terça-feira, 18 de junho de 2013

"A hesitação dos EUA em intervir contra Assad ainda é extraordinária"

O mundo gira em velocidade e direções até agora desconhecidas. Ian Bremmer (nascido em 1969 nos EUA), presidente do Grupo Euroasia, dedica-se a tentar entender para onde vamos e identificar os riscos que os países encontrarão, e sobretudo os investidores que têm o olhar além de suas fronteiras.

Bremmer descreve um mundo no qual sua teoria do G0 ganha terreno. Quer dizer, no qual não existe uma potência ou um grupo delas capazes de segurar a batuta. É um mundo mais desordenado, com um equilíbrio de forças mais complexo e provavelmente mais instável. Esse cientista político esteve na semana passada em Madri para falar no fórum de empresários ESADEgeo sobre os riscos das mudanças geopolíticas que se avizinham. Bremmer fez uma parada no caminho para conversar com este jornal.

El País: Começa o G8. O senhor acredita mais no que chama de GRAV0, um mundo sem potências dominantes. Será mais estável?
Ian Bremmer: O G0 é uma ausência de governo global, e não é bom. As instituições que nos governavam e que eram basicamente controladas pelos EUA e seus aliados, não funcionam mais. Ninguém fora da Europa se interessa, por exemplo, em resgatar os europeus; não há nada parecido com um Plano Marshall, a Síria é o exemplo mais claro. A Síria está contaminando a região de forma muito perigosa. Os russos atuam, os catarianos também, e até agora os EUA não fizeram nada. Há cinco anos a conversa teria sido outra. O sistema G0 é simplesmente menos eficiente.

El País: A decisão de Obama de armar os rebeldes sírios muda a equação?
Bremmer: Não. Obama não fala sequer em estabelecer uma zona de exclusão aérea, e sim em mais apoio militar, o que certamente é algo com que os europeus já haviam concordado. A hesitação americana continua sendo extraordinária.

El País: Até que ponto tem a ver a hesitação dos EUA em participar de conflitos globais depois do Iraque e do Afeganistão no novo equilíbrio geopolítico?
Bremmer: Os EUA querem atuar menos. Em parte porque querem gastar menos por causa da crise econômica, mas sobretudo porque não entendem por que deveriam fazê-lo. A China leva uma boa porcentagem do petróleo iraquiano, e foram os EUA que gastaram o dinheiro e seus soldados que morreram. Em todo caso, o G0 não é só por causa dos EUA, mas por muitas razões. Há mais países importantes no mundo com os quais coordenar-se. Têm outras prioridades. São pobres, têm sistemas políticos diferentes, o mais importante é o caso da China, um país autoritário e com capitalismo de Estado, e com o qual às vezes não estamos de acordo. Por outro lado, esses países não têm capacidade para liderar, mesmo que quisessem. Não têm a história de ajuda humanitária, a diplomacia... Além disso, os aliados americanos estão muito ocupados. Os europeus têm seus próprios problemas, os japoneses estão concentrados em sua economia.

El País: A China também não quer liderar?
Bremmer: Não, não está interessada. Odeia a responsabilidade global. Quer participar só naqueles lugares onde tem interesses econômicos diretos.

El País: Onde fica a Europa em tudo isso?
Bremmer: Será menos relevante. O Reino Unido tem uma crise existencial sobre se quer ficar na UE. Se não quiser, representaria um enorme problema para os europeus. A zona do euro está se coordenando melhor e dotando-se de regras - bancárias, fiscais... -, mas com um enorme custo social em desigualdade, desemprego juvenil, deslegitimação dos governos. A recessão que continua na Europa sem sinais de recuperação faz que os europeus sejam hoje muito menos relevantes. É evidente. Os alemães sim, são relevantes. Os chineses viajam para a Alemanha o tempo todo, querem trabalhar com eles.

El País: É uma perda de relevância irreversível?
Bremmer: Se o Reino Unido superar o referendo e se os europeus forem capazes de ser mais competitivos e se os mercados se fortalecerem e se os gregos voltarem aos mercados... Mas seriam mudanças lentas, que partem de um ponto muito desfavorável. A situação vai piorar ou no máximo vai melhorar muito lentamente.

El País: Fala-se ultimamente em como o grande vazamento do jovem Snowden vai afetar a administração do presidente Obama. É para tanto?
Bremmer: Na medida em que soubermos mais, se tornará mais polêmico. A revolução da informação fortalece os indivíduos, mas a revolução dos dados dá mais poder aos países e às empresas. Veja o grande vazamento, veja a China, o Irã, onde a revolução verde foi arrasada graças ao controle das redes sociais pelo governo iraniano. Os chineses são bons para controlar e os americanos também. Google e Facebook também. As grandes instituições - empresas e governos - estão se tornando incrivelmente eficazes para controlar e utilizar dados em seu próprio benefício. Parte disso será para o bem comum, e parte não. Essa é uma batalha global que apenas começou.

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