sexta-feira, 26 de abril de 2013

Além da crise financeira, a Itália precisa enfrentar a estagnação política

O presidente italiano Giorgio Napolitano

Com o passar do tempo, Giorgio Napolitano foi se parecendo cada vez mais com Sísifo, o personagem mitológico condenado pelos deuses a empurrar eternamente para o topo de um monte uma rocha que sempre voltava a cair ao vale. Napolitano dedicou sua vida pública a empurrar a Itália para maiores alturas, para uma política decente a serviço dos interesses da coletividade. Mas na época republicana a política italiana nunca conseguiu caminhar muito fora dos lamaçais.

A missão de formar governo de Enrico Letta é a enésima tentativa de Napolitano de empurrar a Itália para a frente. Vem depois de uma hábil jogada: um duro discurso no Parlamento em que o respeitado mandatário censurou os partidos, diante de todo o país, por seu egocentrismo e imaturidade. Essa bronca limita muito a margem de manobra para novos joguinhos partidários.

Napolitano sabe que a Itália precisa virar essa página política para sair da estagnação em que se encontra. A nomeação do governo técnico de Monti tinha essa intenção. Mas sabe também que a elite do fórum torpedearia qualquer tentativa de mudança radical. A eleição de Letta responde a esses dois elementos. O encarregado de formar governo tem 46 anos, e em um país tão gerontocrático quanto a Itália representa uma mudança geracional, depois da qual seria muito difícil voltar atrás. Mas ao mesmo tempo é um homem do fórum, muito próximo de Prodi e sobrinho de Gianni Letta, executor de ordens políticas de Berlusconi.

O ex-primeiro-ministro vê como um bom escudo ser parte imprescindível de um governo de coalizão. O PD (Partido Democrático), por sua vez, precisa de tempo para se reorganizar depois de seus múltiplos fracassos recentes. Isso aumenta as opções de Letta.

Mas Letta por sua parte tem pouca margem de manobra, porque o fórum se encontra literalmente cercado. O mal-estar dos italianos está em autêntica ebulição, como demonstra o grande sucesso de Beppe Grillo - carismático e populista antissistema - e de Matteo Renzi, jovem prefeito de Florença, do PD, conhecido como o demolidor (do antigo regime). Ambos cavalgam o mesmo poderoso sentimento de cansaço da cidadania para com uma classe dirigente colada com cimento às poltronas do poder.

As classes dirigentes italianas desenvolveram desde a Idade Média uma diabólica capacidade para conservar sua posição e seus privilégios, por meio de eficazes tramas de corporações, legislações, pactos. Mudanças e reformas de calado raramente acontecem de forma natural. São necessários terremotos: o surgimento do fascismo, que arrasou o frágil sistema liberal do início do século; a Segunda Guerra Mundial, que deu lugar à República democrática; Tangentopoli, que acabou com quatro décadas de domínio democrata-cristão.

De modo significativo, embora Tangentopoli fosse um autêntico sismo - em seu clímax, uma turba de gente enfurecida chegou a atirar moedas contra Bettino Craxi, que se exilou na Tunísia -, depois do vendaval subiram ao poder muitos lugar-tenentes da classe dirigente anterior.

O mal-estar de hoje lembra o de então. Mas hoje há, além disso, uma crise econômica que obscurece ainda mais o cenário. Se voltar a cair, a rocha que Napolitano empurra para cima mergulhará em um abismo muito profundo.

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