Jacob Zuma, presidente da África do Sul |
Em um par de colinas deste canto ondulado e verdejante da Zululândia, há dois conjuntos habitacionais de formas quadradas, de propriedade de patriarcas septuagenários, onde moram famílias tradicionais. Num deles se espalham organizadamente as casas de uma família de classe média, os Sithole: oito estruturas um tanto irregulares construídas a mão, uma horta e um cercado para vacas, cabras e galinhas, fruto de quatro décadas de trabalho duro e vida frugal.
Do outro lado do vale, uma propriedade de uma magnitude totalmente diferente cresceu rapidamente. Ela inclui dezenas de casas bem acabadas, construídas por empreiteiros, um heliporto, uma quadra de tênis e um campo de futebol. Um ginásio de esportes e alguns bunkers subterrâneos estão sendo construídos, de acordo com reportagens da imprensa. Estradas perfeitas, recém-pavimentadas, levam até lá, e os muros marrom-acinzentados de suas casas redondas de palha com acabamento perfeito são impecáveis apesar do cenário bucólico.
Este conjunto pertence ao homem mais poderoso do país, o presidente Jacob Zuma, e é agora objeto de várias investigações sobre como US$ 27 milhões de dinheiro do governo foram gastos em melhorias em sua residência particular, ostensivamente para segurança. Mais dezenas de milhões de dólares foram gastos nas estradas em torno do complexo e da aldeia.
"Ele não construiu nada para nós", disse a matriarca do conjunto Sithole, Phindile Sithole, lançando um olhar para a propriedade de Zuma que se espalha pelo vale. “Ele só construiu para si mesmo.”
O escândalo sobre as melhorias para a residência privada de Zuma não poderia ter vindo em pior hora para o presidente. A África do Sul enfrenta talvez sua mais grave crise desde o fim do apartheid, uma vez que greves perturbam o setor de mineração de ouro e platina. Na terça-feira (23), a Gold Fields, uma das maiores produtoras mundiais de ouro, demitiu 8.500 trabalhadores que se recusaram a parar a greve.
Os mineiros vêm exigindo aumentos salariais consideráveis, e a agitação é emblemático do fosso que existe entre os cidadãos mais ricos e mais pobres da África do Sul, uma lacuna que só aumentou desde o fim do apartheid. Com razão ou não, instalou-se uma percepção profunda de que os líderes da luta contra o apartheid, que agora estão no comando do CNA (Congresso Nacional Africano), estão trabalhando em benefício próprio, enriquecendo a si mesmos e deixando os pobres para trás.
De fato, o CNA está comemorando o seu centenário este ano, mas para muitos sul-africanos, o slogan comemorativo da venerável organização – “100 Anos de Luta Altruísta” – parece mais uma piada cruel. No Facebook e no Twitter, circularam fotos de um carro esporte caro estampado com o slogan. Zuma também está se defendendo de desafios à sua liderança dentro do seu próprio partido à medida que potenciais rivais competem para a descarrilhar seus planos para um segundo mandato.
Zuma, que completou 70 anos este ano, veio de uma família pobre e rural zulu. Ele abandonou a escola ainda jovem e dedicou sua vida à luta contra o apartheid. Ele entrou para o Umkhonto we Sizwe, ou a Lança da Nação, braço armado do CNA, e ficou uma década na prisão em Robben Island ao lado de figuras leais à luta como Nelson Mandela e Walter Sisulu. Mas, como muitos líderes do CNA desde o fim do apartheid, ele passou a viver uma vida opulenta, apesar de nunca ter tido um trabalho altamente lucrativo.
Zuma disse que familiares pagaram a maior parte da construção de seu conjunto habitacional. Mas as dúvidas sobre suas finanças pessoais pairam há anos; uma série de acusações de corrupção contra ele foram retiradas em 2009 em meio a alegações de má conduta da promotoria.
Falando para um grupo empresarial, Zuma disse que a sua família, e não o governo, havia construído sua propriedade, e que ele não tinha ideia de que tipo de reformas de segurança estavam sendo feitas ou de quanto custavam.
“Acho que os ministros deram as respostas e se as pessoas querem ir atrás disso, elas irão”, disse Zuma, segundo a Associação de Imprensa Sul-Africana. “Eu não gostaria de comentar ou julgar, porque essas questões são tratadas pelos ministros e pelo auditor geral. Eles sabem como os orçamentos são feitos, eu não posso me tornar um especialista nisso.”
O Departamento de Obras Públicas, que está fazendo as reformas, divulgou um comunicado dizendo que o trabalho era estritamente relacionado à segurança de Zuma enquanto chefe de estado e que o governo tinha “tomado um cuidado especial para alocar despesas para entidades públicas e privadas, conforme é apropriado.” A agência não divulgou a quantia em dólares, mas agências de notícias locais citaram documentos do governo que mostram que as reformas custam US$ 27 milhões, um valor que o governo não contestou publicamente.
Palácios grandiosos já foram comuns entre os líderes africanos, um hábito que herdaram dos reis colonizadores da Europa. Mobutu Sese-Seko teve mansões opulentas espalhados pelo Zaire, como o Congo era então conhecido, teria insistido que as pistas construídas ao lado de cada uma fossem longas o bastante para acomodar o Concorde, caso ele quisesse fretar o jato supersônico para um rápido viagem de compras em Paris ou Bruxelas.
Félix Houphouët-Boigny, cujo punho de ferro com luvas de pelica governou a Costa do Marfim a partir de sua independência até sua morte, três décadas depois, construiu uma basílica maior do que a de São Pedro, em Roma, em meio a uma densa selva de sua cidade natal, como tributo à sua mãe religiosa.
Mas a África do Sul, que descartou o regime branco há menos de duas décadas, deveria ser diferente, e na maior parte tem sido. De fato, seus presidentes desfrutaram das mordomias do poder, mas dentro de alguns limites.
Nelson Mandela, o primeiro presidente do país pós-apartheid, tem os gostos refinados e ocasionalmente opulentos de um nobre, o que ele é, uma vez que faz parte da família real de seu clã Xhosa. Depois de ser libertado da prisão em 1990, ele não voltou para sua casa modesta no município negro de Soweto, em vez disso, preferiu se estabelecer em Houghton, um subúrbio rico e branco de Joanesburgo.
Mas a propriedade em seu vilarejo de Qunu, no Cabo Oriental, onde ele agora passa a maior parte do tempo, é minúscula em comparação com a propriedade de Zuma em Nkandla. O sucessor de Mandela, Thabo Mbeki, tem uma predileção por ternos de Savile Row e uísque bom, mas mora numa casa grande, embora não especialmente opulenta, em Joanesburgo.
Alguns dos vizinhos de Zuma dizem que ele conquistou o direito de viver no luxo, e que estão orgulhosos do sucesso de um filho da terra. Willow Dayena, 27, que abandonou o nono ano na escola e ganha cerca de US$ 200 por mês como motorista, disse que as conquistas de
Zuma o transformaram num modelo para os jovem e iletrados. “Eu fui mais longe do que ele na escola”, disse, referindo-se à baixa escolaridade de Zuma. “Talvez um dia eu possa ser presidente”.
Ele disse Zuma havia feito grandes melhorias para a vida no local, mas foi vago sobre os detalhes. “Ele trouxe a eletricidade”, disse Dayena. “E banheiros.” Alguns momentos depois, coçou a cabeça.
“Na verdade, eu não tenho certeza”, disse ele. “Acho que Mbeki que trouxe os banheiros.”