Ao longo das últimas duas semanas, três juízes federais dos Estados Unidos emitiram decisões judiciais sobre a legitimidade do tratamento violento que recentemente tem sido dispensado aos detentos da prisão Baía de Guantánamo, em Cuba. Em circunstâncias normais, duas dessas sentenças representariam uma vitória retumbante para os detentos. Mas, em Guantánamo, nada é "normal".
As decisões judiciais começaram a ser emitidas em 8 de julho, quando a juíza Gladys Kessler opinou que a alimentação forçada dos detentos que estavam em greve de fome é "dolorosa, humilhante e degradante" --o que equivale a dizer, precisamente, aquilo que os prisioneiros e seus advogados vem afirmando há meses. Ela desdenhou da argumentação do governo, segundo a qual os detentos estavam recebendo "assistência médica oportuna, compassiva e de qualidade".
Três dias depois, Royce C. Lamberth, juiz que preside o Tribunal Distrital dos EUA no Distrito de Columbia, determinou que os guardas da prisão teriam que parar de tocar os genitais dos prisioneiros como parte dos novos e mais rígidos protocolos de revista. Desde o início deste ano, as reuniões e até mesmo os telefonemas entre os presos e seus advogados tinham que acontecer fora do "acampamento" do prisioneiro. Isso significava que os presos tinham que ser revistados de maneira ofensiva tanto na ida quanto na volta desses encontros com seus advogados. Como muitos detentos apresentavam objeções religiosas em relação às revistas genitais, eles estavam se recusando a falar com seus advogados.
A terceira decisão judicial, emitida em 16 de julho passado pela juíza Rosemary Collyer, do Tribunal Distrital dos EUA, discorda da decisão de Kessler. Collyer escreveu que a alimentação forçada é um tratamento humanitário e que os prisioneiros "não têm o direito de cometer suicídio".
Será que alguma coisa mudou como resultado das opiniões de Kessler e Lamberth? Não.
Apesar de sua óbvia consternação em relação ao tratamento concedido aos prisioneiros, Kessler concluiu que não tem capacidade para fazer nada a respeito da situação, pois, segundo ela, o Judiciário não tem autoridade para intervir nas condições de encarceramento dos presos.
Lamberth, por outro lado, decidiu que tem o direito de intervir. E essa decisão se deve a uma sentença emitida pela Suprema Corte em 2008, segundo a qual os detentos têm o direito de contestar a legalidade de sua detenção. E, para fazer valer esse direito, obviamente, eles precisam ter acesso a advogados --não que isso os ajude muito: o Tribunal de Segunda Instância do Distrito de Columbia emitiu uma sentença que impossibilita a obtenção de habeas corpus por parte dos prisioneiros.
Alguns dias depois, quando um advogado tentou fazer com que o Departamento de Defesa cumprisse a decisão de Lamberth --ele havia marcado uma ligação telefônica com um cliente e não queria que os órgãos genitais do prisioneiro fossem revistados--, ele foi informado pelo governo que o Departamento de Defesa simplesmente não cumpriria a ordem. Logo depois, o governo solicitou uma "liminar administrativa" para a sentença de Lamberth. Isso significa que o governo pretendia que o tribunal de segunda instância retardasse a aplicação da sentença do juiz até que pudesse solicitar uma liminar normal. Como de costume, o tribunal de segunda instância fez o que o governo queria.
E assim segue a vida na Baía de Guantánamo. Os advogados que representam os prisioneiros apresentam moção atrás de moção, recurso atrás de recurso. E esses instrumentos legais não os levam a lugar nenhum. Com a exceção daquela única decisão de 2008 da Suprema Corte --que foi sistematicamente minada pelo tribunal de segunda instância--, o sistema judicial dos EUA tem optado por não lidar com o problema que a prisão de Guantánamo representa para o país. Se os prisioneiros um dia terão chance de obter alguma ajuda, essa ajuda terá que vir de outro lugar.
Como já mencionei anteriormente, cerca de 86 dos 166 detidos na Baía de Guantánamo foram "inocentados" por uma comissão constituída por autoridades da área de segurança nacional dos EUA, o que significa que eles poderiam deixar a prisão amanhã sem qualquer ameaça à segurança nacional. Recentemente, o governo enviou cartas a vários advogados para informar que seus clientes seriam chamados em breve por um conselho de revisão que iria determinar se eles poderiam ser incluídos nessa lista. Embora os próprios detentos tenham, em grande parte, perdido as esperanças de um dia saírem da prisão --daí a greve de fome--, um de seus advogados, David Remes, disse: "Eu continuo dizendo a eles que é muito melhor estar no Grupo A do que no Grupo B".
A verdade é que há uma única pessoa capaz de tirá-los da cadeia amanhã --se assim quisesse essa pessoa. Essa mesma pessoa também poderia impedir as forças armadas de alimentar os prisioneiros a força. Eu estou me referindo, naturalmente, ao presidente Barack Obama. Ainda assim, apesar de criticar a prisão de Guantánamo, o presidente se recusou a fazer qualquer coisa além de ficar de braços cruzados e assistir aos militares infligindo dor e sofrimento desnecessários aos presos --e grande parte desses flagelos recaem sobre homens que simplesmente não deveriam estar lá. Na verdade, em muitos dos pareceres legais apresentados em nome dos prisioneiros de Guantánamo, o réu é Barack Obama.
"O Artigo 2º, Seção 2, da Constituição dispõe que '[o] Presidente é o comandante-em-chefe do Exército e da Marinha dos Estados Unidos", escreveu Kessler em seu pesaroso, mas eloquente, parecer.
Ansiamos pelo dia em que o presidente finalmente desempenhará seu papel à altura.
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