quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Ministério da Defesa da Rússia nega que o Exército Russo quer renunciar o uso dos fuzis Kalashnikov
AK-74 |
O Chefe do Estado-Maior, o general Nikolay Makarov, declarou no final de setembro que o Ministério da Defesa da Federação Russa (Ministerstvo oborony Rossijskoj Federacii) renunciou a comprar do fuzil AK-47 e AK-74 porque já tem o suficiente nos paióis das suas Forças Armadas.
Ao mesmo tempo se espera que o Exército Russo recebe em breve um fuzil de assalto de nova geração, mas ninguém fala nada sobre o modelo.
“Alguns pensam que se o Ministério da Defesa não firmou importantes contratos de aquisição de fuzis Kalashkinov, estes já deixaram de ser produzidos. Não é assim”, comentou Serdyukov ao jornal Rossiyskaya Gazeta.
O ministro da Defesa disse que o Exército já tem uma quantidade considerável de fuzis de assalto e por essa razão não tem sentido comprar mais.
“Com o que temos, podemos equipar vários exércitos como o Exército Russo”, disse Serdyukov.
Segundo dados do próprio Exército Russo, o mesmo tem cerca de 50 milhões de fuzis de assalto da família Kalashnikov em seus arsenais.
Em tempo, Serdyukov argumentou que primeiro se deve estudar o armamento novo em princípio e suas vantagens antes de regulamentar a arma no Exército Russo e só depois começar a sua comprar.
Leia também: Ministério da Defesa da Rússia deixa de comprar fuzis Kalashnikov AK-74
Em primeira mão: Rússia está desenvolvendo uma nova família de fuzis de assalto para substituir os atuais fuzis Kalashnikov
Exército Russo começará os testes do “novo Kalashnikov” em 2012
Helibrás monta 1º Super Cougar 'nacional'
Helicóptero pesado, parte de uma encomenda de R$ 5,2 bi do governo. veio da França e começará a receber conteúdo nacional
Chegou ao Brasil no dia 16 e já está no galpão da engenharia de projeto da Helibrás, em Itajubá (MG), o primeiro helicóptero pesado EC725 Super Cougar que vai entrar na linha de montagem nacional, que ficará pronta em 2012. Será o 17.º da série de 50 que a empresa, controlada pela francesa Eurocopter, produzirá para o governo brasileiro por cerca de R$ 5,2 bilhões e com transferência integral de tecnologia.
Testado e voado na Europa, servirá de protótipo para todo o conhecimento tecnológico entregue e também para o desenvolvimento de sistemas. "Toda a encomenda será concluída em 2020 com 50% de nacionalização, cerca de 3% acima da média internacional em operações desse tipo", diz o presidente da Helibrás, Eduardo Marson.
O plano estratégico da Eurocopter em relação à Helibrás, de acordo com Marson, é fazer do complexo brasileiro o seu quarto pilar mundial de produção, ao lado de Alemanha, França e Espanha. O investimento direto do grupo para o Programa ECT725 é estimado em R$ 500 milhões.
As primeiras 16 unidades do contrato com o Brasil sairão da França. Em 2012, outros três modelos operacionais serão entregues para as Forças Armadas. Uma quarta versão em configuração executiva vai para uso da Presidência da República. O conteúdo estrangeiro será gradativamente reduzido. Uma equipe de especialistas militares acompanha o processo desde o começo para garantir o domínio das tecnologias utilizadas.
As aeronaves serão "personalizadas" de acordo com seu destino final. O Exército quer os seus EC725 com um Flir, que usa o calor para "enxergar" à noite e sob neblina. Dois suportes laterais poderão receber metralhadoras e canhões leve, além de disparadores de foguetes. A Força Aérea está desenhando seu sistema de armas, mas terá a bordo um sensor de rastreamento de superfície. A Marinha vai adotar um conjunto de combate antissubmarino com recursos para detecção de alvos e lançamento de mísseis e torpedos.
Polo industrial
Há uma revolução em andamento na pequena Itajubá, cidade de 90 mil habitantes no sul de Minas Gerais, onde o governo quer implantar um polo aeronáutico. No centro deste processo está a Helibrás, controlada pela Eurocopter na qual o governo de Minas Gerais tem pequena fatia societária.
Criada há 33 anos, a companhia tem um saldo de 550 unidades entregues. Além de fornecer os EC725, a Helibrás está realizando a revitalização tecnológica de 32 modelos médios Pantera e de 36 Esquilos da Aviação do Exército. No total, são negócios da ordem de 2 bilhões.
Para cumprir a agenda, será inaugurada em março a nova unidade de produção, com hangar de 11,5 mil metros quadrados. O número de funcionários saltará dos atuais 610 para 1,1 mil, em 2015. O Centro de Engenharia, que prepara pessoal qualificado, aumentou a capacidade de 7 para 54 profissionais. O acordo bilateral franco-brasileiro prevê o treinamento de 96 funcionários brasileiros na França e a transferência de 44 franceses para Itajubá. A equipe vai criar em conjunto um simulador eletrônico de voo do Super Cougar, com movimento real nos três eixos e telas digitais. O valor do equipamento excede US$ 3 milhões.
Segurança nas fronteiras
A faixa de fronteira brasileira tem 2,4 milhões de quilômetros quadrados, área pouco inferior à do segundo maior país da América do Sul - a Argentina, que tem 2,7 milhões de km². A paisagem dessa região compreende a Floresta Amazônica, o Pantanal Mato-Grossense e chega até os Pampas gaúchos. População superior a 10 milhões de pessoas vive nesse território. É cenário complexo, onde há comunidades isoladas pela densa floresta do Amazonas, mas também existem divisas secas com intenso fluxo de milhares de pessoas entre cidades onde mal se percebe quando acaba o Brasil e começam outras nações. Era, até este ano, território propício para ações criminosas.
O Plano Estratégico de Fronteiras mudou o estado de semiabandono em que se encontravam os limites territoriais brasileiros. Lançado há seis meses com atividades conjuntas das forças de segurança brasileiras e suporte institucional de outras pastas, é um programa governamental de sucesso que integra o governo federal (centrado nos Ministérios da Defesa e da Justiça), Estados e municípios.
Números dão peso à afirmação de que houve mudança acentuada nesse curto período: foram apreendidas mais de 115 toneladas de drogas, 65 mil garrafas de bebidas, 650 quilos de explosivos, 2 mil veículos, 4,2 milhões de pacotes de cigarros, 75 mil munições, 534 armas de fogo. Além disso, as operações resultaram na interdição de garimpos e madeireiras ilegais e na destruição de pistas de pouso clandestinas, muitas vezes usadas por traficantes ou contrabandistas. Em menos de seis meses, note-se.
Pela primeira vez houve efetivamente integração orgânica entre todas as forças de segurança do País em suas diferentes esferas de atuação, com a presença ostensiva do Estado, aliada a ações de inteligência no combate aos crimes. Foram mobilizados para essas ações quase 20 mil homens, com suporte de inteligência e avaliação dos melhores quadros policiais do País da Polícia Federal e do Gabinete de Segurança Institucional. As três fases da Operação Ágata, estratégica e ostensiva, contribuíram decisivamente para acentuar a presença do Estado, ao levar, além da repressão, a presença social do governo brasileiro. Populações de regiões isoladas tiveram atendimento médico e odontológico, onde profissionais desse setor são luxo inacessível à imensa maioria dos habitantes.
A Operação Ágata é realizada pelas Forças Armadas, mobilizadas em terra, no ar e nos rios. Complementada pela Operação Sentinela, do Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal, que sufoca os ilícitos e seus praticantes, essas duas ações obtêm grandes resultados e demonstram a importância da coordenação e do planejamento no âmbito nacional.
Outros organismos federais entram em cena para inibir crimes pontuais. O Ibama e o Instituto Chico Mendes atuam no combate ao desmatamento ilegal e ao contrabando de madeira. A Receita Federal acentua ações contra o descaminho e o contrabando de produtos estrangeiros. A Agência Nacional de Aviação Civil fiscaliza aeronaves e pistas de pouso. A Secretaria de Assuntos Estratégicos formulou plano para minorar os problemas das populações que vivem nessas áreas, muitas vezes inóspitas.
A integração do governo federal com os Estados permitiu melhor articular com os governadores a proteção das fronteiras. Polícias militares e civis se integraram às operações das Forças Armadas, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Alguns governadores até pediram a continuidade das operações no próximo ano e sua ampliação. Serão atendidos. Também avançamos na cooperação internacional, com pactos de colaboração com países fronteiriços. Nesse campo houve grande avanço, com colaboração de inteligência e, em alguns casos, operacional, como destruição de plantações de drogas no Paraguai, por exemplo.
Todos os países vizinhos foram avisados previamente das operações, percebendo que o objetivo do Plano Estratégico de Fronteiras brasileiro é aumentar a cooperação entre as nações no combate à criminalidade. Vários acordos foram assinados com governos que fazem fronteira com o Brasil e observadores estrangeiros puderam acompanhar parte das operações conduzidas pelas Forças Armadas.
A área de atuação do plano envolve 11 Estados brasileiros que aderiram ao programa de investimentos em projetos estruturantes de fronteira. As operações contam com dados produzidos pelos órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência.
Os Ministérios da Defesa, das Comunicações e da Ciência, Tecnologia e Inovação estão empenhados na obtenção de um sistema de satélite próprio. Esse sistema vai auxiliar o funcionamento do SisFron, importante projeto desenvolvido pelo Exército para monitorar e propiciar um melhor controle das fronteiras. Estamos mudando a realidade de nossas divisas com a sintonia perfeita entre a União, os Estados federados e a tecnologia. Exemplo disso é que há poucas semanas a Polícia Federal pôs em operação o primeiro veículo aéreo não tripulado (Vant). Nos cinco primeiros dias de uso, somente um Vant rastreou mil quilômetros de fronteira, principalmente em busca de informações sobre o tráfico de drogas. Dois veículos semelhantes também estão sendo usados pelas Forças Armadas em operações estratégicas.
A realidade de nossas fronteiras mudou. O Estado brasileiro está cada vez mais próximo de seus cidadãos. E esse é um caminho sem volta, como bem acentuou a presidente Dilma Rousseff no lançamento do Plano Estratégico de Fronteiras, em junho. O Brasil, que nasceu no litoral de Porto Seguro, ocupou o centro do País após a construção de Brasília. Agora fincará definitivamente a Bandeira Nacional nos limites mais distantes de nossas fronteiras.
Dilma ressalta 'maturidade institucional' das Forças Armadas
Ao discursar na solenidade de promoção de generais ontem no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff ressaltou a maturidade institucional das Forças Armadas. Ela disse que os militares devem guardar coerência com as aspirações do povo traduzidas por seus representantes eleitos.
- O Brasil de hoje conta com Forças Armadas capacitadas profissionalmente, voltadas ao cumprimento de suas contribuições constitucionais, demonstrando maturidade institucional que foi alcançada, ao longo da nossa História, por nosso país - discursou, para complementar: - Nossos soldados reconhecem seu papel como partícipes de uma política de Estado - a política de defesa -, que deve guardar perfeita coerência com as aspirações do povo traduzidas por seus representantes democraticamente eleitos.
Dilma voltou a falar da necessidade de equipar as Forças Armadas, mas não deu detalhes. A presidente destacou, porém, a necessidade de incrementar a indústria de defesa nacional:
- Uma política de defesa assertiva é necessária ao desenvolvimento econômico e também para uma política externa soberana. Para construir uma grande nação é fundamental dispor de capacidade na defesa dos interesses pelos mais diversos meios, notadamente os dissuasórios.
Dilma defende que Forças Armadas sejam reaparelhadas
A presidente Dilma Rousseff disse ontem, em evento no Palácio do Planalto para oficiais promovidos a generais, que o aparelhamento das Forças Armadas é essencial para o desenvolvimento econômico do país e para uma política externa soberana.
"O país com o qual sonhamos precisará, cada vez mais, de Forças Armadas equipadas e qualificadas para o cumprimento de suas atribuições. Um país que pretende ter dimensão internacional tem de ter, nas suas Forças Armadas, um exemplo da sua capacidade e da sua competência", discursou.
Dilma afirmou que muito se avançou na área de defesa nos últimos anos, modernizando os equipamentos, integrando Exército, Aeronáutica e Marinha e aprimorando a "capacidade institucional" do Ministério da Defesa.
A presidente também defendeu o desenvolvimento de uma indústria nacional de defesa que seja capaz de criar "tecnologia própria e, ao mesmo tempo, permitir que aqui se crie toda uma cadeia de agregação de valor".
Em setembro deste ano, ela editou uma medida provisória (MP 544/11) desonerando de IPI, PIS/Pasep e Cofins empresas que produzem equipamentos estratégicos de defesa, como parte do plano de incentivo à indústria, o Brasil Maior.
Além disso, o texto permite que nas compras governamentais de materiais militares o governo dê preferência a produtos brasileiros, mesmo que custem até 25% mais caro que o menor valor ofertado por estrangeiros. A MP 544/11 ainda não foi votada pela Câmara e só deve ser aprovada no ano que vem, uma vez que não está entre as prioridades do Congresso na última semana antes do recesso parlamentar.
Mais tarde, em clima de balanço do primeiro ano de mandato, Dilma Rousseff aproveitou o almoço de confraternização com os militares para compartilhar seu "otimismo sobre o Brasil". Ela defendeu o desempenho do país frente à crise internacional, dizendo que o Brasil "coleciona" bons indicadores macroeconômicos.
"Até outubro, nós já tínhamos criado 2,2 milhões de empregos formais. A inflação está sob controle e avançamos ainda mais em nosso esforço de consolidação fiscal, com uma política monetária que permite margem de manobra em relação aos juros", afirmou aos oficiais.
"Temos atraído volumes recordes de investimento direto externo, e nossas reservas internacionais ultrapassam os US$ 350 bilhões. Temos também um colchão de liquidez, sob a forma de depósitos compulsórios do Banco Central, em torno de R$ 430 bilhões", completou Dilma.
A presidente lembrou os programas lançados em sua gestão: O Brasil sem Miséria; Melhor em Casa e SOS Emergências, na área da saúde; Viver sem Limites, para pessoas com deficiência; e o Ciência sem Fronteiras, de bolsas para estudantes brasileiros no exterior.
Dilma quer aparelhar as Forças Armadas
Presidente promete fortalecer o Exército, a Marinha e a Aeronáutica em prol do desenvolvimento do país
A presidente Dilma Rousseff defendeu ontem o aparelhamento das Forças Armadas, que são, segundo ela, fundamentais para o desenvolvimento do país. A afirmação, feita no Palácio do Planalto, durante discurso na apresentação de oficiais generais recém-promovidos, foi repetida em seguida em almoço de confraternização no Clube da Aeronáutica de Brasília. A plateia, formada por militares e familiares, recebeu a mensagem como uma resposta a um recente relatório encaminhado ao Planalto pelo Ministério da Defesa evidenciando o sucateamento da área.
Segundo Dilma, que quebrou o protocolo e chegou a trocar beijinhos com alguns generais, o crescimento econômico brasileiro vai exigir do país uma grande preocupação com a indústria nacional, "em especial, a indústria da defesa e também nossa capacidade de incorporar ciência, tecnologia e inovação nos serviços e bens militares", ressaltou a presidente, lembrando a tradição pacifista do país. "O Brasil é um país pacífico, que possui relações baseadas na cooperação e no diálogo, especialmente com nossos vizinhos, com quem mantemos há mais de 140 anos relações amigáveis."
Sem fazer menção à ditadura militar, Dilma ressaltou a participação que as Forças Armadas têm hoje no processo democrático. "Nossos soldados reconhecem seu papel com partícipes de uma política de Estado, a política de defesa que deve guardar perfeita coerência com as aspirações do povo brasileiro, traduzidas por seus representantes democraticamente eleitos."
Temas delicados ficaram fora do discurso, como o impasse na compra dos jatos ou o relatório preparado pelos três comandantes militares e entregue ao Palácio do Planalto em novembro. O texto criticava o mau estado do aparelhamento das Forças e afirmava que a situação inviabilizaria as tentativas brasileiras de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Dilma limitou-se a dizer que pretende manter os projetos prioritários, mas não os citou explicitamente. "Prosseguiremos com os projetos prioritários de aparelhamento das Forças, sem deixar de valorizar os homens e as mulheres que tornam esses projetos possíveis. (...) O país com o qual sonhamos precisará cada vez mais das Forças Armadas equipadas e qualificadas para o cumprimento de suas funções", afirmou a presidente.
Integração
Além do aparelhamento, Dilma defendeu uma integração maior entre Exército, Aeronáutica e Marinha, articulados por meio do Ministério da Defesa. Melhorar o trabalho conjunto também será fundamental, segundo a presidente, para o desenvolvimento de uma tecnologia própria na área, estratégia que o Brasil persegue e tem pautado todas as negociações para a compra de equipamentos desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em um breve resumo de seu primeiro ano de governo, a presidente afirmou ainda que, até outubro, o país gerou 2,2 milhões de empregos formais. "A inflação está sob controle e avançamos ainda mais no nosso esforço de consolidação fiscal com uma política monetária que permite margem de manobra em relação aos juros."
Dilma elogia militares e fala em modernizar setor
Em almoço no Clube da Aeronáutica, presidente quebra protocolo e troca até beijinhos; no discurso, promete melhores salários e equipamentos
Presidenta Dilma no Clube da Aeronáutica, em Brasília |
Em meio à austeridade com que vem tratando pressões dos Poderes Legislativo e Judiciário por aumentos de gastos, a presidente Dilma Rousseff reconheceu, em discurso, que as Forças Armadas necessitam urgentemente de recursos para sua atualização tecnológica e para atender às novas exigências do País na área de defesa.
Ao falar para os oficiais generais em almoço de confraternização de fim de ano, Dilma disse que "a sociedade brasileira reconhece as virtudes de lealdade, abnegação e patriotismo naqueles que dedicam a vida à defesa da soberania, da democracia e da integridade territorial do Brasil".
Do mesmo modo, acrescentou ela, "o Brasil também tem de reconhecer que esses homens e mulheres necessitam de recursos" enfatizou. "Não só aqueles (destinados) a equipamentos, mas também aqueles que garantam uma vida digna à família militar". Ela não detalhou, porém, os valores desses investimentos, nem os índices de reajuste salarial para a tropa.
Dilma, que no passado participou da resistência armada à ditadura, foi recebida com honras militares e tratada com afeto por oficiais das três armas. O almoço foi organizado pelo Ministério da Defesa no Clube da Aeronáutica. Com alguns, ela quebrou o protocolo e trocou beijinhos.
Incorporar ciência. A presidente destacou os feitos do seu primeiro ano de governo e disse que o País "ingressa num novo ciclo de desenvolvimento em que o crescimento econômico se combina com a inclusão social". Isso vai exigir do governo "uma grande preocupação com a nossa capacidade de manter as nossas indústrias - em especial a da defesa e também a nossa capacidade de incorporar ciência, tecnologia e inovação nos serviços e bens derivados".
A despeito da crise que abate os países desenvolvidos, a presidente garantiu que "o Brasil crescerá em 2012". Afirmou que até outubro foram criados 2,2 milhões de empregos formais, que a inflação está sob controle e que o País avançou na consolidação fiscal, com uma política monetária que permite margem de manobra. "Temos atraído volumes recordes de investimentos diretos externos e nossas reservas internacionais ultrapassam os US$ 350 bilhões", observou. "Temos também um colchão de liquidez sob a forma de depósitos compulsórios do BC em torno de R$ 430 bilhões."
Disputas internas não impedem atuação da oposição ao Kremlin na Rússia
Putin |
Os planos para um grande comício anti-Kremlin em Moscou, na Véspera de Natal, estão ganhando força, com dezenas de milhares indicando sua intenção de participar, enquanto a oposição busca manter o embalo, após as eleições parlamentares que muitos consideraram fraudulentas.
Mas enquanto seu apoio cresce em sites de redes sociais como o Facebook – onde 30 mil pessoas se registraram para comparecer no comício de sábado até a noite passada – também aumentam as brigas entre os líderes da oposição.
O Kremlin parece estar ativamente incitando a discórdia, em um esforço para torpedear os protestos, com uma campanha para desacreditar a liderança da oposição.
A manifestação de sábado será um indicador chave sobre se o movimento está ganhando ou perdendo força e será julgado com base em se conseguirá atrair mais pessoas do que em 10 de dezembro, quando 50 mil se reuniram para protestar contra o regime de Vladimir Putin, o primeiro-ministro, e exigir novas eleições.
O principal nome da oposição – Alexei Navalny, um blogueiro detido após os primeiros protestos e que deveria ser solto ontem– agora parece estar disputando abertamente com Boris Nemtsov, um ex-vice-primeiro-ministro, as rédeas do movimento.
“Há um confronto fermentando entre Nemtsov, que representa a velha liderança da oposição, e novos líderes como Navalny”, disse Sergei Markov, vice-reitor da universidade Plekhanov de economia, em Moscou.
Nemtsov também caiu vítima de um aparente truque sujo de campanha inspirado no Kremlin. Ele foi forçado na terça-feira a pedir publicamente desculpas a Yevgenia Chirikova, outra líder da oposição, e à blogueira Bozhena Rinska, por comentários ofensivos feitos por ele contra as duas em recentes conversas privadas ao telefone. As gravações foram postadas em um site de Internet amigo do Kremlin.
Ele e Chirikova apareceram juntos em um canal de televisão pela Internet, “TV Rain”, para mostrar união após o escândalo. “Yevgenia e eu decidimos cerrar fileiras e avançarmos na direção da meta comum”, disse Nemtsov, que disse que suas palavras foram “um erro” – com Chirikova parecendo vagamente conciliadora ao seu lado.
Lyudmila Alexeeva, uma dissidente soviética veterana e líder do grupo de direitos humanos Moscow Helsinki Group, disse que as brigas a fizeram recordar do movimento secreto de oposição na velha União Soviética.
“É uma infelicidade que Nemtsov tenha se permitido falar aquelas palavras, mas lhes dar publicidade é ainda pior”, ela disse. “Na minha época, quando alguém sugeria que a KGB estava tentando provocar discórdia entre nós, eu sempre dizia: ‘Quem precisa da KGB, nós já brigamos o suficiente sem ela’.”
O site que publicou as gravações, Lifenews.ru, se recusou na terça-feira a comentar como as obteve, apesar de poucos duvidarem que o Serviço Federal de Segurança, o sucessor da KGB, esteja envolvido.
“Quem mais monitoraria o telefone de Nemtsov?” perguntou Yevgenia Albats, editora-chefe da “Novos Tempos”, uma revista semanal favorável à oposição. “Ou Nemtsov é suspeito de terrorismo ou há algo muito errado com os serviços de segurança.”
As esperanças de que o movimento de protesto encontre apoio dentro dos partidos de oposição no Parlamento foram eliminadas no domingo, quando Gennady Zyuganov, líder do Partido Comunista, o segundo maior partido na Duma da Rússia, condenou os protestos como sendo inspirados pelos “revolucionários laranja” estrangeiros. Ele se referia aos protestos que levaram os revolucionários pró-Ocidente ao poder na Ucrânia em 2004.
Mas as tentativas de isolar e dividir a oposição saíram terrivelmente pela culatra, disse Albats. “O Kremlin está usando as mesmas táticas que usa há 10 anos. Mas ele não percebe que este agora é um país diferente.”
Um ex-alto funcionário do Kremlin, que pediu para permanecer anônimo, fez uma avaliação semelhante a respeito da incompetência do Kremlin em uma entrevista para o “Financial Times”. “Eles realmente estão jogando muito mal. Não está claro se estão ajudando a oposição ou a prejudicando.”
Em um programa de televisão na última quinta-feira, Putin, o principal alvo da ira dos manifestantes, não mediu esforços para insultar os manifestantes, os tratando como uma quinta coluna traidora, financiada por estrangeiros, em vez de um movimento local com queixas legítimas.
Ele os acusou de serem pagos pelo governo americano e disse que confundiu as fitas brancas usadas pelos manifestantes com “preservativos”.
“O Kremlin está fazendo tudo o que pode para provocar a fúria da oposição. Ele está fazendo tudo o que pode para consolidar os manifestantes”, disse Lilia Shevtsova, analista política do Moscow Carnegie Center, o centro de estudos.
Os Estados Unidos terão o mesmo destino do Japão?
Se você quiser assustar um economista, faça uma pergunta sobre o Japão. Ele lhe dirá que aquele país é um lugar assustador no qual a estagnação crônica devora até mesmo o estímulo econômico mais forte. Nem a flexibilização quantitativa, nem as recapitalizações bancárias, nem os gastos fiscais foram capazes de reanimar aquela que será em breve a quarta maior economia do mundo.
Como as mesmas medidas também não estão dando resultados no cenário norte-americano, alguns analistas estão começando a temer que os Estados Unidos estejam destinados a amargar as suas próprias décadas perdidas.
O exemplo do Japão é aterrador: o atual produto interno bruto nominal do país é inferior ao de 1992, e os preços dos imóveis tiveram uma desvalorização de 60% em relação ao seu pico, e continuam caindo. Devido à dimensão da sua bolha, o Japão necessitava de uma dolorosa desalavancagem financeira, mas o que realmente choca os analistas é a incapacidade de recuperação demonstrada pelo país mais de 20 anos após o início da crise.
A deflação é o principal fator responsável por isso. No Japão, os preços de quase todas as coisas caem continuamente, o que significa que há pouco incentivo para que o consumidor compre hoje, já que os produtos estarão mais baratos amanhã. A deflação não precisa de muito auxílio para destruir uma economia, mas no caso do Japão esse problema é agravado pelo envelhecimento da população e pelo ritmo lento da inovação: a população japonesa em idade de trabalho começou a encolher em 1995, e o aumento da produtividade cessou logo depois disso.
A probabilidade de que os Estados Unidos passem pela mesma experiência que o Japão é reduzida não só pelo fato de a bolha norte-americana ter sido menor, mas também devido à política inflacionária e ao rápido crescimento da produtividade norte-americana – isso não para mencionar uma população mais jovem. Embora esteja envelhecendo, a população dos Estados Unidos encontra-se no auge da juventude se comparada à do Japão.
As crises econômicas de ambos os países tiveram início com o estouro de bolhas, mas a bolha imobiliária norte-americana tinha menos da metade do tamanho da japonesa: em 1989, a soma de todos os imóveis do Japão correspondia a cinco vezes o valor do produto interno bruto do país, enquanto que no auge da bolha norte-americana essa soma valia menos do dobro do produto interno bruto dos Estados Unidos. As bolhas do mercado de ações foram similarmente distorcidas: Em 1989 as ações japonesas eram vendidas por preços 50 vezes maiores do que o valor de compra enquanto que as do Standard & Poor tinham um valor 17 vezes superior ao preço de compra em 2007.
Apesar de a bolha norte-americana ser menor, a resposta dos Estados Unidos em termos de políticas econômicas foi muito mais intensa do que a do Japão. Os japoneses ficaram oito anos sem recapitalizar os seus bancos após o estouro da bolha. Os Estados Unidos tomaram essa providência em menos de um ano. E se o Japão faz o com que o TARP (Troubled Asset Relief Program, um programa do governo dos Estados Unidos para a compra de ativos e ações de instituições financeiras em apuros) pareça ser um fato positivo, ele faz também com que Ben Bernanke dê a impressão de ser uma figura altamente competente.
Sim, o Banco do Japão foi o primeiro a implementar a flexibilização quantitativa, mas somente após ter estourado a bolha japonesa com altas taxas de juros e depois de ter mantido essas taxas em patamares elevados durante dois anos, enquanto os valores dos imóveis e o Nikkei despencavam. Quando a medida foi finalmente implementada, ela foi acompanhada de uma mensagem implícita: a medida não funcionará, mas nós tentaremos, e se ela funcionar, nós a interromperemos imediatamente. Eles cumpriram a palavra. Toda vez que a economia do Japão exibe sinais de recuperação, por menores que sejam, o Banco do Japão interrompe a impressão de dinheiro a tempo de se assegurar que tal recuperação não progrida.
O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, entende a importância das expectativas, e ele mostrou que fará tudo o que puder para impedir que haja deflação nos Estados Unidos. Até o momento, isso tem dado resultado: apesar do enorme impulso deflacionário provocado pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana, o país continua exibindo uma inflação modesta.
No momento certo a inflação e o crescimento populacional farão com que os preços dos imóveis atinjam um piso. Enquanto isso, o consumo continua sólido e os lucros das corporações encontram-se em um nível recorde. O motor de crescimento econômico dos Estados Unidos pode estar parado, mas ele não encontra-se quebrado.
Mas os norte-americanos não acreditam que haverá tão cedo uma recuperação econômica e eles não esperam se beneficiar muito disso. O índice de confiança do consumidor continua a despencar no abismo, e as expectativas de longo prazo são ainda mais sombrias. Uma pesquisa Gallup recente revelou que o número de norte-americanos que acreditam que as futuras gerações terão um padrão de vida inferior ao deles é maior do que nunca.
E esse clima pessimista é, infelizmente, corroborado pelos dados oficiais: os valores dos salários, em termos de poder de compra real, são piores do que os de 1970. Sob esse aspecto, o pessimismo norte-americano demorou até demais para surgir. Isso pode ser visto mais como uma consequência da erosão gradual da superioridade dos salários norte-americanos em relação àqueles do mundo em desenvolvimento do que de uma japonização súbita do país. E isso não se deve apenas ao fato de os trabalhadores chineses e indianos estarem ganhando terreno; os salários norte-americanos também estão diminuindo em valores reais.
Mas a globalização não é um jogo de soma zero, e o mercado para ideias realmente inovadoras é maior do que nunca. Essas ideias surgem frequentemente nos Estados Unidos, mesmo neste momento, e companhias como a Apple, o Google e o Facebook beneficiam-se de efeitos de rede em uma escala global.
Isso se constitui em uma vantagem fundamental em relação ao Japão, e os superastros dos Estados Unidos continuam a lucrar bastante. Mas todos os demais membros da sociedade norte-americana deparam-se com uma realidade desconfortável: a menos que seja membro da elite geradora de ideia, você será simplesmente um indivíduo em meio à multidão – competindo por salários não só com os seus compatriotas, mas também com o mundo inteiro.
O fato é que os Estados Unidos correm o risco muito maior de continuarem a apresentar um crescimento desigual do que de amargarem, como o Japão, décadas perdidas. O perigo não é tornar-se japonês. Para a maioria da população, ser norte-americano já será algo suficientemente ruim.
* Sheldon Kasowitz e Ethan Devineare são gerentes de um fundo de hedge especializado nos mercados asiáticos.
Em 50 anos de violência, ETA matou aproximadamente 829 pessoas, diz Espanha
Acima os inconfundíveis milantes do ETA |
Durante quase meio século, o terrorismo do ETA foi uma das principais preocupações dos cidadãos espanhóis, um problema de primeira ordem, uma sangria de vidas e um esforço brutal para apoiar a luta antiterrorista (policiais, equipes técnicas, ressarcimento de danos...). No entanto, ninguém sabe o número exato nem o nome de todas as vítimas fatais. O Ministério do Interior divulgou o dado de 829 pessoas, mas não explica como chegou a essa conclusão. Nem sequer as associações de vítimas conhecem o nome ou o número exato dos assassinados. Dar rosto ou pelo menos nome a todas as vítimas do grupo terrorista é algo que ainda não se fez.
Begoña Urroz, assassinada em 1960, foi a primeira vítima do ETA? Ou foi o guarda civil José Pardines, morto pelo "etarra" Francisco Javier Etxebarrieta oito anos depois? Begoña tinha só 22 meses quando uma bomba na estação de Amara (San Sebastián) acabou com sua vida; é a primeira morte por terrorismo na democracia, reconhecida e indenizada como tal pelo Escritório de Atendimento às Vítimas do Terrorismo, que depende do Ministério do Interior. Mas foi o ETA? Não, segundo os dados que o ministério cita em seu site na web: afirma que o grupo assassinou pela primeira vez em 1968, ano em que morreu Pardines. Mas sim para alguns historiadores e várias associações de vítimas.
Existe um forte grau de incerteza ao se afirmar que uma pessoa foi assassinada pelo ETA. O critério dos crimes reivindicados pelo grupo não é confiável: seu histórico criminoso está cheio de vítimas que nunca foram atribuídas ao grupo. As famílias indenizadas pelo Estado também não marcam esse número: nem todas pediram indenização. Menos ainda podem ser os casos sentenciados: há 220 assassinatos atribuídos ao grupo terrorista sem julgar, porque não se conhece o autor ou porque não foi detido, segundo a Audiência Nacional (Ministério Público).
Quem são então as vítimas do ETA? É no mínimo contraditório não poder dar essa resposta. Os arquivos incluem as informações que a imprensa deu sobre os atentados na época. Figuram os nomes e os dados das vítimas, as circunstâncias do crime, as suspeitas da polícia. Em alguns casos podem-se ver as fotos dos cadáveres entre os ferros retorcidos do carro-bomba.
No entanto, a resposta das instituições é inflexível: insistem que a lista envolveria a criação de um arquivo no qual se estabelece uma relação de dados, o que atentaria contra a Lei de Proteção de Dados e, portanto, uma violação do direito à intimidade. Diante da aparente incongruência da justificativa, este jornal perguntou a fontes da Agência de Proteção de Dados, que afirmaram que, salvo que um dos atentados não tivesse sido coberto na época pela imprensa, não deveria haver problemas em divulgar a lista. Por outro lado, explicam as mesmas fontes, as pessoas mortas não são titulares do direito à proteção de dados.
Um problema semelhante ocorreu com o atentado que a Al Qaeda cometeu em Madri em 11 de março de 2004, que deixou 192 mortos. Antes de realizar um ato de homenagem aos mortos, o Escritório de Atendimento às Vítimas entrou em contato com as famílias para obter a autorização. Na ocasião, cinco famílias se negaram. Com os assassinados pelo ETA não ocorreu o mesmo: a soma dos nomes com que conta o mencionado escritório não coincide com o número global divulgado pelo ministério. Sob a epígrafe de "ETA e entorno afim", inclui somente os dados dos mortos cujos parentes pediram indenização. Nem todos o fizeram na época, e nem todas as reclamações foram aceitas.
Nessa relação de nomes foi incluída na semana passada a menina Begoña Urroz. O diretor em exercício do escritório de vítimas, José Manuel Rodríguez Uribes, afirma que a polícia "não descarta" a autoria do ETA, que havia sido criado um ano antes. Em todo caso, Rodríguez Uribes prefere rodear a questão: "Para efeitos de indenização, no entanto, não nos afeta qual foi o grupo autor".
Com a mesma epígrafe de "ETA e entorno afim" se inclui Enrique Casas, que era senador pelo Partido Socialista de Euskadi [País Basco]. Em 23 de fevereiro de 1984, três dias antes das eleições autônomas bascas, Enrique Casas almoçava com sua família quando a campainha começou a tocar insistentemente. "Quem é?", ele perguntou do interior. "Operários do encanamento", responderam. Pediram que ele tirasse o carro da garagem, iam fazer uma escavação na porta. Ao abri-la, dois homens o esperavam, um encapuzado, e houve vários tiros. Ele tentou se abrigar mas o liquidaram dentro da residência. No imaginário coletivo, Casas foi morto pelo ETA, embora na realidade fosse o último assassinado dos Comandos Autônomos Anticapitalistas, um grupo terrorista de viés anarquista que se alimentou em parte de antigos etarras.
"A mulher de Casas se sente viúva por causa do ETA, separá-los não tem sentido", afirma Rodríguez Uribes. Uma avaliação que não é compartilhada pelo ministério, que ao reconhecer os Comandos Autônomos Anticapitalistas como um grupo à margem do bando não incluíram entre os 829 Casas nem outros 26 mortos que esse grupo armado deixou. Também ficam fora da lista ministerial as vítimas mortais da "kale borroka", ou violência de rua.
Com a colaboração do Escritório de Vítimas, "El País" conseguiu elaborar uma relação de 826 nomes de pessoas cujas mortes foram atribuídas ao grupo por fontes policiais. No trabalho documental, este jornal comparou os arquivos da época, mas também as listas da Fundação de Vítimas do Terrorismo (que inclui 825 mortos), da Associação de Vítimas do Terrorismo (921 nomes) e dos livros "Vidas Rotas" - cujos autores Rogelio Alonso, Florencio Domínguez e Marcos García Rey recolhem as histórias de 856 vítimas do terrorismo - e "Crônicas Sangrentas de 30 Anos", no qual Eloy Ramos Martínez relembra os 146 policiais nacionais assassinados pelo ETA.
As associações e o Escritório de Vítimas concordam em incluir o nome de José Manuel Cardosa Morales entre as vítimas do terrorismo, apesar de existirem sérias dúvidas sobre a autoria do assassinato. Esse carteiro morreu em 1989 quando explodiu em suas mãos um pacote que devia entregar. Não é o único empregado dos Correios morto nessas circunstâncias: o que diferencia Cardosa é que a carta não era dirigida a um crítico do grupo, mas a Ildefonso Salazar, militante do Herri Batasuna [união da esquerda basca].
Na época a polícia o atribuiu ao ETA pelo método empregado, mas os jornais ressaltaram que anos antes Salazar, de 46 anos, tinha apresentado uma denúncia de tortura contra um tenente da Guarda Civil que foi condenado pela Audiência Provincial de San Sebastián em uma sentença ratificada posteriormente pelo Supremo Tribunal. É a vítima que todos reclamam. A fundação Euskal Memoria, promovida por antigos etarras e simpatizantes do grupo, o reivindica como vítima do terrorismo do Estado. Entre as fotografias das vítimas dos GAL e Batalhão Basco Espanhol, entre outros, que estão publicadas em seu site, aparece a foto de um Cardosa sorridente, em uma noite qualquer dos 22 anos que viveu.
Seja como for, a história do grupo terrorista se lê nos nomes de suas vítimas. A primeira vez que aparece a denominação de Euskadi Ta Askatasuna (Euskadi e Liberdade) foi em Bilbao em 31 de julho de 1959. Um grupo de estudantes radicais dissidentes do coletivo EKIN - nascido em 1952 para reagir contra a passividade e a acomodação que na sua opinião sofria o Partido Nacional Basco (PNV) - enviam ao presidente do governo basco no exílio, José Antonio Aguirre, uma carta na qual informavam sobre sua fundação. A decisão de matar veio depois (em 1960-1968). A partir desse momento as vítimas se transformaram em moeda de troca, que empregaram sem escrúpulos.
Nos anos 80 as mortes se transformaram em coisa tão habitual que deixaram de ser notícia. Muitos atentados passaram despercebidos para a imprensa e as investigações se amontoavam nas delegacias e nos quartéis do País Basco. Uma em cada três vítimas ocorreu nos anos de chumbo (1978-1980). Ainda na ressaca do franquismo, a Espanha não tinha a colaboração da França; por isso o santuário francês servia de refúgio para uma organização fortalecida pelo dinheiro da extorsão. Dessa época é a maioria dos casos cuja autoria é questionável atribuir ao ETA. Um morto em uma vala com a cabeça arrebentada por um tiro de parabellum 9 milímetros, que era a arma usada pela frente político-militar, apontava para o ETA. Haviam-no acusado de delator? Era vítima da campanha antidrogas que efetuaram contra traficantes durante os anos 80? Ou se tratava de um ajuste de contas entre criminosos?
Ao longo de sua história, o bando foi ampliando os motivos pelos quais apertava o gatilho ou punha uma bomba. O espectro das vítimas potenciais crescia com sua própria ambição ou descontentamento. Desde o início, ser policial ou guarda civil, especialmente no País Basco, era enfrentar a morte a cada manhã. Os bares frequentados por militares e policiais também se transformaram em alvos: como ocorreu na Calle del Correo em Madri, com a chacina na cafeteria Rolando, em que morreram 13 pessoas. O lugar era frequentado por policiais destinados no que era então a Direção Geral de Segurança, instalada no casarão da Porta del Sol que hoje é a sede do governo de Esperanza Aguirre. Ninguém reivindicou o massacre, mas marcou a cisão do grupo entre a frente político-militar e a militar.
Em 1978, foi a campanha contra a Constituição que marcou o começo da etapa mais sangrenta. No ano seguinte o Estatuto Basco levou à ruptura do ETA com o PNV. A trégua da frente político-militar em 1981 e sua dissolução definitiva um ano depois reduziu a sangria, mas o número de mortos por ano não baixava de 30.
O primeiro golpe policial forte contra o bando foi a batida de 1992. A detenção de três dirigentes do ETA durante uma reunião em Bidart (França) e as posteriores atuações policiais frearam a série de atentados que havia começado no ano anterior, aproveitando que os focos da imprensa internacional estavam voltados para a Espanha por causa dos Jogos Olímpicos de Barcelona. A partir da assinatura do pacto antiterrorista, subscrito por PP e PSOE em 2000, se multiplicaram os ataques contra membros de ambos os partidos.
O abandono definitivo das armas anunciado em 20 de outubro passado pôs fim a quase 50 anos de terror, nos quais o ETA matou centenas de pessoas, deixou milhares de feridos, atemorizou dezenas de milhares de cidadãos... não é possível apagar as cicatrizes das famílias, mas é necessário que o capítulo mais sangrento da democracia espanhola seja fechado dando-se rostos aos mortos: as vítimas devem deixar de ser uma estatística.
Brasil poderá terminar o ano como a sexta maior economia do mundo
As riquezas naturais do Brasil são tão imensas que às vezes tem-se a impressão de que a prosperidade do país está assegurada.
As exportações de minério de ferro e de soja dispararam; grandes reservas de petróleo e de fertilizantes estão começando a ser exploradas. Neste ano, ao registrar a melhor balança comercial dos últimos 30 anos, o Brasil poderá ultrapassar o Reino Unido para tornar-se a sexta maior economia do mundo.
"Nós contamos com reservas que vocês, norte-americanos, tinham na virada do século", disse Eike Batista, o homem mais rico do Brasil e um dos indivíduos que manifestam maior entusiasmo pelo país, durante uma palestra a uma plateia norte-americana neste ano. "O Brasil me permitiu, de fato, 'jogar Monopoly'" (jogo conhecido no Brasil por "Banco Imobiliário").
Mas Batista sabe que o jogo nem sempre é fácil. Em abril, as ações da sua companhia petrolífera, a OGX, despencaram após a descoberta de que as suas reservas eram menores do que se pensava. As maiores companhias de commodities do Brasil também tiveram as suas frustrações.
A Petrobras, a companhia estatal de petróleo que está explorando enormes reservas de águas profundas, mais uma vez deixará de atingir as metas de produção estabelecidas para este ano. E a Vale, a maior companhia exploradora de minério de ferro do mundo, tem enfrentado dificuldades devido à percepção de que ela é dependente da China, o seu maior mercado.
Como essas ações do mercado de commodities representam mais de um terço da principal bolsa de valores do Brasil, tais notícias significam prejuízos substanciais para os investidores em ações no país – para se ter uma ideia, um único ETF (exchange trade fund), o iShares MSCI Brazil, detém cerca de US$ 10 bilhões em ativos estrangeiros.
E é possível também que o setor agrícola brasileiro venha a tropeçar.
O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar, um dos países pioneiros na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, e uma fonte elogiada de energias alternativas.
Nenhum outro país conta com a terra, a água e o conhecimento necessários para o aumento da produção quanto o Brasil.
"Para atender à demanda global, o resto do mundo teria que triplicar a sua produção de açúcar com a mesma rapidez que o Brasil está fazendo atualmente para permitir que a produção brasileira permanecesse estável", explica Andy Duff, um analista do banco de financiamento holandês Rabobank.
No entanto, os investimentos em novas lavouras de cana-de-açúcar foram interrompidos, e o país tornou-se um importador líquido de etanol. O setor ainda não se livrou da ressaca provocada pela crise econômica, e muitas usinas ainda estão mergulhadas em dívidas enormes.
Além do mais, embora os preços globais do açúcar estejam relativamente altos em dólares, eles não se constituem em um incentivo suficiente para as companhias locais – cujos custos são em moeda nacional, o real, que recentemente tem se valorizado em relação ao dólar. E o governo também contribuiu para a incerteza: ele comprometeu-se a intervir mais no setor para manter em um patamar baixo o preço do álcool, que é o combustível utilizado por uma grande parcela dos automóveis do país.
Já os produtores de soja brasileiros estão se saindo bem. Neste ano eles deverão colher uma safra recorde e, como a demanda chinesa está pressionando os preços para cima, eles contarão com capital para investir em maquinário e silos.
Existe certa perplexidade em relação à boa sorte atual desses produtores: conforme diz uma piada brasileira, os corretores de Chicago – onde os preços de produtos agrícolas são estabelecidos – são sabem se os grãos de soja são produzidos abaixo ou acima do nível do solo.
Mas existe também a crença em que esse crescimento é sustentável, e que ele poderia ser reproduzido no setor de cana-de-açúcar e de outras culturas. É por isso que os preços das terras agrícolas brasileiras triplicaram a partir de 2002, segundo a empresa de consultoria Informa Economics FNP.
Isso inclui um aumento de 18% neste ano – apesar de o governo ter determinado que investidores estrangeiros não poderão mais comprar grandes áreas de terras agrícolas. No sul do país, perto dos portos, uma propriedade com terras férteis custa US$ 14 mil por hectare, um preço comparável aos das terras da região do centro-oeste dos Estados Unidos.
Mas, e se os preços das commodities caírem? Os soluços que afligem certas companhias específicas irão se transformar em um acesso de tosse de âmbito nacional?
De forma geral, as exportações de commodities representam cerca de 5% dos produto interno bruto brasileiro, um índice que é menor do que o de qualquer outro país sul-americano. Isso se deve ao fato de o Brasil contar com um enorme mercado interno. São mais ou menos 200 milhões de pessoas, muitas das quais estão contando com um emprego formal e um empréstimo bancário pela primeira vez na vida.
“Entretanto, se os preços das commodities caírem 25% e ficarem estacionados nesse patamar, o crescimento brasileiro poderá sofrer uma queda de cerca de 1% no ano que vem”, adverte Neil Shearing, economista da empresa de consultoria Capital Economics. Tendo tal cenário em mente, o governo brasileiro está tentando reequilibrar a economia por meio de auxílios ao setor industrial.
Em outros países, os recursos naturais tendem a ser ou uma dádiva fantástica ou uma maldição enorme. Mas, no que se refere ao Brasil, nenhuma dessas duas interpretações parece ser muito correta. As commodities geraram benefícios substanciais para o país, mas provocaram também muitos problemas.
As exportações de minério de ferro e de soja dispararam; grandes reservas de petróleo e de fertilizantes estão começando a ser exploradas. Neste ano, ao registrar a melhor balança comercial dos últimos 30 anos, o Brasil poderá ultrapassar o Reino Unido para tornar-se a sexta maior economia do mundo.
"Nós contamos com reservas que vocês, norte-americanos, tinham na virada do século", disse Eike Batista, o homem mais rico do Brasil e um dos indivíduos que manifestam maior entusiasmo pelo país, durante uma palestra a uma plateia norte-americana neste ano. "O Brasil me permitiu, de fato, 'jogar Monopoly'" (jogo conhecido no Brasil por "Banco Imobiliário").
Mas Batista sabe que o jogo nem sempre é fácil. Em abril, as ações da sua companhia petrolífera, a OGX, despencaram após a descoberta de que as suas reservas eram menores do que se pensava. As maiores companhias de commodities do Brasil também tiveram as suas frustrações.
A Petrobras, a companhia estatal de petróleo que está explorando enormes reservas de águas profundas, mais uma vez deixará de atingir as metas de produção estabelecidas para este ano. E a Vale, a maior companhia exploradora de minério de ferro do mundo, tem enfrentado dificuldades devido à percepção de que ela é dependente da China, o seu maior mercado.
Como essas ações do mercado de commodities representam mais de um terço da principal bolsa de valores do Brasil, tais notícias significam prejuízos substanciais para os investidores em ações no país – para se ter uma ideia, um único ETF (exchange trade fund), o iShares MSCI Brazil, detém cerca de US$ 10 bilhões em ativos estrangeiros.
E é possível também que o setor agrícola brasileiro venha a tropeçar.
O Brasil é o maior exportador mundial de açúcar, um dos países pioneiros na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, e uma fonte elogiada de energias alternativas.
Nenhum outro país conta com a terra, a água e o conhecimento necessários para o aumento da produção quanto o Brasil.
No entanto, os investimentos em novas lavouras de cana-de-açúcar foram interrompidos, e o país tornou-se um importador líquido de etanol. O setor ainda não se livrou da ressaca provocada pela crise econômica, e muitas usinas ainda estão mergulhadas em dívidas enormes.
Além do mais, embora os preços globais do açúcar estejam relativamente altos em dólares, eles não se constituem em um incentivo suficiente para as companhias locais – cujos custos são em moeda nacional, o real, que recentemente tem se valorizado em relação ao dólar. E o governo também contribuiu para a incerteza: ele comprometeu-se a intervir mais no setor para manter em um patamar baixo o preço do álcool, que é o combustível utilizado por uma grande parcela dos automóveis do país.
Já os produtores de soja brasileiros estão se saindo bem. Neste ano eles deverão colher uma safra recorde e, como a demanda chinesa está pressionando os preços para cima, eles contarão com capital para investir em maquinário e silos.
Existe certa perplexidade em relação à boa sorte atual desses produtores: conforme diz uma piada brasileira, os corretores de Chicago – onde os preços de produtos agrícolas são estabelecidos – são sabem se os grãos de soja são produzidos abaixo ou acima do nível do solo.
Mas existe também a crença em que esse crescimento é sustentável, e que ele poderia ser reproduzido no setor de cana-de-açúcar e de outras culturas. É por isso que os preços das terras agrícolas brasileiras triplicaram a partir de 2002, segundo a empresa de consultoria Informa Economics FNP.
Isso inclui um aumento de 18% neste ano – apesar de o governo ter determinado que investidores estrangeiros não poderão mais comprar grandes áreas de terras agrícolas. No sul do país, perto dos portos, uma propriedade com terras férteis custa US$ 14 mil por hectare, um preço comparável aos das terras da região do centro-oeste dos Estados Unidos.
Mas, e se os preços das commodities caírem? Os soluços que afligem certas companhias específicas irão se transformar em um acesso de tosse de âmbito nacional?
De forma geral, as exportações de commodities representam cerca de 5% dos produto interno bruto brasileiro, um índice que é menor do que o de qualquer outro país sul-americano. Isso se deve ao fato de o Brasil contar com um enorme mercado interno. São mais ou menos 200 milhões de pessoas, muitas das quais estão contando com um emprego formal e um empréstimo bancário pela primeira vez na vida.
“Entretanto, se os preços das commodities caírem 25% e ficarem estacionados nesse patamar, o crescimento brasileiro poderá sofrer uma queda de cerca de 1% no ano que vem”, adverte Neil Shearing, economista da empresa de consultoria Capital Economics. Tendo tal cenário em mente, o governo brasileiro está tentando reequilibrar a economia por meio de auxílios ao setor industrial.
Em outros países, os recursos naturais tendem a ser ou uma dádiva fantástica ou uma maldição enorme. Mas, no que se refere ao Brasil, nenhuma dessas duas interpretações parece ser muito correta. As commodities geraram benefícios substanciais para o país, mas provocaram também muitos problemas.
Com saída americana do Iraque, crescem temores de colapso sectário
Soldados americanos baixam bandeira americana em Bagdá e encerram guerra no Iraque |
Um dia após a retirada pelos Estados Unidos de suas últimas tropas de combate, o Iraque enfrentou uma perigosa crise política na segunda-feira, quando o governo dominado pelos xiitas ordenou a prisão do vice-presidente sunita, o acusando de comandar um esquadrão da morte que assassinou oficiais da polícia e autoridades do governo.
As denúncias sensacionais provocaram uma resposta preocupada de Washington e deixaram a frágil parceria de governo do Iraque à beira do colapso. Uma grande coalizão política apoiada pelos sunitas disse que seus ministros entregariam seus cargos, deixando à deriva agências que lidam com as finanças, escolas e agricultura do Iraque.
As acusações contra o vice-presidente Tariq al Hashimi também ressaltaram os temores de que os líderes iraquianos podem estar usando as instituições que os Estados Unidos gastaram milhões de dólares tentando fortalecer –a polícia, os tribunais e a imprensa– como uma clava para esmagar seus inimigos políticos e consolidar o poder.
Na noite de segunda-feira, Al Hashimi estava na região semiautônoma do Curdistão, no norte, além do alcance das forças de segurança controladas por Bagdá. Não se sabe quando –ou se– ele retornará para Bagdá.
Em Washington, onde as autoridades estavam celebrando discretamente o fim da guerra, funcionários do governo Obama soaram o alarme a respeito da ordem de prisão contra Al Hashimi.
“Nós estamos conversando com todos os partidos e expressando nossa preocupação em relação a esses desdobramentos”, disse Tommy Vietor, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. “Nós estamos pedindo a todos os lados para que trabalhem para resolver as diferenças pacificamente e por meio do diálogo, de modo consistente com o estado de direito e com o processo político democrático.”
O rompimento entre o primeiro-ministro Nouri al Maliki e Al Hashimi e seu partido Iraqiya ocorreu em um momento inoportuno para o governo, ao acontecer tão próximo da retirada das tropas. As autoridades americanas passaram anos tentando convencer o governo do Iraque, dominado pelos xiitas, a trabalhar com a minoria sunita do país, e estão preocupadas com a situação.
O presidente Barack Obama disse na semana passada, em comentários feitos na recepção às tropas que voltavam ao Forte Bragg, Carolina do Norte, que o futuro do Iraque agora está “nas mãos do povo iraquiano”. Mas após a remoção de suas tropas de combate, não se sabe se os Estados Unidos ainda contam com influência suficiente para limitar as tensões sectárias, que alguns analistas dizem que podem arrastar o país de volta ao caos e violência de anos anteriores e até mesmo dividi-lo geograficamente.
O governo apresentou seu caso contra Al Hashimi em uma transmissão de meia hora pela televisão, que foi promovida agressivamente como um especial no horário nobre. Em confissões em um vídeo granulado, três homens disseram ter cometido assassinatos por ordem de Al Hashimi. Eles disseram que explodiram carros, atacaram comboios com pistolas com silenciadores e eram recompensados com envelopes contendo US$ 3 mil em cédulas americanas.
Para os críticos do governo, as acusações pareciam fazer parte de uma ampla consolidação de poder por parte de Al Maliki. Em meio à ansiedade com a partida dos americanos e com os distúrbios na vizinha Síria, Al Maliki, um xiita, reforçou seu controle sobre este país violento e dividido por meio da marginalização, intimidação ou prisão de seus rivais políticos, muitos deles parte da minoria sunita do Iraque.
Centenas de pessoas foram detidas nos últimos dois meses, prisões visando antigos membros do Partido Baath fora da lei de Saddam Hussein. Nas últimas semanas, as forças de segurança também prenderam pelo menos 30 pessoas ligadas ao ex-primeiro-ministro, Ayad Allawi, um xiita secular e forte crítico de Al Maliki, segundo o escritório de Allawi. E, no domingo, Al Maliki pediu ao Parlamento para que realizasse o voto de não confiança contra seu próprio vice, Saleh al Mutlaq, um sunita propenso a hipérbole que comparou Al Maliki a um ditador em sua entrevista.
“Qualquer político sunita importante parece ser no momento alvo desta campanha de Maliki”, disse Reidar Visser, um especialista em política iraquiana. “Parece que todo muçulmano sunita ou secular corre o risco de ser rotulado como baathista ou terrorista.”
Al Hashimi não costuma ser descrito desse modo. Às vezes abrasivo e sempre voltado para o interesse próprio, ele foi um dos primeiros líderes sunitas a abraçar o processo político após a invasão americana, e perdeu três irmãos para ataques terroristas durante o auge da guerra sectária.
“Ele foi alguém que tentou ser conciliador com os islamitas xiitas em um momento em que outros não eram”, disse Visser. “Agora Maliki está atrás dele.”
Um assessor de Al Hashimi condenou as acusações como uma caça às bruxas. “Isto é um golpe contra todos os parceiros, contra o processo político e contra a Constituição”, disse o assessor, que se identificou apenas como Abu Aya. “Esta é a nova ditadura.”
Qualquer solução parece uma esperança distante. A coalizão Iraqiya, um grande bloco político liderado por Allawi e que inclui Al Hashimi, Al Mutlaq e muitos outros sunitas proeminentes, parou de participar das sessões do Parlamento no sábado. Na segunda-feira, não havia quorum suficiente de parlamentares, de modo que as sessões do Parlamento foram adiadas até 3 de janeiro.
Na noite de segunda-feira, os membros do Iraqiya pediram ao presidente do Curdistão, Massoud Barzani, para intervir e reprisar o papel exercido pelos curdos na união das facções discordantes e na ajuda para solução do longo impasse após as eleições nacionais do ano passado.
O recente tumulto deixou tensa a elite política de Bagdá.
Dentro da Zona Verde cercada de concreto, o coração do governo do Iraque e lar da embaixada americana, proliferavam Humvees e tanques do exército iraquiano. Pelotões recém-reforçados de soldados montavam guarda em cruzamentos, e as forças de segurança foram posicionadas nos limites das instalações de Hashimi e outros líderes sunitas.
“É uma crise atrás da outra”, disse o vice-primeiro-ministro, Al Mutlaq, em uma entrevista. “Nenhum dos partidos políticos deseja que Maliki permaneça no cargo, mas Maliki está controlando tudo. Por meio de sua política, seu exército, suas medidas de segurança. Todo mundo está com medo.”
Após dias insinuando as alegações contra Al Hashimi, o governo iraquiano optou por uma plataforma familiar para expor seu caso: a confissão televisionada. Foram exibidas três confissões de guardas de Al Hashimi, com a promessa de que mais serão apresentadas em breve.
As declarações eram ricas em dados e nomes, mas era impossível verificar qualquer detalhe ou saber se as forças de segurança fizeram uso de ameaça ou força para extrair informações. Em junho, a Anistia Internacional disse que o uso das confissões televisionadas pelo Iraque “mina seriamente o direito a um julgamento justo”.
No primeiro, um homem que se identificava como Abdul Karim Mohammed al Jabouri disse que trabalhava há poucos anos como guarda-costas de Al Hashimi, quando o vice-presidente o abordou a respeito de um novo trabalho importante, mas perigoso. Al Jabouri disse que aceitou.
Ele disse que então passou a receber ordens de um dos subordinados de Al Hashimi. Ele e outros guardas recebiam um telefonema os instruindo para pegar uma bomba improvisada no gabinete de Al Hashimi e então plantá-la em uma rotatória de trânsito movimentada. Outras vezes, eles eram instruídos a assassinar uma autoridade do Ministério das Relações Exteriores usando pistolas com silenciador.
Após um atentado a bomba, disse Al Jabouri, ele voltou ao gabinete de Al Hashimi.
“O vice-presidente ligou para nós para agradecer”, disse Al Jabouri. “Ele nos deu um envelope com dinheiro e eu o agradeci.”
Abu Aya, o assessor de Al Hashimi, disse na noite de segunda-feira que os homens nas confissões em vídeo pareciam ser guardas que trabalharam no gabinete do vice-presidente. Cerca de 10 guardas de Al Hashimi foram presos na semana passada, segundo funcionários de Al Hashimi, do governo e das forças de segurança, e na manhã de segunda-feira, a mais alta corte do Iraque proibiu Al Hashimi de deixar o país enquanto as acusações de terrorismo eram investigadas.
No final da transmissão, o general Adel Daham, um porta-voz do Ministério do Interior, acenou uma folha branca de papel diante dos microfones. Era o mandado de prisão para Al Hashimi, ele disse, assinado por cinco juízes.
“Está bem claro diante de vocês”, ele disse.
Os EUA estaria preparando o terreno para um ataque unilateral ao Irã?
O Secretário de Defesa dos EUA, Leon Edward Panetta, admite a possibilidade de um ataque contra o Irã, que segundo o Pentágono, está a ponto de fabricar uma arma nuclear. Os analistas creem que desse modo, Washington prepara o terreno para uma nova campanha militar no Oriente Médio.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Morte de Kim Jong-il gera "clima de incerteza" na Coreia do Norte
Em um chat, Philippe Mesmer, correspondente do "Le Monde" no Japão,
fala sobre as consequências da morte do dirigente norte-coreano Kim
Jong-il.
Pode-se esperar por uma abertura internacional da Coreia do Norte?
Mesmer: É um pouco cedo para saber. Deve-se esperar primeiro pela sucessão. Kim Jong-un, que deve ascender ao poder normalmente, é jovem, e a priori deverá continuar sob tutela. Ele não terá o poder imediatamente, então as mudanças não deverão ocorrer tão rápido.
Ao mesmo tempo, no ano que vem, 2012, será o centenário do nascimento de Kim Il-sung, o fundador da República Popular Democrática da Coreia, e é um ano importante para os norte-coreanos. Talvez aconteça alguma coisa.
Quais são as consequências imediatas no plano geopolítico da região asiática?
Mesmer: A primeira coisa que se segue a essa morte é um clima de incerteza. Embora ele não fosse um interlocutor privilegiado, ele era um interlocutor "um pouco conhecido". Conhecíamos as posições de Kim Jong-il. Não é garantido que sua sucessão dê certo, há muitas questões para as quais não temos a resposta: como vão reagir a população, o Exército, os dirigentes? Isso não criará divisões dentro da direção do partido ou dentro da direção do Exército? Além disso, Washington, Seul, Paris e Londres reagiram com cautela, pois estão esperando para ver o que vai acontecer.
O que o Exército norte-coreano pensa de Kim Jong-un?
Mesmer: A única coisa que se pode dizer é que Kim Jong-il tomava cuidado com os militares. Então talvez ele tenha uma boa imagem dentro do Exército, o que poderá beneficiar Kim Jong-un.
É possível que o Exército assuma o comando e afaste o “jovem dirigente”?
Mesmer: O problema é que o Exército é um dos pilares do regime na Coreia do Norte, como em todas as ditaduras. Um dirigente certamente não pode se colocar contra ele. Não sei se ele conseguirá assumir as rédeas do país, pois sua estabilidade também depende da dinastia dos Kim, de certa forma. É mais provável que o Exército procure usar Kim Jong-un do que afastá-lo.
O sr. acredita que os estudos do filho de Kim Jong-il na Suíça podem tê-lo tornado mais aberto ao mundo?
Mesmer: O próprio Kim Jong-il estudou no exterior. Ele aprendeu inglês em Malta nos anos 1970. Não acredito que isso seja o que determinará a política a ser seguida por Kim Jong-un. Digamos que talvez ele tenha um melhor conhecimento do mundo exterior.
Como é possível que se tenham tão poucas informações sobre esse filho, apesar de ele ter estudado na Suíça?
Mesmer: Porque se trata da Coreia do Norte! Tudo é tão vigiado, monitorado, fechado, que não se sabem muitas coisas de lá. Ele certamente tinha colegas de classe, mas não se sabe quem eles eram, como eles foram escolhidos – se é que foram.
O sr. acredita que as grandes potências vão tentar exercer pressão sobre o novo dirigente, por mais democracia?
Mesmer: Acho que é preciso lembrar que a Coreia do Norte é um país muito fechado que possui contatos limitados com o exterior e que é pouquíssimo permeável a pressões externas. Até a China, que é sua aliada “tradicional”, tem dificuldades para passar suas mensagens. Então, evidentemente, as grandes potências podem tentar pressionar por mais democracia, mas elas não o fazem, e não é prioridade para elas.
A Coreia do Norte era o braço armado da China. Isso pode colocar em xeque o apoio da China ao país?
Mesmer: Não acredito que se possa dizer que a Coreia do Norte é o braço armado da China. A China não precisa disso. Ela continuará apoiando a Coreia do Norte porque esta serve como uma zona de segurança em relação à Coreia do Sul, e, portanto, aos Estados Unidos, uma vez que há 28 mil soldados americanos na Coreia do Sul. E se a Coreia do Norte entrasse em colapso, esses 28 mil soldados americanos estariam na fronteira chinesa e talvez seriam mais numerosos também. A menos que os coreanos peçam para eles partirem, o que é outra questão. Isso os chineses não querem, certamente.
Digo ainda que no plano econômico, a Coreia do Norte é um país rico em recursos naturais que interessam muito os chineses. Então não é à toa que a China é o principal parceiro comercial da Coreia do Norte. E acho que ela ainda o seria, mesmo se não houvesse sanções internacionais.
No nível comercial, a Coreia do Norte possui indústrias importantes? Ela pode exercer pressões sobre seus vizinhos em caso de necessidade?
Mesmer: Na verdade, a Coreia do Norte não tem meios de pressão econômica. Ela possui uma indústria mineradora, um pouco de indústria pesada, mas é só.
Como a mídia japonesa está recebendo a notícia da morte de Kim Jong-il?
Mesmer: Um pouco como no resto do mundo. A mídia japonesa não é muito expansiva, então o discurso é um pouco o mesmo que se ouve em outros lugares: “É o fim de uma época difícil para os norte-coreanos, esperamos que melhore no futuro”.
Mas ela lembra as brigas que existem entre o Japão e a Coreia do Norte, que são a posição oficial do governo, ou seja, o problema dos sequestros de cidadãos japoneses por agentes de Pyongyang nos anos 1970-1980. O segundo problema é o programa nuclear, e o terceiro são os mísseis, pois os japoneses estão na zona de alcance dos mísseis da Coreia do Norte.
A França possui relações – sobretudo diplomáticas – com a Coreia do Norte?
Mesmer: A França não tem relações diplomáticas com a Coreia do Norte. Ela abriu um escritório de cooperação em Pyongyang em setembro, após uma visita de Jack Lang à Coreia do Norte, que ele havia efetuado a pedido de Nicolas Sarkozy. O objetivo oficial, segundo o Ministério das Relações Exteriores, é trabalhar junto com as ONGs francesas que estão na Coreia do Norte e difundir a cultura francesa. A França espera por um gesto positivo para poder decidir relançar suas relações diplomáticas com a Coreia do Norte. Ela não pode decidir sem mais nem menos, é necessário haver um elemento desencadeador.
“Elemento desencadeador”, de que tipo, por exemplo?
Mesmer: Se a Coreia do Norte abandonar seu programa nuclear ou se houver uma abertura democrática, por exemplo. São elementos políticos que demonstram uma vontade de abertura, uma vontade de sair do isolamento. Uma espécie de mão estendida.
Na sua opinião, qual o futuro das conversas de seis lados [duas Coreias, Rússia, EUA, China e Japão] sobre a questão nuclear?
Mesmer: Até essa manhã, estávamos nos orientando para uma retomada das conversas a seis, uma vez que os americanos e os norte-coreanos devem se encontrar daqui a três dias, em 22 de dezembro, em Pequim, e deverão falar normalmente sobre isso, ou até decidir retomá-las. Havia um certo otimismo, pois há um acordo que deveria ser anunciado hoje pelos americanos que previa a volta do auxílio alimentar para a Coreia do Norte, em troca da suspensão do enriquecimento de urânio por esta última. Talvez nem tudo isso seja perdido, mas pelo menos será suspenso provisoriamente. Não sei como isso vai mudar. Acho que devemos ter pistas após o funeral de Kim Jong-il.
Em que consiste o “luto” decretado pelas autoridades?
Mesmer: O corpo de Kim Jong-il foi transportado para o palácio de Kumsusan, onde jaz seu pai Kim Il-sung. O povo pode visitar seus restos morais até o dia 27 de dezembro. O funeral está previsto para 28 de dezembro, e o luto nacional terminará em 29 de dezembro.
O que pensar desse tiro de míssil de curto alcance?
Mesmer: Não sei por que a Coreia do Norte realizou um teste de míssil. Em Seul, o governo parece dizer que não há ligação com a morte de Kim Jong-il, e não estou longe de pensar como eles.
Um novo conflito entre as duas Coreias é possível depois que Kim Jong-un assumir o poder?
Mesmer: É difícil dizer. Acho que a Coreia do Norte não queria um novo conflito com a Coreia do Sul e continua não querendo. Então, se o governo não se desestabilizar, a princípio, o risco é mínimo.
Após 70 anos de divisão entre as duas Coreias, ainda há esperança de uma reunificação? Agora quase não há ninguém que tenha conhecido uma Coreia “unida”...
Mesmer: Podemos dizer até que faz 160 anos que as pessoas não veem uma Coreia unida e livre, uma vez que, antes da separação, houve a colonização japonesa, que começou oficialmente em 1905.
Evidentemente, uma mudança de regime sempre suscita esperanças. E, de qualquer forma, Kim Jong-un não é Kim Jong-il. Se ele se estabelecer no poder, acabará imprimindo sua própria marca. Inevitavelmente será diferente. Depois, a questão é saber como isso evoluirá.
A esperança de uma reunificação existe, é claro. São coreanos de cada lado do Paralelo 38, e acredito que, do Norte e do Sul, cada coreano lá no fundo espera que um dia a península seja reunificada. Essa continua sendo uma das feridas mais dolorosas da História. Então, sim, ainda há esperanças, e, conhecendo os coreanos, posso dizer que continuará havendo.
E a Rússia, em tudo isso? Ela terá um novo papel? Pode-se esperar por uma nova aliança?
Mesmer: Uma nova aliança é inútil, uma vez que as relações entre a Rússia e a Coreia do Norte não são ruins. Kim Jong-il já encontrou Medvedev diversas vezes. Este ano foi fechado um acordo para a passagem do gasoduto pela Coreia do Norte que viria da Rússia, indo até a Coreia do Norte. As relações entre os dois países são, se não cordiais, pelo menos pragmáticas.
Considerando que a morte de Kim Jong-il já vinha sendo esperada há alguns anos, o sr. não acredita que novas disposições políticas em termos de relações diplomáticas já podem ter sido planejadas, discutidas ou até negociadas com a Coreia do Sul, bem como com outros países envolvidos na região?
Mesmer: Certamente que, a partir do momento em que o processo de sucessão foi iniciado, todos os países interessados – americanos, chineses, japoneses, russos, sul-coreanos – começaram a imaginar possíveis cenários. Mas realmente acredito que a morte de Kim Jong-il surpreendeu. Não acho que tenham sido feitos planos com antecedência.
Haverá consequências diretas (econômicas, demográficas, etc.) desse falecimento sobre a região?
Mesmer: Se a sucessão ocorrer bem, sem incidentes, a princípio nada demais deverá mudar a curto prazo. As duas fronteiras da Coreia do Norte, com a China e com a Rússia ao norte, e ao sul com a Coreia do Sul, a zona desmilitarizada, são extremamente vigiadas. Portanto, um êxodo não me parece possível se não houver uma desestabilização do regime. O mesmo vale para as consequências econômicas, não haverá nenhuma se não houver percalços. Pelo menos não a curto prazo.
Televisão pública norte-coreana mostra corpo de Kim Jong-Il sendo velado em caixão de vidro |
Pode-se esperar por uma abertura internacional da Coreia do Norte?
Mesmer: É um pouco cedo para saber. Deve-se esperar primeiro pela sucessão. Kim Jong-un, que deve ascender ao poder normalmente, é jovem, e a priori deverá continuar sob tutela. Ele não terá o poder imediatamente, então as mudanças não deverão ocorrer tão rápido.
Ao mesmo tempo, no ano que vem, 2012, será o centenário do nascimento de Kim Il-sung, o fundador da República Popular Democrática da Coreia, e é um ano importante para os norte-coreanos. Talvez aconteça alguma coisa.
Quais são as consequências imediatas no plano geopolítico da região asiática?
Mesmer: A primeira coisa que se segue a essa morte é um clima de incerteza. Embora ele não fosse um interlocutor privilegiado, ele era um interlocutor "um pouco conhecido". Conhecíamos as posições de Kim Jong-il. Não é garantido que sua sucessão dê certo, há muitas questões para as quais não temos a resposta: como vão reagir a população, o Exército, os dirigentes? Isso não criará divisões dentro da direção do partido ou dentro da direção do Exército? Além disso, Washington, Seul, Paris e Londres reagiram com cautela, pois estão esperando para ver o que vai acontecer.
O que o Exército norte-coreano pensa de Kim Jong-un?
Mesmer: A única coisa que se pode dizer é que Kim Jong-il tomava cuidado com os militares. Então talvez ele tenha uma boa imagem dentro do Exército, o que poderá beneficiar Kim Jong-un.
É possível que o Exército assuma o comando e afaste o “jovem dirigente”?
Mesmer: O problema é que o Exército é um dos pilares do regime na Coreia do Norte, como em todas as ditaduras. Um dirigente certamente não pode se colocar contra ele. Não sei se ele conseguirá assumir as rédeas do país, pois sua estabilidade também depende da dinastia dos Kim, de certa forma. É mais provável que o Exército procure usar Kim Jong-un do que afastá-lo.
O sr. acredita que os estudos do filho de Kim Jong-il na Suíça podem tê-lo tornado mais aberto ao mundo?
Mesmer: O próprio Kim Jong-il estudou no exterior. Ele aprendeu inglês em Malta nos anos 1970. Não acredito que isso seja o que determinará a política a ser seguida por Kim Jong-un. Digamos que talvez ele tenha um melhor conhecimento do mundo exterior.
Como é possível que se tenham tão poucas informações sobre esse filho, apesar de ele ter estudado na Suíça?
Mesmer: Porque se trata da Coreia do Norte! Tudo é tão vigiado, monitorado, fechado, que não se sabem muitas coisas de lá. Ele certamente tinha colegas de classe, mas não se sabe quem eles eram, como eles foram escolhidos – se é que foram.
O sr. acredita que as grandes potências vão tentar exercer pressão sobre o novo dirigente, por mais democracia?
Mesmer: Acho que é preciso lembrar que a Coreia do Norte é um país muito fechado que possui contatos limitados com o exterior e que é pouquíssimo permeável a pressões externas. Até a China, que é sua aliada “tradicional”, tem dificuldades para passar suas mensagens. Então, evidentemente, as grandes potências podem tentar pressionar por mais democracia, mas elas não o fazem, e não é prioridade para elas.
A Coreia do Norte era o braço armado da China. Isso pode colocar em xeque o apoio da China ao país?
Mesmer: Não acredito que se possa dizer que a Coreia do Norte é o braço armado da China. A China não precisa disso. Ela continuará apoiando a Coreia do Norte porque esta serve como uma zona de segurança em relação à Coreia do Sul, e, portanto, aos Estados Unidos, uma vez que há 28 mil soldados americanos na Coreia do Sul. E se a Coreia do Norte entrasse em colapso, esses 28 mil soldados americanos estariam na fronteira chinesa e talvez seriam mais numerosos também. A menos que os coreanos peçam para eles partirem, o que é outra questão. Isso os chineses não querem, certamente.
Digo ainda que no plano econômico, a Coreia do Norte é um país rico em recursos naturais que interessam muito os chineses. Então não é à toa que a China é o principal parceiro comercial da Coreia do Norte. E acho que ela ainda o seria, mesmo se não houvesse sanções internacionais.
No nível comercial, a Coreia do Norte possui indústrias importantes? Ela pode exercer pressões sobre seus vizinhos em caso de necessidade?
Mesmer: Na verdade, a Coreia do Norte não tem meios de pressão econômica. Ela possui uma indústria mineradora, um pouco de indústria pesada, mas é só.
Como a mídia japonesa está recebendo a notícia da morte de Kim Jong-il?
Mesmer: Um pouco como no resto do mundo. A mídia japonesa não é muito expansiva, então o discurso é um pouco o mesmo que se ouve em outros lugares: “É o fim de uma época difícil para os norte-coreanos, esperamos que melhore no futuro”.
Mas ela lembra as brigas que existem entre o Japão e a Coreia do Norte, que são a posição oficial do governo, ou seja, o problema dos sequestros de cidadãos japoneses por agentes de Pyongyang nos anos 1970-1980. O segundo problema é o programa nuclear, e o terceiro são os mísseis, pois os japoneses estão na zona de alcance dos mísseis da Coreia do Norte.
A França possui relações – sobretudo diplomáticas – com a Coreia do Norte?
Mesmer: A França não tem relações diplomáticas com a Coreia do Norte. Ela abriu um escritório de cooperação em Pyongyang em setembro, após uma visita de Jack Lang à Coreia do Norte, que ele havia efetuado a pedido de Nicolas Sarkozy. O objetivo oficial, segundo o Ministério das Relações Exteriores, é trabalhar junto com as ONGs francesas que estão na Coreia do Norte e difundir a cultura francesa. A França espera por um gesto positivo para poder decidir relançar suas relações diplomáticas com a Coreia do Norte. Ela não pode decidir sem mais nem menos, é necessário haver um elemento desencadeador.
“Elemento desencadeador”, de que tipo, por exemplo?
Mesmer: Se a Coreia do Norte abandonar seu programa nuclear ou se houver uma abertura democrática, por exemplo. São elementos políticos que demonstram uma vontade de abertura, uma vontade de sair do isolamento. Uma espécie de mão estendida.
Na sua opinião, qual o futuro das conversas de seis lados [duas Coreias, Rússia, EUA, China e Japão] sobre a questão nuclear?
Mesmer: Até essa manhã, estávamos nos orientando para uma retomada das conversas a seis, uma vez que os americanos e os norte-coreanos devem se encontrar daqui a três dias, em 22 de dezembro, em Pequim, e deverão falar normalmente sobre isso, ou até decidir retomá-las. Havia um certo otimismo, pois há um acordo que deveria ser anunciado hoje pelos americanos que previa a volta do auxílio alimentar para a Coreia do Norte, em troca da suspensão do enriquecimento de urânio por esta última. Talvez nem tudo isso seja perdido, mas pelo menos será suspenso provisoriamente. Não sei como isso vai mudar. Acho que devemos ter pistas após o funeral de Kim Jong-il.
Em que consiste o “luto” decretado pelas autoridades?
Mesmer: O corpo de Kim Jong-il foi transportado para o palácio de Kumsusan, onde jaz seu pai Kim Il-sung. O povo pode visitar seus restos morais até o dia 27 de dezembro. O funeral está previsto para 28 de dezembro, e o luto nacional terminará em 29 de dezembro.
O que pensar desse tiro de míssil de curto alcance?
Mesmer: Não sei por que a Coreia do Norte realizou um teste de míssil. Em Seul, o governo parece dizer que não há ligação com a morte de Kim Jong-il, e não estou longe de pensar como eles.
Um novo conflito entre as duas Coreias é possível depois que Kim Jong-un assumir o poder?
Mesmer: É difícil dizer. Acho que a Coreia do Norte não queria um novo conflito com a Coreia do Sul e continua não querendo. Então, se o governo não se desestabilizar, a princípio, o risco é mínimo.
Após 70 anos de divisão entre as duas Coreias, ainda há esperança de uma reunificação? Agora quase não há ninguém que tenha conhecido uma Coreia “unida”...
Mesmer: Podemos dizer até que faz 160 anos que as pessoas não veem uma Coreia unida e livre, uma vez que, antes da separação, houve a colonização japonesa, que começou oficialmente em 1905.
Evidentemente, uma mudança de regime sempre suscita esperanças. E, de qualquer forma, Kim Jong-un não é Kim Jong-il. Se ele se estabelecer no poder, acabará imprimindo sua própria marca. Inevitavelmente será diferente. Depois, a questão é saber como isso evoluirá.
A esperança de uma reunificação existe, é claro. São coreanos de cada lado do Paralelo 38, e acredito que, do Norte e do Sul, cada coreano lá no fundo espera que um dia a península seja reunificada. Essa continua sendo uma das feridas mais dolorosas da História. Então, sim, ainda há esperanças, e, conhecendo os coreanos, posso dizer que continuará havendo.
E a Rússia, em tudo isso? Ela terá um novo papel? Pode-se esperar por uma nova aliança?
Mesmer: Uma nova aliança é inútil, uma vez que as relações entre a Rússia e a Coreia do Norte não são ruins. Kim Jong-il já encontrou Medvedev diversas vezes. Este ano foi fechado um acordo para a passagem do gasoduto pela Coreia do Norte que viria da Rússia, indo até a Coreia do Norte. As relações entre os dois países são, se não cordiais, pelo menos pragmáticas.
Considerando que a morte de Kim Jong-il já vinha sendo esperada há alguns anos, o sr. não acredita que novas disposições políticas em termos de relações diplomáticas já podem ter sido planejadas, discutidas ou até negociadas com a Coreia do Sul, bem como com outros países envolvidos na região?
Mesmer: Certamente que, a partir do momento em que o processo de sucessão foi iniciado, todos os países interessados – americanos, chineses, japoneses, russos, sul-coreanos – começaram a imaginar possíveis cenários. Mas realmente acredito que a morte de Kim Jong-il surpreendeu. Não acho que tenham sido feitos planos com antecedência.
Haverá consequências diretas (econômicas, demográficas, etc.) desse falecimento sobre a região?
Mesmer: Se a sucessão ocorrer bem, sem incidentes, a princípio nada demais deverá mudar a curto prazo. As duas fronteiras da Coreia do Norte, com a China e com a Rússia ao norte, e ao sul com a Coreia do Sul, a zona desmilitarizada, são extremamente vigiadas. Portanto, um êxodo não me parece possível se não houver uma desestabilização do regime. O mesmo vale para as consequências econômicas, não haverá nenhuma se não houver percalços. Pelo menos não a curto prazo.
Redução estratégica de armas nucleares aumenta disparidades entre EUA e Rússia
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, e Medvedev, presidente da Rússia, se cumprimentam ao assinarem o New START em 8 de abril de 2010, em Praga, Capital da República Tcheca |
Em setembro de 1991, o presidente George H.W. Bush anunciou uma série de medidas amplas, reformando fundamentalmente o arsenal nuclear norte-americano. Uma delas pedia para que todas as armas nucleares da força-tática em solo dos EUA voltassem das bases no exterior e fossem desmontadas. Da mesma forma, todas as armas nucleares táticas em navios e submarinos de ataque, bem como todas as associadas a aviões de guerra baseados em terra, deveriam ser retiradas.
Oito dias depois, o presidente Mikhail Gorbachev reciprocou, declarando que passos similares seriam tomados em relação às forças nucleares soviéticas. Como resultado dessas chamadas Iniciativas Nucleares Presidenciais, ou PNIs (na sigla em inglês), milhares de armas nucleares de ambos os lados foram por fim retiradas de serviço e em alguns casos eliminadas – tudo baseado em ações unilaterais e paralelas, e sem nenhum tratado de controle de armas.
Os presidentes Bush e Gorbachev conseguiram ultrapassar o longo processo de um tratado em grande parte por causa das mudanças significativas que estavam acontecendo na época. Um ano antes, a Alemanha havia sido reunida e o Pacto de Varsóvia havia se desfeito. No mês anterior ao anúncio dos PNIs, os linha-dura da União Soviética tentaram um golpe contra o regime de Gorbachev, levantando sérias dúvidas sobre quem estava de fato encarregado do país e de seu vasto estoque de armas nucleares. As crises criam oportunidades para ações ousadas; ambos os presidentes aproveitaram o momento.
Agora, 20 anos mais tarde, o tema da redução tática de armas nucleares voltou à tona. Ao assinar o Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas em abril de 2010, o presidente Obama anunciou que os Estados Unidos tinham a intenção de reduzir ainda mais todas as categorias de armas nucleares – incluindo, desta vez, as ogivas nucleares táticas e de reserva. Ao votar para aprovar o tratado, o Senado norte-americano pediu negociações com a Rússia para lidar com a disparidade entre as armas nucleares táticas norte-americanas e russas e para reduzir essas armas de uma forma verificável.
A amplitude específica dessa disparidade é uma questão a ser debatida. Nem os Estados Unidos nem a Rússia revelaram publicamente o número e localização das armas nucleares táticas que possuem.
As estimativas não oficiais variam muito. O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos em Londres atribui 500 ogivas operacionais aos Estados Unidos, com menos de metade dessas prontas para o uso na Europa. O relatório de 2009 da Comissão de Postura Estratégica Norte-Americana, bipartidária, citou relatos de que a Rússia tem 3.800 ogivas nucleares táticas operacionais, além de inúmeras em reserva. Embora outros ofereçam estimativas diferentes, as armas russas superam claramente as dos EUA por uma margem muito grande.
À medida que os Estados Unidos e a Rússia continuam reduzindo as armas nucleares estratégicas de longa distância para níveis cada vez menores, essa disparidade em armas nucleares táticas fica cada vez maior, com implicações potencialmente sérias para o equilíbrio nuclear entre os dois países e a contínua eficácia do guarda-chuva nuclear dos EUA para seus aliados.
Além disso, a doutrina militar russa e as declarações públicas de altos funcionários russos sugerem que Moscou dá bastante valor a uma grande força nuclear tática para defesa e a potencial escalada de conflitos militares.
Negociar uma redução em armas nucleares táticas e de reserva não será fácil. Há sérios desafios técnicos para verificar o cumprimento de uma tal redução, e as diferenças entre os EUA e a Rússia numa série de temas estratégicos, especialmente na defesa por mísseis, nubla as perspectivas de "chegar a um sim" nas negociações formais em breve.
Há, entretanto, algumas questões mal resolvidas em relação aos PNIs de 20 anos atrás que ambos os governos poderiam rever agora para ajudar a estabelecer a base para conversas futuras.
O governo norte-americano tem sido bastante aberto em relação aos passos tomados para implementar os PNIs. Num dia depois do anúncio de Bush, o Pentágono ofereceu um relato bastante detalhado do número e dos tipos de armas nucleares táticas norte-americanas de prontidão no exterior e em seus navios. Mais recentemente, em maio de 2010, os Estados Unidos divulgaram o tamanho de seu estoque de armas nucleares para cada ano desde 1962, bem como o número específico de armas desmontadas anualmente desde 1994.
Os russos foram bem menos diretos. Como resultado, existem questões sérias quase que desde o início em relação a implementação russa dos PNIs, bem como sobre o papel das armas nucleares táticas em sua estratégia militar.
Por outro lado, os Estados Unidos e a Rússia se acostumaram a compartilhar informações consideráveis sobre suas forças nucleares estratégicas de longo alcance. Durante anos, eles rotineiramente trocaram e atualizaram informações sobre a disposição de bombardeiros e mísseis de capacidade nuclear de reserva. Processos similares poderiam ser aplicados aos tipos e números de sistemas nucleares táticos afetados pelos PNIs. Dúvidas persistentes sobre a implementação dos PNIs seriam reduzidas; o relacionamento como um todo se beneficiaria de uma maior abertura.
O próximo passo lógico seria que ambos os países revelassem, numa base recíproca, a localização, os tipos e números das armas nucleares táticas que ainda existem. Isso não deveria causar muitos problemas para os Estados Unidos e seus aliados; há anos existem relatos bem informados sobre as armas norte-americanas de prontidão. Mas revelar esses dados pode ser difícil para a Rússia, dada sua tendência ao segredo e os riscos políticos de confirmar que ela de fato possui um número bem maior dessas armas.
Se essas dificuldades puderem ser superadas, esses dois passos melhorariam a transparência e a confiança mútua. No processo, eles poderiam abrir caminho para negociações futuras de redução tanto das armas nucleares táticas quanto das de reserva.
* Frank Klotz é membro sênior do Conselho de Relações Exteriores. Susan Koch é consultora independente. Franklin Miller é diretor do Scowcroft Group. Todos eles atuaram em altos cargos do Departamento de Defesa dos EUA e na equipe do Conselho Nacional de Segurança
Palestina é ou não um Estado?
Bandeira da Palestina é hasteada pela primeira vez na sede da Unesco |
Os norte-americanos se acostumaram às concessões quadrieniais que afligem aqueles que concorrem à presidência. E nenhuma concessão é tão efusiva e excessiva quanto o apoio perene expresso em relação a qualquer coisa que Israel possa querer ou fazer. Isso é especialmente verdadeiro entre republicanos que esperam conquistar o apoio judeu, que tradicionalmente inclina-se para o Partido Democrata.
A cada quatro anos ouvimos candidatos presidenciais dizer que a primeira coisa que farão no Salão Oaval é mudar a Embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém. Mas quando qualquer um desses sionistas oportunistas de fato chega à Casa Branca, eles aderem à antiga fórmula de que o status de Jerusalém deve ser negociado entre as partes.
Mas quando o possível candidato à presidência Newt Gingrich disse recentemente que os palestinos eram "um povo inventado", o ex-porta-voz da Câmara fez algo inovador. Indo além de qualquer posição oficial do governo de Israel, Gingrich insinuou que os palestinos não têm direito a um país próprio. Até Benjamin Netanyahu, que criou obstáculos intermináveis para impedir a criação de um estado palestino, já declarou ser a favor dela.
O que é interessante é o quanto o pensamento de Gingrich é antigo. Orgulhando-se de ter sido professor de história, Gingrich ancora seu argumento dizendo: "lembre-se, não havia uma Palestina enquanto estado. Ela era parte do Império Otomano. E acho que temos um povo palestino inventado, que na verdade é composto por árabes que historicamente faziam parte da comunidade árabe. E eles tiveram uma chance para ir para muitos lugares."
Por esse padrão, os iraquianos, jordanianos e libaneses também são povos inventados, e estabeleceram nações próprias só depois da separação do império Otomano, e como resultado do colonialismo europeu.
Gingrich tem razão que nunca existiu um estado chamado Palestina. O termo "Palestina", na época otomana, incluía o que hoje é Israel, a Cisjordânia e Gaza, bem como uma parte do Líbano. O "Mandato Palestino" da Inglaterra incluía o que hoje é a Jordânia, também, até que os britânicos desenharam uma linha no Rio Jordão e chamaram seu território ao leste de Transjordânia – a Jordânia de hoje.
Enquanto a Declaração de Balfour de 1917, que levou o nome do secretário de exterior britânico Arthur Balfour, prometia uma terra judia na Palestina, desde que ela não "prejudicasse os direitos civis e religiosos das comunidades existentes não judias", ninguém nunca consultou os árabes da Palestina. O primeiro-ministro Lloyd George falou sobre ela com líderes árabes que lutavam ao lado da Inglaterra. Mas ele disse que não poderia entrar em contato com os árabes palestinos, uma vez que eles estavam lutando contra a Inglaterra - presumivelmente por participarem do Exército Otomano da época, ou por morarem em território controlado pelos otomanos.
Mais tarde, judeus palestinos que fizeram parte do exército britânico na 2ª Guerra Mundial escreveram "Palestina" em seus uniformes.
Um antigo argumento sionista costumava dizer que os judeus da palestina eram civilizados e modernos, enquanto os árabes eram mais primitivos e não tinham as qualificações para ter um estado. Lembro de uma revista Life de 1946 que dizia: “O árabe palestino é separado do judeu palestino não só pela religião mas por uma diferença de séculos. A maioria dos judeus emigrou para a Palestina de países industriais modernos. Os árabes ainda estão tentando sair do medievalismo”. O pecado original dos árabes foi não aceitar a divisão da Palestina da ONU, como os judeus fizeram com David Ben-Gurion.
De fato, depois que Israel tomou a Cisjordânia e Gaza em 1967 houve israelitas que disseram que a Cisjordânia nunca pertenceu legalmente à Jordânia, tendo sido capturada para desafiar resoluções da ONU sobre como a Palestina deveria ser dividida entre árabes e judeus. Assim, os territórios ocupados pertenciam tanto a Israel quanto a qualquer um. Lembro de Golda Meir me dizendo que os palestinos eram apenas árabes palestinos, não um povo separado com direitos. E havia outros que pensavam que os árabes palestinos deveriam sair para outros países árabes, como diz Gingrich. Seguidores de Ariel Sharon costumavam dizer que a Jordânia é a Palestina.
Mas os tempos mudaram, e as atitudes também – embora, aparentemente, não para Newt Gingrich. Sempre me impressionou como o nacionalismo palestino cresceu como uma imagem especular do nacionalismo israelense. Os palestinos anseiam, como Menachem Begin escreveu uma vez sobre os judeus, por ser um “povo livre... em seu próprio país”.
Os palestinos se tornaram um povo histórico, e acredito que a maioria dos israelenses aceita isso, e ficariam felizes com uma solução de dois estados se sua segurança puder ser garantida.
Gingrich pode se qualificar como um homem para o passado. Mas para o futuro? Ou mesmo para o presente?
Com 51 anos de atraso, Espanha reconhece primeira vítima de terrorismo no país
Acima os inconfundíveis milantes do ETA |
Mais de 51 anos tiveram que se passar para que o governo espanhol reconhecesse que Begonia Urroz Ibarrola, de apenas 22 meses, foi a primeira vítima do terrorismo na Espanha desde o fim da Guerra Civil. Isso acaba de ser feito pelo Ministério do Interior, que entrou em acordo para conceder uma indenização de 250 mil euros, segundo confirmaram fontes do departamento dirigido por Antonio Camacho.
A menina inaugurou assim uma trágica lista na qual até hoje estão os nomes de mais de mil pessoas, assassinadas pelo ETA, os Comandos Autônomos Anticapitalistas, os GRAPO, os GAL, o terrorismo islâmico, diversos grupos de ultradireita e outras organizações e grupos já desaparecidos.
A pequena Begonia morreu em 27 de junho de 1960 como consequência da explosão de uma maleta incendiária depositada em um dos armários guarda-volumes da estação de Amara, em San Sebastian. O atentado, que teve pouca repercussão social, só mereceu nos jornais da época uma breve nota do Ministério da Governança na qual dava conta da explosão de cinco artefatos: um num furgão do trem-correio Barcelona-Mari, entre os municípios de Quinto e Pina de Ebro, e os outros quatro em outros guarda-volumes de Barcelona, Madri e San Sebastian (um na estação do Norte e outro na de Amara).
O de Amara foi o mais grave de uma série de atentados incomum até então sob a férrea ditadura do general Francisco Franco. Além de Begonia, que sofreu queimaduras em 90% de seu corpo, também ficaram feridos pelo mesmo artefato o estudante Valeriano Bakaikoa Azurmendi, de 15 anos, que voltava a San Sebastian depois de passar uns dias de férias com familiares em Renteria; a encarregada do guarda-volumes, Soledad Arruti, de 60 anos; Pascual Ibanez Martin, de 29; Francisco Sanchez Bravo, de 42, e Maria Garcia Moras, de 49.
Durante meio século, Juan Urroz, um funcionário na fábrica de eletrodomésticos Moulinex, e sua esposa Jesusa Ibarrola digeriram sua dor com descrição, sem ajuda e em silêncio. Um silêncio que Jesusa rompeu pela primeira vez em janeiro do ano passado, quando, já octogenária, aceitou falar com o El País.
"Nós estávamos convencidos de que a bomba de Amara foi colocada por alguém do ETA. E muita gente também pensava isso. Mas era algo do que ninguém falava. Naqueles anos, ninguém falava dessas coisas", disseram Jon e Begonia, irmãos da menina assassinada. O ETA, que naquela época tinha apenas um ano de existência, nunca reivindicou a autoria do atentado. Há estudiosos que imputam a explosão de Amara, bem como outras que aconteceram na mesma época, ao Diretório Revolucionário Ibérico da Libertação (DRIL), de ideologia anarquista.
Nenhuma autoridade nunca entrou em contato com os Urroz, exceto no ato do funeral, para oferecer ajuda. Eles tampouco pediram nada a ninguém. Só contrataram há alguns anos um advogado para que cuidasse do assunto, mas não conseguiram nada, acabaram se cansando e desistiram de tudo.
Entretanto, logo depois da história esquecida ser publicada, a Direção Geral de Apoio a Vítimas do Terrorismo entrou em contato com a família Urroz. Ofereceu a eles as indenizações previstas pela legislação. "Falaram conosco e sei que solicitaram uma série de documentos para minha mãe poder receber esse tipo de benefício", conta Jon Urroz.
Em setembro passado, o Parlamento aprovou a Lei de Reconhecimento e Proteção Integral às Vítimas do Terrorismo. O artigo 7 dessa lei estabelece que será de aplicação aos atos terroristas cometidos desde 1º de janeiro de 1960, com a intenção de poder incluir entre os prejudicados a família de Begonia Urroz. Até então, ele estava aplicado a uma lei de 1999, que contemplava os afetados pelo terrorismo desde 7 de junho de 1968, data em que morreu assassinado o guarda civil José Pardines, considerado a primeira vítima do ETA.
O expediente aberto pelo caso Begonia Urroz exigiu vários meses de tramitação. Por fim, José Manuel Rodríguez Uries, diretor-geral de Apoio a Vítimas do Terrorismo, assinou esta semana a concessão de uma indenização de 250 mil euros. Para o governo, não importa qual organização foi responsável pela bomba que matou a menina. Basta saber que, à luz das investigações policiais, está claro que ela foi vítima de um atentado desse tipo, independentemente de seu autor ser o ETA, o DRIL ou outro grupo desconhecido.
"Não sei nada sobre o Interior ter aprovado a indenização. Acredito que minha mãe também não comunicou nada. Mas se é como você está dizendo, suponho que não demorarão a nos dizer", declarou Jon Urroz. "O dinheiro é secundário. O que nós desejamos é que essa situação não tivesse acontecido e que minha irmã não tivesse morrido", acrescentou.
A indenização será recebida por Jesusa Ibarrola, a octogenária mãe da menina, moradora de Lasarte (Guipúzcoa), que recentemente sofreu vários infartos. Seu marido morreu em 2008. "Para nós, o dinheiro não faz falta. Não sei o que minha mãe fará. Ela é muito religiosa e está voltada para ações beneficentes. Tenho ouvido que se lhe dessem algo, ela doaria tudo ou uma parte para organizações de caridade vinculadas à Igreja", explica Jon Urroz.
O dia 27 de junho, a data em que a menina foi assassinada, ficou instituída como Dia de Homenagem às Vítimas do Terrorismo. Desde o ano passado, a Câmara dos Deputados celebra essa data com uma sessão solene com o objetivo de "perpetuar a memória das vítimas na memória coletiva dos espanhóis".
No ano passado, o tributo foi celebrado pela primeira vez, presidido pelos reis. Don Juan Carlos pronunciou um discurso no qual, entre outras coisas, disse: "todo nosso carinho, respeito e solidariedade para as vítimas e seus próximos para fazer com que eles sintam – hoje e sempre – nossa proximidade de seus corações. Para dizer-lhes que toda Espanha está e estará em todo momento com elas". Durante 50 anos, a família Urroz não sentiu esse carinho nem essa solidariedade, mas só solidão.