovido pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, com apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Coube ao chefe de Operações Conjuntas (Choc), do EMCFA/MD, brigadeiro Ricardo Machado Vieira, a abertura do painel “Os grandes projetos estratégicos das Forças Armadas”. O militar fez sua exposição com base nas diretrizes traçadas pela END e pelo PAED. E apresentou os eixos estruturantes que cabem às Forças Armadas e os principais projetos em desenvolvimento por elas.

“Precisávamos de um plano para as nossas Forças Armadas dispostas em forma mais lógica. Por isso, buscamos prioridades em áreas estratégicas”, disse o brigadeiro Machado.

Submarino nuclear
Após a apresentação das diretrizes gerais, os oficiais-generais representantes dos comandantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB) deram detalhes daquilo que vem sendo desenvolvido. O contra-almirante Antonio Fernando Garcez Faria relatou que a Marinha tem trabalhado em projetos na área nuclear, que se divide no ciclo de combustível e no laboratório de geração núcleo-elétrica (LABGENE).

A Força Naval também trabalha no âmbito do núcleo de poder naval no desenvolvimento de navios-patrulha de 500 toneladas – corveta classe Barroso. A meta é incorporar 46 desses navios. A Força atua ainda no Programa de Obtenção de Meios de Superfícies com os navios-patrulha adquiridos recentemente na Grã-Bretanha.

O navio-patrulha oceânico Amazonas foi o primeiro de três unidades a ser incorporado para atuar na região denominada “Amazônia Azul”. Nas próximas semanas, a Marinha receberá a segunda embarcação em Londres, sendo a terceira no primeiro trimestre do próximo ano.

Em outra frente, a Força Naval trabalha no projeto de construção de submarinos convencionais e a propulsão nuclear no polo de Itaguaí (RJ). O esforço concentrado tem por finalidade, também, permitir a segurança da navegação.

Já na parte de tropas, a Marinha planeja constituir a 2ª Esquadra da 2ª Força de Fuzileiros que deverá ser instalada próximo à foz do rio Amazonas. Deste modo, o litoral brasileiro estaria sendo coberto pelos fuzileiros numa área que vai do Oiapoque (AP) ao Chuí (RS).

Sete projetos do Exército
Em seguida, o general-de-brigada Luiz Felipe Linhares Gomes, chefe do Escritório de Projetos do Exército, apresentou os setes projetos estratégicos da Força Terrestre. O primeiro deles é o blindado Guarani – que tem por finalidade produzir o carro de combate substituto do Urutu e do Cascavel. Segundo o general, serão adquiridas 102 unidades de combate, mas, antes dessa remessa, a Iveco produzirá 14 para a Argentina.

“Isso será importante, pois o Brasil irá exportar esses equipamentos, agregando divisas à balança comercial”, disse o militar, ao explicar que o projeto é viável economicamente para o país.

O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) foi o segundo projeto apresentado na palestra das Forças Armadas. De acordo com o general Luiz Felipe, o projeto piloto a cargo do braço de indústria de defesa Embraer, vencedora da licitação, será desenvolvido em Dourados (MS). Além disso, o Exército trabalha com o projeto Proteger, que tem foco nas 664 bases de infraestrutura do país, como porto, aeroportos, usinas nucleares e hidrelétricas, bem como redes de comunicação.

O Exército atua também no projeto Astros 2020, no Centro de Defesa Cibernética (CDCiber) e na Recop (Recuperação da Capacidade Operacional). O militar enfatizou em discurso que o investimento em defesa não tem custo. Segundo ele, o leque de projetos e programas permitirá, entre outras questões, gerar mais emprego, desenvolver a indústria nacional e transferir tecnologia.

 Soberania do espaço aéreo
O brigadeiro Osmar Machado, da 6ª Subchefia do Estado-Maior da Aeronáutica, apresentou os projetos prioritários da Força Aérea. Ele começou a exposição informando que o Plano Estratégico Militar da Aeronáutica (PEMAER), para 2010/2013 traz, na prática, as determinações da END e do PAED, documentos norteadores do Ministério da Defesa. O plano, prevê entre outras coisas, o aumento da capacidade operacional da FAB e a capacitação científica e tecnológica da Força.

“Qualquer projeto dentro da FAB tem que chegar à missão principal, que é manter a soberania do espaço aéreo do Brasil”, destacou.

A Aeronáutica atua em projetos como a modernização do F-5M com lote de 46 aeronaves, sendo que 44 aviões já foram incorporados. Também investe na revitalização de 43 aviões do A-1M (AMX), cuja entrega deve ser concluída até o próximo ano. O brigadeiro citou ainda, que entrou em ação na Operação atlântico III, que ocorre entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Aeronave tem por missão assegurar o patrulhamento marítimo.

Durante sua exposição, o militar mencionou também projetos como o A-29 (caça leve), o KC-390 – avião para transporte de tropas e cargas, além de outras funções – e os helicópteros H-XBR, que terão 50 unidades entregues para a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, além da Presidência da República.

A FAB atua também no desenvolvimento de doutrina para utilização de veículos aéreos não tripulados (Vants), com dois equipamentos já em fase de testes pela Força. Já quanto ao projeto F-X2 – um dos temas mais esperados pela plateia –, o brigadeiro Osmar Machado informou que a análise da concorrência encontra-se em fase de decisão por parte da presidenta Dilma Rousseff.

“Posso apenas informar que, qual seja a decisão do projeto escolhido atenderá muito bem à FAB”, encerrou.

Após as apresentações, o público pôde formular indagações. Em seguida, o seminário foi encerrado pelo deputado Hugo Napoleão (PSD-PI) e pela presidenta da Comissão, deputada Perpétua de Almeida (PCdoB-AC).

Parlamentar defende a inclusão dos projetos de defesa no PAC


O presidente da Frente Nacional de Defesa, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), propôs a inclusão dos programas estratégicos de longo prazo do Ministério da Defesa no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A sugestão foi feita durante abertura das discussões sobre indústria de defesa hoje, em seminário na Câmara dos Deputados.

De acordo com Zarattini, é necessário debater no Legislativo essa “possibilidade de inclusão no PAC”, assim como outras soluções para criar condições orçamentárias necessárias para a continuidade dos projetos.

Ele destacou, ainda, que o seminário, iniciativa da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, é um fórum importante para discutir como vai ser a articulação do tema no país e para buscar soluções que contribuam para o desenvolvimento da base industrial de defesa.

No evento, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), Sami Youssef Hassuani, disse que a indústria de defesa é parte integrante do esforço de mobilização em caso de ameaça à sociedade e que o seminário “é uma oportunidade única para as pessoas ampliarem o conhecimento sobre um assunto tão complexo como é o de defesa”.

Hassuani falou do nível de investimento necessário para a execução dos planos estratégicos das Forças Armadas, no período entre 2010 e 2030. O valor ideal ficaria em torno de R$360 bilhões.

Além disso, a área é alavanca de desenvolvimento tecnológico e econômico e, com isso, ajuda a equilibrar a balança comercial do país. Segundo dados da Abimde, “nos últimos anos, cada real investido em desenvolvimento de sistemas de defesa gerou cerca de dez vezes este valor em divisas de exportação”.

 PAED
O Plano de Articulação e Equipamento da Defesa (PAED) foi lembrado como exemplo de planejamento dos novos programas de defesa que contribuirão com o desenvolvimento da reestruturação da base industrial pelo diretor do Departamento da Indústria de Defesa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Jairo Candido, que também participou do debate.

Entre o pacote de desafios a serem superados por pequenas e médias empresas do setor, o diretor falou sobre a necessidade de garantia de fontes de recursos para o Ministério da Defesa, sem risco de contingenciamento e o acesso facilitado a financiamento e transferência de tecnologia.

Ele destacou também o apoio do Governo ao incentivo de exportação de material bélico, mas advertiu: “Quem vende defesa não são as empresas, e sim o Brasil”.

Almirante Dalva
Durante o painel, houve uma pequena interrupção para que a bancada feminina da Câmara dos Deputados pudesse prestar homenagem à primeira oficial-general das Forças Armadas, a contra-almirante Dalva Mendes.

Na ocasião, a militar foi recebida pelas deputadas Benedita da Silva (PT), Janete Pietá (PT) e Jandira Feghali (PC do B), de quem foi colega no curso de medicina e de quem recebeu um buquê de flores.

Em seminário na Câmara, acadêmicos pedem mais incentivo aos estudos de defesa


“Os problemas de defesa e das Forças Armadas são desconhecidos da população brasileira. Não há apoio ao estudo acadêmico sobre esses temas”, alertou o presidente da Associação Brasileira dos Estudos de Defesa, Manoel Domingos, em seminário na Câmara dos Deputados, hoje pela manhã.

A afirmação foi proferida durante o painel “Defesa e Sociedade: subsídios para a apreciação da proposta de Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), remetido ao Poder Legislativo”. Este foi o segundo dia de atividades do Seminário Estratégias de Defesa Nacional, que contou com a coordenação da presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, deputada Perpétua Almeida (PCdoB/AC).

Para Manoel Domingos, é necessário aprofundar as pesquisas e criar teorias próprias sobre defesa e Forças Armadas no país. “O mundo acadêmico é fundamental para a democracia e para o Brasil”, ressaltou.

Reaparelhamento das Forças
Outro participante do painel, o diretor de desenvolvimento institucional do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Luiz Cezar Loureiro de Azeredo, defendeu maior contato da sociedade com os temas de defesa. Para ele, “só temos Forças Armadas eficientes com cidadãos conscientes e preparados”.

Em sintonia com o discurso proferido ontem pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, na abertura do seminário, Luiz Azeredo reafirmou a importância da capacidade dissuasória do país e opinou que “todos nós temos que trabalhar de forma conjunta para o entorno sul-americano ser uma área de paz e prosperidade”.

Com a ressalva de que o país dificilmente terá ameaças na década atual, o diretor ponderou que a valorização crescente de áreas que possuem grandes reservas de recursos naturais é algo a ser destacado.

Economia
Também fez parte da mesa de palestrantes o professor e engenheiro de produção da Universidade Federal Fluminense Eduardo Siqueira Brick – primeiro a expor suas ideias. De acordo com ele, defesa é igual a poder efetivo. E esse poder determina a maneira com que o país se insere no sistema internacional.

O docente discorreu sobre as fontes de financiamento em defesa, entre elas os investimentos externos, “que têm gerado as maiores capacidades industriais para o país”. Outras fontes mencionadas foram os royalties de petróleo e o próprio orçamento para o setor, além do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

Ao abordar a Base Industrial de Defesa, Eduardo Brick disse que o principal desafio nessa área é “cultural”. Segundo ele, a sociedade tem de reconhecer a importância do tema e é preciso que haja um planejamento da defesa voltado à integração da capacidade industrial de inovação. “Não basta fabricar produtos”, concluiu.

"Perdemos nossa relevância política no continente", diz FHC em entrevista

Fernando Henrique Cardoso: "Nosso modo de exercer liderança tem sido concordar, não tem sido dizer "não, isso não""

FHC

O Brasil só exerce liderança com seus vizinhos cedendo. E deixou de ser o ator mais influente na América do Sul, que vive um momento de fragmentação, com a criação de um terceiro novo bloco por países da região, a Aliança do Pacífico. A opinião do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso contrasta com a imagem de um Brasil que passou a ser um global player e ganhou relevância na comunidade internacional, durante o mandato de seu sucessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Houve muita retórica. Quando você é global player não tem que bater tanto no peito dizendo que é", afirma FHC.

Fernando Henrique reconhece que o país ganhou peso, mas isso não implicou em aumento na capacidade de liderança. Entre as razões está a dificuldade, de vários atores - Estado, empresariado, sociedade civil organizada - em discutir uma maior liberalização da economia e se aproximar dos Estados Unidos. A seguir, os principais trechos da entrevista que FHC concedeu ao Valor, depois de participar do seminário "A liderança do Brasil na América do Sul":

Valor: O Brasil erra ao privilegiar as relações Sul-Sul em sua política externa?
Fernando Henrique Cardoso: Não é equívoco, tem que haver a Sul-Sul, o problema é acentuar exclusivamente. O Brasil é um grande país. É do interesse nacional ter uma diversificação nas suas relações econômicas e políticas. Agora, se concentrar em um dos polos, complica. Tem que ter um certo equilíbrio. O Brasil, além do mais, é industrializado. Não há nenhum outro país ao Sul do Equador com a base industrial igual à nossa. Isso implica que temos que ter um vínculo com a invenção e a criatividade tecnológica, o que nos leva necessariamente a ter relação com os produtores disso: Alemanha, Estados Unidos, mais tarde China, não podemos nos isolar desse fluxo de inovação.

Valor: E quais seriam as consequências da concentração no polo Sul-Sul?
FHC: Um certo descaso com o mundo, com os Estados Unidos, com a Europa. A nossa produção industrial manufatureira basicamente vai para a América Latina e para os Estados Unidos. Não vai para China, não vai para Europa. Agora, vai também para os países árabes, isso é uma coisa importante. O [Jorge] Gerdau colocou aí: no limite, ele perguntou: será que não precisamos de uma integração mais ampla, mais global? No fundo é o seguinte: será que o Chile quando tomou a decisão de uma integração global - que parecia, para nós brasileiros, uma coisa arriscada e sem efeito - não teria se antecipado àquilo que todos vão ter que fazer se quiserem estar à tona? Claro o Brasil é diferente. O Chile não tem a vantagem nem o peso de ter uma indústria grande. Nós temos mais complicações para fazer aberturas. Agora, será que, dado nosso grau de avanço, nós já não temos condições de realmente liberalizar mais? E ganhar com isso, pelas nossas vantagens competitivas? Aí vem outra pergunta: para isso não podemos continuar do jeito que estamos, pois nosso setor industrial está perdendo relativo espaço pela produtividade, e produtividade entendida como custo Brasil. Para o Brasil poder dar um passo maior na sua integração à economia global, ele precisa fazer mais reformas, ou não vale a pena, não tem condição de competir.

Valor: Quais são as reformas necessárias?
FHC: As que todo mundo fala, acho que a Gerdau resumiu bem. Em primeiro lugar é educação; em segundo é logística; em terceiro lugar é investir pesadamente em infraestrutura. Logística é parte da infraestrutura, mas prefiro citar como infraestrutura energética e tudo mais. Temos condições para tudo isso.

Valor: Destinar todos os recursos dos royalties do pré-sal para a educação, como defende hoje o governo federal, é uma boa saída?
FHC: Aí eu tenho uma posição um pouco divergente. Em desespero de causa, melhor que seja para a educação do que deixar indiscriminado, porque daí vai para gastos correntes. Eu acho que deveria ser uma parcela para educação. É muito dinheiro, você imagina... E educação não se resolve só com dinheiro; é com outras coisas mais. Quando tem muito dinheiro você pode pensar que resolveu o problema da educação; não vai, isso pode aumentar gastos correntes também. Como é que eu vou melhorar qualitativamente a educação e não simplesmente construir mais prédios? Agora, sem dúvida, é melhor que tenha gastos também com educação do que não ter limitação nenhuma de gasto, como ficou o projeto. O projeto como foi aprovado pelo Congresso foi o pior possível. Divide entre todos [Estados, União e municípios] e não dá restrição nenhuma.

Será que, dado nosso grau de avanço, nós já não temos condições de realmente liberalizar mais?"

Valor: Para que outras áreas poderiam ir os recursos?
FHC: Infraestrutura. Qual era a ideia da partilha? Era o modelo norueguês, que retira da circulação o lucro do petróleo, você o põe fora, porque o petróleo é um bem que se esgota, e tem que pensar nas gerações futuras. Esse foi o pretexto para fazer a partilha. Esqueceram disso. Uma parte do lucro tem que ser mesmo para um fundo soberano, pensando em duas coisas: gerações futuras e crise, amortecedor de problemas. A outra parte acho que seria razoável que se usasse em educação, inovação tecnológica e infraestrutura.

Valor: O senhor falou que o Brasil não é o Chile e que a dificuldade de mudança aqui se deve à indústria. Qual é o peso dos principais atores, como empresários e trabalhadores, nessa equação?
FHC: É grande, a dificuldade toda aí é que você tem que definir o interesse nacional, o interesse do Estado e do povo. Os empresários, claro, têm a legitimidade de puxar o quinhão para eles, mas a decisão não pode ser automaticamente para favorecê-los. Acho até que o governo atual está automaticamente favorecendo os empresários com as políticas do BNDES, com transferência de renda pesada em setores que não necessitam. Se você pegar fundo de petróleo para fazer isso, acho errado. Agora por outro lado, se você pegar isso e transformar tudo em gasto corrente, vai para o outro lado. É defender os interesses corporativos, de funcionários, sindicatos. Este, no Brasil, é um processo histórico, pesado, difícil. Reli o livro ["Os donos do poder", de 1958] do [Raimundo] Faoro, porque eu tinha que escrever um trabalho. É impressionante como ele já descreve todos esses processos. É claro que o peso do mercado hoje é maior do que ele imaginava ser possível. Mas de qualquer maneira ainda está muito presente a tradição corporativa, estamental. O estamento se choca com o interesse público.

Valor: E o que o senhor hoje faria diferente do que fez para a integração econômica do Brasil?
FHC: A nossa integração era basicamente o Mercosul, que estava baseada em fazer o seguinte: tarifa externa comum e intensificar o comércio - defesa comum e exportação dentro do bloco. Mas em vez de resultar numa efetiva liberalização, pelos direitos constituídos o que gerou foi um incremento das exceções, para manter o protecionismo, às vezes do Brasil e na maior parte das vezes da Argentina. Então isso levou, como leva atualmente, a choques grandes. Estava vendo ainda ontem um economista dizer que a queda do PIB do Brasil - porcentagem ridícula - se deve em grande parte à queda da exportação para Argentina. Então, fazer uma integração que nos leve a isso não foi bom resultado. Eu havia percebido isso e propus uma coisa que eles chamavam de Iirsa [Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana], que era uma outra coisa, independentemente de termos o Mercosul. Era fazer uma integração latino-americana baseada na logística, na integração dos eixos de energia, transporte, comunicações. Começou-se a fazer isso, mas virou Alba [Aliança Bolivariana para as Américas, formada por Venezuela, Bolívia, Equador, entre outros]. Virou muito mais uma retórica - embora tenha resultados concretos também. Acho que eu daria mais ênfase à Iirsa do que ao comércio, a investimentos conjuntos - nesses grandes blocos logísticos que permitissem a integração.

Valor: O que mais?
FHC: Nunca chegamos a discutir de verdade a Alca [Área de Livre Comércio das Américas], quando os americanos tinham interesse. Depois eles perderam o interesse, junto com o governo brasileiro, e fizeram acordos bilaterais com vários países aqui da América Latina. Nunca chegamos a pensar a fundo uma negociação com os Estados Unidos, sempre tivemos medo. Esse nós somos nós todos. O setor político por ideologia, muitas vezes; o setor empresarial por medo da competição; e o governo por ficar sem ter muita clareza, qual era o interesse do Brasil. Cozinhamos a Alca em banho-maria. Apesar de toda a gritaria que havia, nunca fizemos nada, não demos nenhum passo para fortalecer a Alca. Me pergunto: será que neste momento nós já não temos condições de pensar com mais liberdade? Não é fazer. É pelo menos perguntar: o que ganhamos e o que perdemos? Ficamos muito isolados no Mercosul. Não conseguimos fazer a relação do Mercosul com a Europa - eu tentei, mas não funcionou. Não fizemos a Alca e não avançamos tanto com nenhum outro bloco, nem com países. O Brasil tem um acordo automotivo com o México, um acordo de livre comércio com Israel ou algo semelhante e não sei com mais quem, se é que tem. Então, estamos muito desarmados. Como coincidiu de termos este boom na China, o boom das commodities, a questão perdeu relevância. No momento em que tiver uma diminuição dos fluxos favoráveis chineses, vai ter necessidade de ter outros mercados. E, aí?

Valor: Jorge Gerdau disse que a festa está boa, mas vai acabar.
FHC: Ele tem razão. Vai acabar. Acho que a gente poderia ter avançado mais, pelo menos para uma posição mais consistente a respeito: vamos ou não vamos? Ou vamos até certo ponto. Temos uma certa tendência histórica, por sermos um país grande, ao isolamento. Você quebra este isolamento só com relações com países menos poderosos que nós, alegando nos sentirmos confortáveis. Com o mais poderoso nos sentimos mais complexados. Achamos que, se vamos chegar perto, vamos perder.

Valor: A indefinição prejudica a liderança do Brasil na região?
FHC: O Brasil era naturalmente líder, hoje a coisa é mais complicada. O continente se dividiu. Há o Arco do Pacífico [com Chile, Peru, Colômbia e México], o Arco Bolivariano e o Mercosul [Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai]. O Brasil sempre teve a posição que o [ex-presidente da Bolívia] Carlos Mesa ressaltou, de conciliador, não de propriamente de quem impõe. Fomos perdendo espaço, não queremos assumir posição. Então de alguma maneira perdemos nossa relevância política no continente que era inconteste.

Nunca chegamos a pensar a fundo uma negociação com os Estados Unidos, sempre tivemos medo"

Valor: Mas durante o governo Lula o país não ganhou projeção como um global player?
FHC: Na verdade, houve muita retórica. Quando você é global player não tem que bater tanto no peito dizendo que é. Eu não vou negar que o Brasil ganhou muita força, em função do seu crescimento, da democracia, da inclusão social. Então deu mais peso para o Brasil, isso é indiscutível. Agora, que tenhamos utilizado isso para exercer liderança é mais discutível. Não exercemos na América do Sul. É o caso da Bolívia: só exercemos liderança cedendo. Nosso modo de exercer liderança tem sido concordar, não tem sido dizer "não, isso não".

Valor: Nos últimos anos, a região foi dominada por vários governos de esquerda. Isso não poderia ter facilitado a integração?
FHC: É um exagero. O governo do Uruguai é considerado de esquerda, mas o comportamento não tem nada a ver com o da Venezuela. Tem uma afinidade sentimental, digamos assim, de setores de governos e partidos, mas não tem necessariamente na condição política.

Valor: O Brasil ainda carrega a herança do modelo de substituição de importações?
FHC: O país tem, um pouco tem. Qual era o ideal do passado? Aumenta a tarifa e dá juro mais barato, assegura o mercado. Com muitos setores empresariais ainda é isso o que o governo faz, de uma maneira ou de outra. Vai o BNDES e socorre; manda diminuir o imposto para aumentar a compra de automóvel para a indústria automobilística. É tópico, não era como antes. Mas é tudo assim, ainda tem muito da reverberação desse passado, com a ideia de que o Brasil para crescer tem que ficar isolado.

Valor: Mas outros países e blocos também não são protecionistas?
FHC: Isso não implica que você não tenha que defender seu interesse. Os americanos se defendem, a China também. O Brasil vai fazer isso sempre, em certas circunstâncias tem que fazer, só não pode ter medo de se abrir. Você não vai morrer porque é mais favorável a maior flexibilidade de mercado. Você se protege. Eu não sou um neoliberal, não é minha posição, eu não acho que o mundo se resolva ampliando o mercado e não dando papel ao Estado e à regulação. Tem que ser uma regulação inteligente, e quando você tem uma condição em que possa se dar ao luxo de competir, compete.

Valor: Qual é o papel do Estado?
FHC: Não existe nenhuma economia moderna sem o papel ativo do Estado, o resto é ideologia. Agora, você não pode confundir o papel ativo do Estado com impedir que a iniciativa privada e social existam. A relação entre Estado, sociedade e mercado não é um jogo em que alguém perde. Tem um jogo de ganha-ganha, desde que um entenda o papel do outro e colabore. Você não pode imaginar hoje que não haja regulação do Estado. Não pode imaginar que fundos públicos não possam ser utilizados para obras de infraestrutura; que você abdique do papel de condutor do Estado na política global do país.

Valor: Que direção pode ser tomada?
FHC: Por que não se pode fazer uma licitação aberta realmente? Mesmo que você tenha a Infraero, por que não abre outros setores? Minha posição com relação à Petrobras sempre foi essa: manter na mão do governo, porém compete. Banco do Brasil: mantém na mão do governo, porém compete. E dois, administra isso como empresa e não como repartição pública, ou seja, não deixe que o interesse partidário penetre nisso para impedir a gestão. O Banco do Brasil não precisa fechar, para que fechar? É até bom que exista. Em certos momentos é necessário - para baixar os juros foi importante. Agora não pode utilizá-lo como se fosse uma repartição pública, tem que respeitar os interesses de empresa. O papel do Estado é impedir isso também: tanto que o estamento e a corporação predominem quanto que os partidos penetrem lá e predominem.

Valor: Há quem pense que o modelo mais corporativista do Brasil tenha tido um efeito benéfico, ao isolar e proteger o país durante a crise internacional de 2008. O senhor concorda?
FHC: Eu sempre fui favorável a que o governo tenha instrumentos que permitam sua ação efetiva. O fato de termos ajudou nessa crise, principalmente de regulação e mesmo de ação. Eu acho que a economia brasileira, a economia francesa ou mesmo a economia alemã são mistas. Economia puramente capitalista, de mercado puro, tem nos Estados Unidos, com muita regulação, tem na Inglaterra, pode ter em um outro país europeu. Em geral não é assim. Em geral, há variedades de capitalismo. Não acho que o Brasil precise copiar o modelo anglo-saxão. Não pode, nós não somos anglo-saxões, nossa cultura não é.

Valor: Qual deveria ser o nosso modelo?
FHC: É o que estamos construindo. Agora, qual é... Aqui, às vezes, o Estado exagera. Nos Estados Unidos, o setor privado exagera.

Colômbia deixa Tribunal de Haia após perder ilhas


Determinação é motivada por sentença que Bogotá considera favorável à Nicarágua, que disputava águas territoriais com o governo colombiano

O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, anunciou ontem a retirada de seu país da jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ), em reação à decisão do tribunal que, no dia 19, cedeu à Nicarágua uma extensa e rica região marítima no Caribe anteriormente administrada pela Colômbia.

No entanto, especialistas afirmam que Bogotá não poderá anular a aplicação da decisão da CIJ, o principal órgão judicial das Nações Unidas, que tem efeito imediato, sem possibilidade de apelação. Santos buscaria evitar determinações futuras em outras possíveis demandas de países vizinhos.

O Tribunal de Haia determinou que o arquipélago composto pelas ilhas de San Andrés, Providência e Santa Catalina, além de diversos ilhotas e recifes, pertence à Colômbia, enquanto ampliou a soberania da Nicarágua no Mar do Caribe, sobre uma plataforma abundante em pesca e com potencial petrolífero.
Manágua pediu a posse de aproximadamente 70 mil km² do território marítimo colombiano, incluindo as principais ilhas da área, em 2001. O objetivo nicaraguense não foi alcançado, mas o limite determinado pelo Meridiano 82 sofreu alterações, permitindo a ampliação do mar do país centro-americano.

"Decidi que os mais altos interesses nacionais exigem que as delimitações territoriais e marítimas (colombianas) sejam fixadas por meio de tratados, como tem sido a tradição jurídica da Colômbia, e não em sentenças proferidas pela Corte Internacional de Justiça", afirmou Santos.

O presidente denunciou o Pacto de Bogotá, também conhecido como Tratado Americano de Soluções Pacíficas - acordo internacional datado de 1948, em que os signatários se comprometem a solucionar suas contendas pacificamente, por meio da CIJ.

"As fronteiras terrestres e os limites marítimos entre os Estados não devem ficar nas mãos de uma corte, mas devem ser fixados em mútuo acordo pelos Estados mediante tratados", disse Santos. Seu governo não acatou a recente decisão e anunciou que analisa interpor recursos jurídicos de esclarecimento ou uma revisão da sentença.

Para a chanceler colombiana, María Angela Holguín, "essas linhas marcadas pela corte, que para eles (os juízes de Haia) são um grupo de coordenadas, representam para os colombianos - e, muito especialmente, para os habitantes do arquipélago - um desrespeito à história, à geografia, à vida em si e ao sustento".
As possibilidades de que a decisão da Corte de Haia seja modificada são praticamente nulas, dizem especialistas em direito internacional. A única opção que restaria à Colômbia seria declarar-se em rebeldia, decisão que contraria a tradição do país em relação à sua política externa.

De acordo com analistas, caso a Colômbia leve adiante sua determinação de não acatar a sentença da CIJ, uma tensão regional poderia ocorrer, pois a Nicarágua, integrante da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), deverá receber o apoio de outros Estados-membros do bloco, como Venezuela, Equador e Bolívia.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, confirmou que recebeu da Colômbia sua solicitação de retirada do Pacto de Bogotá.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Rebeldes sírios ganham experiência e mudam de tática


Na segunda-feira (26/11), os rebeldes sírios relaxaram na sala de operações de uma represa hidrelétrica no rio Eufrates, checando a tela do computador, tomando chá e projetando confiança, depois de afugentarem as forças do governo e apreenderem caixas de granadas propelidas por foguetes. Tudo isso foi orgulhosamente gravado e rapidamente postado na Internet, para que o mundo visse.

A invasão da represa fortemente protegida foi o mais recente de uma série de sucessos táticos que vem ocorrendo no último mês, nos quais os rebeldes atacaram instalações do governo, inclusive numerosas bases aéreas, desde o Norte da Síria até os subúrbios de Damasco. Os ataques permitiram que os rebeldes se vangloriassem de sua crescente eficácia, minassem a moral das forças do governo e reforçassem seus arsenais.

Mas os combatentes não necessariamente desejam manter as bases que conquistam. Em vez disso, eles mudaram de tática. Segundo os próprios rebeldes e analistas, eles apreendem os postos, depois os abandonam, para negar às forças aéreas do governo um alvo para retaliação. Os rebeldes dizem que aprenderam com os erros recentes, depois de tomarem bairros e atraírem ataques aéreos devastadores que mataram civis e afastaram seus defensores. Agora, eles se concentram menos em conquistar territórios e mais em usar a guerra fricção para sua vantagem, forçando o Estado a sangrar.

No último mês, os combatentes conquistaram meia dúzia de bases em torno de Damasco, a capital da Síria, duas na região produtora de petróleo, no Leste do país, e a maior instalação militar perto da maior cidade do país, Aleppo. Eles se concentraram em desafiar as forças aéreas, seu inimigo mais mortífero, atacando algumas bases aéreas, saqueando outras e apreendendo armas antiaéreas.

Eles continuam a combater em áreas cruciais para o governo, como o anel de subúrbios em torno de Damasco e o centro comercial de Aleppo e suas rotas de abastecimento.

“Os rebeldes estão aprendendo”, disse Ahmad Kadour, ativista em Idlib, por Skype. Quando capturam uma base, “eles pegam as máquinas e as armas, e partem imediatamente, porque o regime sempre está bombardeando os locais que costumava controlar”, ele disse.

Ainda assim, os ganhos táticos não parecem estar levando a uma súbita mudança que faça o governo cair, segundo os analistas. Em vez disso, a divisão da Síria está se solidificando. O governo está lentamente encolhendo a região que tenta controlar totalmente para um trecho entre Damasco, ao longo da metade ocidental mais populosa do país, até Latakia, a província ancestral do presidente Bashar Assad.

O governo ainda é forte em áreas cruciais e, mesmo quando cede o controle aos rebeldes, em algumas partes do Norte da Síria e áreas crescentes do Oeste pouco populoso, mantém o poder de atacar por ar. E os analistas advertem que, se o exército abandonar certas áreas, isso pode simplesmente abrir caminho para lutas entre facções sectárias e políticas.

Yezid Sayigh, analista de assuntos militares árabes do Centro de Oriente Médio Carnegie, em Beirute, disse que a perda das bases perto de Damasco, como a base de helicóptero que os rebeldes apreenderam no domingo (25), é mais significativa do que as perdas no Norte dominado pelos rebeldes e no Nordeste isolado, onde o exército em parte sumiu, deixando as forças reduzidas e vulneráveis. O principal foco do governo é garantir Damasco e um corredor para o Norte pelas cidades de Homs e Hama, até a cidade costeira de Latakia, segundo os analistas.

“Ao reduzir as áreas que tentam defender, as forças do regime podem estender sua capacidade de batalha”, disse Sayigh. “E as forças do regime ainda não perderam sua capacidade de aumentar o nível de violência”.

As ações dos rebeldes, contudo, têm problemas de coordenação, e não ficou claro se planejavam manter a represa de Tishreen perto de Aleppo. É uma fonte importante de energia elétrica e um dos dois maiores cruzamentos entre Aleppo e as províncias do Leste.

Mesmo enquanto celebravam sua captura, os combatentes receberam um lembrete dos riscos da vitória: aviões de guerra bombardearam a fronteira de Bab al-Hawa com a Turquia, uma região que os rebeldes controlam desde julho. Os ataques afugentaram as pessoas que haviam se abrigado ali depois de fugirem de suas casas em outras partes da Síria, disse um combatente na área, que usa o apelido de Abu Zaki.

As táticas mudaram muitas vezes durante o conflito, que está chegando à marca de dois anos e começou como um movimento de protesto pacífico. Depois que as forças de segurança atiraram contra os manifestantes, ataques esporádicos insurgentes começaram. O governo perseguiu bolsões de rebeldes pelo país, e só fez com que reaparecessem em outras partes. No verão passado, o governo se retirou para pontos fortes, dependendo cada vez mais de suas forças aéreas e de artilharia para esmagar as áreas apreendidas pelos rebeldes.

Os rebeldes também mudaram de tática. O coronel Qassem Saadeddine, chefe do conselho militar em Homs do Exército Livre da Síria, que abriga vários grupos, disse que havia uma estratégia conjunta de atacar bases importantes e bater em retirada com as armas. Mas, onde é possível, os rebeldes deixam guardas para impedir que as tropas voltem a usar as bases.

“Eles só controlam as áreas em que estão os tanques”, disse ele em entrevista da Turquia. “O regime está retirando suas forças das províncias para a capital”.

As vitórias rebeldes criam oportunidades, mas também riscos.

Depois de tomarem a base 46, uma base grande em torno de Aleppo, os rebeldes ganharam uma vitória política restaurando a energia que tinha sido cortada nas áreas pró-rebeldes.

“O aquecedor, a Internet ou a televisão? –estou correndo de um lado para o outro, confuso. Queria poder guardar a energia em caixas, como água”, disse Najid, ativista em Binnish, na província de Idlib.

Mas quando os rebeldes tomaram os campos de petróleo na província de Deir al-Zour, no Leste, houve caos, com os moradores vendendo gasolina sem precauções de segurança e por um preço abaixo do seu valor, disse um ativista por Skype.

Majed, ativista em Aleppo, ficou irritado com os rebeldes que capturaram a represa. Ele duvida que eles consigam pagar os especialistas e técnicos estrangeiros que operam a represa, e teme que grandes regiões fiquem sem luz. Pior, disse ele, que o governo a bombardeie, alagando aldeias.

“O regime destruiu metade do país”, disse ele. “Não vai parar em uma represa”.

Aproximação de Buenos Aires com Teerã irrita judeus argentinos

Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA) fica completamente destruída após atentado terrorista 

Dezoito anos se passaram desde que um homem-bomba atingiu com uma caminhonete Renault carregada de explosivos a sede do centro comunitário judeu da capital argentina, matando 85 pessoas. Desde então, as investigações têm avançado erraticamente. Mandados de prisão emitidos pela Interpol levaram a lugar nenhum. Os suspeitos ligados ao ataque estão envelhecendo e começaram a morrer.

Mas na ilusória busca por justiça para as vítimas do atentado, que foi um dos ataques antissemitas mais letais ocorridos desde a Segunda Guerra Mundial, poucos acontecimentos têm irritado tanto os líderes judeus da Argentina quanto a decisão do governo do país que, nas últimas semanas, vem tentando melhorar suas relações com o Irã – nação que tem blindado nos escalões mais elevados de seu establishment político vários dos acusados por promotores argentinos de terem autorizado o ataque.

Cada país tem suas razões internas para se relacionar com outras nações. À medida que o crescimento econômico da Argentina desacelera, uma dessas razões tem sido encontrar no Irã um cliente robusto para suas commodities agrícolas – o volume dos produtos comercializados entre as duas nações disparou mais de 200% nos últimos cinco anos, saltando para mais de US$ 1,2 bilhão.

O Irã, por sua vez, busca atenuar seu isolamento diplomático, expandindo os laços amistosos que forjou com outras nações da América Latina, mais especificamente a Venezuela, a Bolívia e o Equador.

“Nós não conseguimos compreender isso”, disse Guillermo Borger, presidente da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), entidade que foi bombardeada em 1994. “O mundo está fechando suas portas para o Irã, e nós estamos dando a esse país a chance de dizer que a Argentina é, de alguma forma, sua amiga agora. Os iranianos não deixaram de afirmar que seus cidadãos são inocentes. Então, por que a Argentina deveria dialogar com eles?”

A reação tem sido muito diferente em Teerã, onde os líderes saudaram a mudança diplomática da Argentina. “Esperamos que essa ação judicial seja descartada e não seja apresentada novamente”, disse Hamid Reza Taraghi, que dirige o departamento internacional do influente Partido da Coalizão Islâmica, referindo-se à investigação que é supervisionada por promotores de Buenos Aires. “Essa medida vai ajudar a aliviar a pressão internacional sobre o nosso país”.

Tanto o ex-presidente da Argentina, Nestor Kirchner, quanto sua viúva, Cristina Fernández de Kirchner, que o sucedeu, ofereceram um grande apoio às investigações relacionadas ao atentado. A abordagem dos dois contrastou com a de Carlos Saul Menem, que era presidente na época do atentado e é formalmente acusado de obstruir as investigações. Menem, agora senador, negou a acusação.

A investigação foi marcada por acusações de corrupção, atrasos e incompetência, mas Alberto Nisman, promotor especial que assumiu o caso em 2005, parece ter injetado uma dose de vigor no caso. Ele acusou o Hezbollah, grupo libanês que tem fortes laços com o Irã e a Síria, de realizar o bombardeio, e autoridades iranianas de planejá-lo e financiá-lo.

Apesar disso, Argentina e Irã estão retomando suas relações – do modo informal, fizeram isso durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, em setembro passado; e novamente, em outubro, durante negociações formais em Genebra, na Suíça. Outra rodada de negociações está prevista para o final de novembro.

Nem todos entre os judeus da Argentina – país que detém a maior comunidade da América Latina, com cerca de 250 mil pessoas – se opõe às negociações. Em uma entrevista, Sergio Burstein, que apoia Kirchner e é líder de um grupo que representa parentes das vítimas mortas no atentado, disse que as negociações ofereceram um “lampejo de esperança” para a possibilidade de o Irã vir a entregar suspeitos para serem julgados na Argentina.

Da mesma forma que uma aura de mistério ainda encobre muitos aspectos do atentado, dúvidas e sigilo encobrem as atuais negociações bilaterais. O Ministério das Relações Exteriores da Argentina rejeitou pedidos de sobreviventes do ataque e de líderes judaicos da Argentina, apresentados através do escritório de Nisman, promotor da investigação sobre o atentado, para obter informações sobre as negociações.

O ministro das Relações Exteriores da Argentina, Hector Timerman, que está conduzindo o esforço diplomático com o Irã, também se negou a atender uma solicitação de entrevista sobre as negociações, que começaram após o Irã ter se recusado repetidamente a cumprir uma ordem da Argentina para a expedição de mandados de prisão internacionais para nove pessoas. Entre os suspeitos estão o ex-presidente iraniano Ali Akbar Hashemi Rafsanjani e o ministro da Defesa do Irã, o general Ahmad Vahidi.

Embora os investigadores argentinos e norte-americanos tenham concordado há muito tempo que o atentado suicida foi realizado por um militante do Hezbollah, Nisman, o promotor responsável pelo caso, alegou que a decisão de atacar a Amia foi tomada durante uma reunião realizada em 1993 na cidade iraniana de Mashhad, na presença de Rafsanjani.

Outros envolvidos na investigação sobre o atentado, incluindo James Bernazzani, ex-agente do FBI que foi chefe do departamento da agência que cuidava do Hezbollah, têm contestado a ligação explícita com o Irã.

Em entrevista concedida por telefone, a partir dos Estados Unidos, Bernazzani, que ajudou os argentinos em suas investigações, criticou o cruzamento circunstancial de registros telefônicos realizado pelos investigadores argentinos, que, na realidade, não chegaram a interceptar essas ligações. E esse cruzamento de chamadas serviu para acusar Mohsen Rabbani, adido cultural iraniano na Argentina em 1994, de envolvimento na coordenação do atentado.

Além disso, Bernazzani questionou o uso pelos investigadores argentinos do testemunho de um desertor iraniano cuja confiabilidade tem sido questionada. “Embora eu tenha muitos motivos para suspeitar da cumplicidade iraniana devido à relação do país com o Hezbollah, esses motivos não resistem aos padrões adotados pelo FBI”, disse ele. “Precisamos de provas, e o que conseguimos provar é que o indivíduo que estava naquela van era filho de um líder patriota do Hezbollah”.

É claro que Ibrahim Hussein Berro, o libanês de 21 anos identificado por meio da análise de DNA como o homem-bomba que dirigia a van Renault, está morto. Acredita-se que outro suspeito, Samuel Salman El Reda, um colombiano que os promotores argentinos acusam de coordenar a célula do Hezbollah que realizou o atentado, esteja vivendo no Líbano.

Enquanto isso, os iranianos ligados ao caso parecem se sentir imunes aos mandados de prisão emitidos contra eles. Em entrevista concedida em outubro passado a um jornal brasileiro a partir da cidade iraniana de Qom, Rabbani, o ex-adido cultural do Irã na Argentina, zombou das investigações argentinas e proclamou sua inocência. Vahidi, ministro da Defesa do Irã, viajou em 2011 para a Bolívia, que faz fronteira com a Argentina.

Adriana Reisfeld, presidente do Memória Ativa, grupo que representa os parentes das pessoas mortas no atentado, disse ter pouca expectativa de que ao reatamento diplomático com o Irã leve a um encerramento justo para o caso.

“Tudo o que quero agora é chegar o mais perto possível da justiça”, disse Reisfeld, cuja irmã foi morta na explosão. “Nós não podemos deixar o caso Amia ser arquivado nem ser esquecido”.

Mísseis iranianos usados em Gaza dão ânimo ao governo em Teerã

Funcionários da defesa civil de Israel analisam estrago de casa atingida por foguete palestino

Acima da movimentada via Niayesh no oeste da capital iraniana, um imenso outdoor está pendurado em um viaduto para lembrar aos motoristas sobre a capacidade dos mísseis iranianos. Os carros passam sob a imagem de um míssil verde em um lançador e um texto em persa dizendo “Destino: Tel Aviv”.

Poucos notam o outdoor, já que os iranianos comuns estão ocupados demais lidando com a alta dos preços e a escassez ocasional provocada por uma economia em dificuldades. Mas os mísseis e a tecnologia de armas do Irã estão recebendo bastante atenção centenas de quilômetros de distância, em Gaza, o que dá aos clérigos que governam o país raras boas notícias naquele que tem sido um longo e péssimo ano.

O ataque israelense contra a faixa costeira palestina, e a retaliação pelo Hamas com mísseis fornecidos pelo Irã que colocam as grandes cidades de Israel ao alcance pela primeira vez, representaram uma virada de mesa para a República Islâmica. Com a declaração de cessar-fogo em Gaza, e com o presidente do Egito, Mohammed Morsi, recebendo aplausos por mediar o acordo, parte da euforia em Teerã foi contida. Mas os ganhos diplomáticos para o Irã provenientes do combate permanecerão.

Antes de Gaza, o Irã estava cambaleando devido a uma série de reveses, e não apenas pelo endurecimento recente das sanções do Ocidente, que cortaram as exportações de petróleo e provocaram forte desvalorização da moeda nacional.

Os clérigos tiveram que suportar a indignidade de Morsi, que, ao falar em uma conferência em Teerã, praticamente esmagou os sonhos há muito desejados de uma parceria estratégica. Morsi criticou o apoio do Irã à sua única aliada regional, a Síria, em sua condenação brutal de sua guerra civil.

Até mesmo o Hamas, um antigo parceiro ideológico do Irã, deu abertamente as costas a Teerã e Damasco e ficou do lado da aliança de reinos muçulmanos sunitas contra o governo sírio. Países mais novos e mais dinâmicos, como o Qatar e o Egito, despontaram para assumir a liderança nos assuntos na Síria e em Gaza, fazendo com que a mensagem de resistência sem concessões do Irã parecesse estagnada.

Então, há uma semana, quando Israel respondeu aos foguetes e mísseis disparados de Gaza, todos os agentes regionais foram devolvidos mais ou menos aos seus papéis tradicionais, começando por Morsi, que liderou o esforço de cessar-fogo como o país sempre fez quando Hosni Mubarak era o presidente. O emir do Qatar, o xeque Hamad bin Khalifa Al Thani, que em outubro fez uma visita sem precedente à Faixa de Gaza se apresentando como novo benfeitor do Hamas, aguardou quatro dias para fazer uma declaração sobre os combates entre Israel e os palestinos.

Ao longo de toda a batalha, os mísseis projetados pelo Irã, os Fajr-3 e os Fajr-5, que permitiram ao Hamas e outro movimento baseado em Gaza, a Jihad Islâmica, atingirem o interior de Israel, fizeram os israelenses fugirem para abrigos antibombas. Apesar de apoio político e dinheiro ajudarem, disseram os líderes palestinos, a tecnologia de armas do Irã ajuda muito mais.

“As armas da resistência, incluindo essas do Hamas, são iranianas, da bala ao míssil”, disse Ziad al Nakhla, vice-líder da Jihad Islâmica, para a TV “Al Manar” libanesa no Cairo, na terça-feira (20). “Se não fosse por essas armas, as armas do exército israelense teriam passado por cima dos corpos de nossas crianças”, ele acrescentou, elogiando os “grandes sacrifícios” feitos pelo Irã para o “envio” dessas armas para Gaza.

As autoridades iranianas não se intimidaram em receber os créditos pelas mudanças no campo de batalha, apesar de analistas terem notado que o reconhecimento da transferência de armamento pode levar a represálias.

“Nós dizemos com orgulho que apoiamos os palestinos, militar e financeiramente”, disse o chefe do Parlamento iraniano, Ali Larijani, aos repórteres locais nesta semana. “O regime sionista precisa perceber que o poderio militar palestino vem do poderio militar iraniano.”

Larijani até mesmo mencionou os outros problemas enfrentados pelo Irã, que de repente pareceram perder importância.

“Nós podemos ter inflação, desemprego e outros problemas econômicos em nosso país”, ele disse. “Mas estamos mudando a região, e isso será uma grande realização.”

O mais alto comandante da Guarda Revolucionária Islâmica, Mohammad Ali Jafari, foi ainda mais direto.

A tecnologia de mísseis, ele disse, “foi transferida para a resistência e um número ilimitado desses mísseis está sendo fabricado”.

Mas os analistas dizem que a celebração em Teerã pode não durar muito. Os líderes do Hamas não pouparam elogios a Morsi por seu papel na mediação do cessar-fogo, dizendo que ele representou bem os interesses do grupo. E o Egito poderia fechar os túneis usados para o contrabando dos mísseis para Gaza.

Todavia, eles disseram, o combate ajudou bastante a reparar os danos à imagem regional do Irã causados pelo conflito sírio.

“Esta guerra uniu novamente o Irã e o Hamas, e o debate em torno da questão síria acabou”, disse Hamid-Reza Taraghi, que chefia o departamento internacional do influente Partido da Coalizão Islâmica.

No final, os líderes do Irã acreditam que o poderio militar é a única medida de sucesso, e eles têm pouca fé que acordos de cessar-fogo e diplomacia conseguirão algo duradouro. Para os iranianos comuns, entretanto, o programa de mísseis do Irã e os eventos em Gaza são problemas distantes, e muitos disseram que o triunfo pode ter vida curta.

“Talvez a curto prazo o Irã aumente sua influência entre os palestinos, mas a política muda rápido atualmente”, disse Allahgoli Abbaspour, um lojista de 53 anos. “Os palestinos precisam de sua independência, mas eu duvido que eles algum dia a conseguirão. Não que os iranianos comuns tenham algo a dizer a respeito.”