sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Revoluções caminham para uma nova era no mundo árabe
É uma revolução e seu caminho, como o de todas as revoluções, é incerto. A rapidez com que caíram os dois primeiros ditadores, Ben Ali e Mubarak, pode criar a ilusão de um movimento instantâneo, limpo e elétrico como a tecnologia usada pelos revolucionários para se comunicar. Nada mais distante da realidade: uma revolução é mais um processo que um acontecimento. Seus caminhos são sinuosos e com frequência não conduzem a nenhum lado ou voltam ao ponto de partida. Têm mais de labirinto escuro que de alameda luminosa. Seu êxito não está assegurado nem é como um passeio militar.
Os egípcios, à diferença dos tunisianos, só despacharam o faraó, o que já é muito. Mas não tocaram no sistema, uma ditadura militar desde a própria fundação da República em 1953, depois da expulsão do rei Faruk por parte dos Oficiais Livres, encabeçados por Gamal Abdel Nasser. Nem sequer a ideia da ditadura castrense explica o que é o exército egípcio. Seu papel no sistema econômico é central, como o é na preservação do núcleo vital dos grandes interesses e pactos estratégicos (Israel, EUA) que definem o Egito contemporâneo.
Para Shadi Hamid, diretor de pesquisa do centro que tem em Doha (Catar) o grupo de pensadores americano Brookings Institution, "a revolução egípcia, em vez de representar uma ruptura brusca com o passado, pode ser muito melhor entendida como um golpe militar de inspiração popular" ("The Arab Awakening" [O despertar árabe], vários autores; Brookings Institution Press).
O ponto a que chegou agora, a poucos dias da primeira eleição para um novo Parlamento, é a segunda fase da revolução, na qual há uma disputa entre os sócios anteriores, os manifestantes e os militares; uns para substituir o atual poder militar por um poder civil e os outros para continuar ganhando tempo e evitá-lo.
Os militares egípcios se conduzem, como os militares de quase todo o mundo, pelo mito que os identifica com o povo ao qual se supõe que defendam. Daí que evitem ou adiem até o limite a decisão de disparar contra seu próprio povo quando creem que estão em jogo os interesses supremos. Inclusive quando o fazem, como já aconteceu este ano em várias ocasiões, e hoje mesmo, evita-se usar a tropa e a fuzilaria, e se mascara para iludir um ponto sem retorno no qual o poder militar careça de toda margem fora da repressão. A tentação de explicar Tahrir como Tiananmen, a praça de Pequim onde o exército chinês massacrou os estudantes em 1989, conta com poderosos argumentos dissuasivos, sobretudo pelo prisma dos próprios militares.
O marechal Tantaui não pode admitir nem sequer que a instituição que preside tenha desejos ou intenções de se perpetuar no poder. Ele marcou data, julho de 2012 o mais tardar, para eleições presidenciais que devem situar na cúpula do Estado o primeiro presidente civil da história, e defendeu a necessidade de um referendo para decidir se os militares devem entregar o poder imediatamente. Mas não negou, por outro lado, nenhuma das pretensões castrenses, como manter um estatuto especial de guardiões da Constituição, contar com orçamentos e investimentos fora da ação e do controle parlamentar e continuar com um domínio reservado em um setor da economia que é avaliado em 25% do PIB egípcio. Por isso é de temer que manobre e manipule a agenda eleitoral, e as urnas se for preciso, para sair desta com o poder militar intacto.
Há uma situação de duplo poder, o militar por um lado e o da rua pelo outro, que a Fraternidade Muçulmana quer desequilibrar em seu proveito. Também há dois modelos em concorrência: o de uma república tutelada pelos militares e o de uma democracia islâmica. Ambos são de inspiração turca, embora se refiram a épocas diferentes: o primeiro da Turquia de Ataturk e o segundo da Turquia de Erdogan e seu partido Justiça e Desenvolvimento. Pode ser que do cruzamento e acordo entre ambos saia um híbrido pior, no qual cada um dos vetores mantenha sua vigilância, militar e religiosa respectivamente, ao estilo do muito iliberal modelo saudita.
O futuro das revoluções árabes é jogado novamente em Tahrir. Em maio de 1968 ficou famosa uma frase: "É apenas o começo, continuemos o combate". Era falsa: foi o final de uma época e quase não houve mais combates de barricada como aqueles. Agora é o contrário, os últimos compassos revelam que, prestes a se completar um ano do começo, ainda estamos no começo, o longo começo de uma revolução incerta. Se o Egito avançar para a supremacia do poder civil, a revolução receberá um novo impulso. Já sabemos o que acontecerá se os que avançarem e consolidarem posições forem os militares.
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