terça-feira, 18 de junho de 2013

A tempestade alemã diante de Obama: privacidade x vigilância

A Alemanha normalmente é um lugar acolhedor para os líderes americanos. Mas o presidente Barack Obama enfrentará uma tempestade alemã na terça-feira, provocada pelas revelações sobre os programas de vigilância Prisma e "Boundless Informant" (Informante Sem Limites, em tradução livre) –quem é que cria esses nomes?– da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

Nenhum país, depois dos nazistas e da Stasi (a polícia secreta da Alemanha Oriental), nutre sentimentos tão intensos a respeito da privacidade pessoal quanto a Alemanha. A própria palavra "Datenschutz", ou proteção de dados, é reverenciada. A noção de que os Estados Unidos podem ter acesso a e-mails, contas do Facebook ou conversas pelo Skype de cidadãos alemães foi descrita como "monstruosa" por Peter Schaar, a autoridade responsável pela fiscalização das leis de privacidade da Alemanha. Quando a burocracia alemã começa a falar sobre comportamento americano monstruoso, tome nota.

O que foi roteirizado como uma celebração dos laços entre alemães e americanos no 50º aniversário do discurso "Ich bin ein Berliner" de Kennedy, se transformou em uma visita presidencial altamente carregada ressaltando como dois países, que antes tinham a mesma visão sobre um inimigo comum –a União Soviética– agora pensam de modo diferente sobre ameaças globais e como equilibrar a segurança e liberdade ao enfrentá-las.

Não causaria surpresa se Obama enfrentasse uma faixa ou duas no Portão de Brandemburgo comparando os Estados Unidos à Stasi; ou, em uma alusão ao arrepiante filme sobre o serviço de espionagem da antiga Alemanha Oriental, acompanhada de uma censura: "Estados Unidos, Respeitam a Vida dos Outros".

Há meio século, Kennedy disse: "A liberdade apresenta muitas dificuldades e a democracia não é perfeita, mas nós nunca tivemos que erguer um muro para manter nossas pessoas dentro, para impedi-las de nos deixar". A história prega truques diabólicos até mesmo aos mais bem-intencionados: Obama precisa encontrar uma linguagem tão direta agora para acalmar a fúria alemã com o que visto como uma invasão americana às suas liberdades essenciais.

Dizer que as ações americanas foram legais segundo a Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (FISA, na sigla em inglês), como aparentemente foram, não bastará. Trata-se de uma crise de credibilidade americana. Hillary Clinton tornou uma Internet aberta e segura, apoiando a liberdade por todo o mundo, em um pilar de seu cargo como secretária de Estado. Ela a chamou de a agenda do "estadismo do século 21". Era um programa importante. Mas ele não sobrevive se seus principais defensores –os Estados Unidos– revelam ser os principais defensores da vigilância global em massa. Não é de estranhar que chineses e russos estejam se deleitando: Estão vendo, nós dissemos!

No mês passado, Obama fez um discurso importante sobre segurança e liberdade na Universidade de Defesa Nacional. Foi sobre o equilíbrio americano perdido. Ele reconheceu que na guerra ao terror em aberto, pós 11 de Setembro, o presidente recebeu "poderes ilimitados" e que os Estados Unidos "comprometeram nossos valores básicos". Ele prometeu colocar um fim a essa guerra impossível de vencer ("Esta guerra, como todas as guerras, deve terminar") e reduzir o programa de ataques com aeronaves não tripuladas. Isso representou um compromisso de revogar o que tem sido, em alguns aspectos, um Estado de Emergência não declarado.

Há um paralelo entre as aeronaves não tripuladas e o programa de vigilância. Excessos são inevitáveis quando não há controles e supervisão. Um robô voador se transforma em um exército deles lançando bombas. Um pedido de monitoramento de uma conta de e-mail se transforma em uma tecnologia visando capturar todo o tráfego de Internet que passa pelos Estados Unidos. E os alemães passam a ter pesadelos sobre pegadas digitais de suas vidas armazenadas em uma vasta instalação em Utah.

Obama precisa reprisar parte de seu discurso sobre o reequilíbrio americano e o fim da desorientação pós-11 de Setembro. Ele precisa esclarecer como e por que os pedidos são feitos ao tribunal da FISA para aprovação de monitoramento das atividades online de estrangeiros (no ano passado, foram feitos 1.856 pedidos da FISA, 100% deles aprovados). Ele precisa demonstrar que o que foi feito é proporcional à ameaça. Os europeus –e os americanos– têm o direito de saber mais sobre os padrões aplicados nesse tribunal secreto. O Google e outras empresas querem publicar os termos dos pedidos baseados na FISA: isso seria de ajuda. Ninguém sabe se um pedido individual baseado na FISA envolve uma conta de e-mail ou milhares. Assim como as aeronaves não tripuladas, Obama deve se comprometer com uma redução por meio de maior supervisão e prestação de contas.

Se o presidente fala sério a respeito de colocar um fim à guerra que teve início há cerca de 12 anos, Berlim é um bom lugar para promover essa causa. Ela é a cidade pós-Guerra Fria por excelência, uma demonstração vibrante de como o poder americano a serviço de seus valores pode promover a liberdade.

Angela Merkel, que cresceu do outro lado do Muro, pressionará Obama a respeito da vigilância. Dada a fúria nacional, é uma necessidade política para ela. Mas indignação não basta para a Europa. É preciso se erguer e ajudar os Estados Unidos a defenderem a liberdade na Internet.

Ben Scott, que foi consultor de políticas de inovação no Departamento de Estado no governo Clinton e que está atualmente em Berlim, me disse: "Para ter credibilidade no palco global, agora é preciso mais do que os Estados Unidos pressionando pela liberdade na Internet –e a União Europeia poderia ser particularmente importante".

Essa agenda importa; de fato, eu não consigo pensar em uma mais importante para o século 21. Basta olhar para a Turquia.

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