quarta-feira, 24 de julho de 2013

Donos de ateliê onde Picasso criou "Guernica" querem usar espaço em Paris para aluguel

É um desses palacetes cheios de história, muito comuns em Paris, e cujo enorme legado só é denunciado, em parte, por uma discreta placa situada na entrada: "Pablo Picasso viveu neste edifício de 1936 a 1955 e aqui pintou "Guernica" em 1937". Ao se completarem 40 anos da morte do pintor, o futuro do edifício está no ar.

Os proprietários querem reformá-lo e alugá-lo para um novo inquilino. A associação que zelou pela memória do lugar na última década o ocupava de forma gratuita e deve deixá-lo até 26 de julho. Seus representantes denunciam que o futuro do ateliê está em perigo e afirmam ter recorrido a um herdeiro do artista para poder recuperar o lugar. Embora um acordo possa ser anunciado no final deste mês, por enquanto a ordem de despejo continua em vigor.

Picasso instalou-se no sótão do palacete de Savoie em 1936, recomendado por seu inquilino anterior, o ator e diretor de teatro Jean-Louis Barrault. Este viveu ali nos três anos precedentes e criou sua primeira companhia, batizada de Grenier des Grands-Augustins (Celeiro dos Grands-Augustins) devido ao nome da rua em que se encontra. Balzac também situou aqui a ação de uma de suas novelas, "A Obra-Prima Ignorada", que Picasso apreciava especialmente. Um detalhe que acabou de convencê-lo. "Assim, em vez da obra-prima ignorada, pintaria a obra-prima bem conhecida", resumiu em suas "Conversas com Picasso" (1964) o fotógrafo Brassaï.

O poeta Jacques Prévert criou ali seu grupo Outubro, e os surrealistas eram frequentadores habituais. "Era uma República ideal", conta o próprio Barrault no livro "Souvenirs pour Demain" (1972) [Lembranças para amanhã].

A coisa mudou com o despejo de Picasso em 1955. O edifício, propriedade da Câmara dos Oficiais de Justiça de Paris desde 1925, foi mantido para o uso da entidade profissional e o ateliê serviu durante décadas como depósito de papéis. Em 2002 foi assinado um acordo com o Comitê Nacional de Educação Artística (CNEA), associação cultural privada dedicada à divulgação artística, pelo qual lhe cedia o espaço do ateliê em troca de que este o reformasse.

"Estava abandonado e o reformamos totalmente, respeitando seu estado original", explica Alain Casabona, delegado geral do CNEA.

A sala principal conserva o aspecto inicial, com vigas no teto. Em uma delas está pregado o gancho no qual, segundo Picasso (parece que usando muita imaginação), foi pendurado e torturado Ravaillac, o assassino de Henrique 4º, enquanto Luís 13 era entronizado no andar térreo (o rei assumiu efetivamente a coroa a pequena distância do lugar).

Ao lado do ateliê, ao qual se chega por pequenas escadas, o quarto de Picasso abriga hoje um sofá e um pequeno escritório, separado por uma parede construída posteriormente do escritório da associação. Entre fotos e desenhos, originais e cópias, aparecem algumas joias inesperadas, como a bandeira francesa que Ernest Hemingway trouxe das barricadas e presenteou ao pintor espanhol no dia da libertação de Paris, em 1944.

O acordo com o CNEA venceu em 2010, e agora a Câmara de Oficiais de Justiça prevê realizar obras de restauração no valor de 5 milhões de euros. A intenção dos proprietários é alugar mais tarde o conjunto do edifício.

"O ateliê não está em perigo, e a vida da associação não tem nada a ver com a do estúdio", afirma por sua parte Alexandra Romano, do serviço de comunicação da Câmara de Oficiais de Justiça. "É preciso realizar obras de restauração em todo o edifício, e a realidade econômica faz que a Câmara, que durante dez anos cedeu gratuitamente um espaço de 250 m2 a esta associação privada, não pode se permitir manter esse mecenato", explica. "Estão ocupando há anos. Têm que sair."

O CNEA afirma que a Câmara está em negociações com um herdeiro de Picasso, cujo nome não quer revelar para não pôr em risco o acordo. Este estaria disposto a alugar o imóvel em seu conjunto e manter a atividade da associação no ateliê. Enquanto isso, a associação tem a data de despejo marcada para 26 de julho. O subprefeito do 6º distrito de Paris, Jean-Pierre Lecoq, enviou na sexta-feira passada uma carta à ministra da Cultura, Aurélie Filipetti, pedindo a classificação do prédio como "lugar de memória". O presidente François Hollande pediu que a ministra cuide de forma prioritária da sorte do edifício.

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