A descoberta de que um grupo neonazista esteve por trás do assassinato de vários imigrantes durante seis anos de prática de homicídios está ameaçando se transformar em um escândalo para os serviços de segurança da Alemanha, que enfrentam questões incômodas sobre seu fracasso em lidar com o terrorismo de direita.
Os "Nacionais Socialistas na Clandestinidade", compostos por pelo menos três membros, dois homens e uma mulher, reivindicaram a responsabilidade pela morte de oito turcos e um grego entre 2000 e 2006, assim como o assassinato de uma policial alemã em 2007, assim como dois atentados a bomba nos quais mais de 20 pessoas, a maioria com ligações com imigrantes, foram feridas.
Em uma reviravolta bizarra, os políticos pediram na última terça-feira (15) pela investigação urgente dos relatos de que um funcionário da agência de inteligência doméstica, o Escritório Federal para a Proteção da Constituição, esteve na cena de um dos crimes –a morte de Halit Y., 21 anos, em um cibercafé em Kassel, em 6 de abril de 2006.
Esse fato não é novo –o funcionário foi entrevistado pela polícia anos atrás e eliminado de suas investigações. Mas apesar de considerado irrelevante, o fato torna o caso ainda mais embaraçoso para a agência, que está sob fogo intenso por seu aparente desconhecimento da presença de uma célula neonazista homicida na Alemanha por mais de uma década.
O agente, supostamente descrito como "Pequeno Adolf" pelos colegas por ter posições de extrema direita, disse à polícia na época que estava por acaso no cibercafé, para contatar mulheres em salas de bate-papo, e que não viu o assassinato, que aconteceu em outra parte do café. Não está claro se ele deixou o café pouco antes do assassinato a tiros ou se não ouviu os disparos porque os assassinos usaram um silenciador.
Mas as autoridades disseram que o homem estava próximo das cenas de quatro outros crimes. Hans-Peter Uhl, um membro da União Democrata Cristã (CDU) de Merkel, disse na terça-feira que o comportamento do agente levantou “dúvidas consideráveis”. O agente foi demitido e atualmente trabalha para o governo local no Estado de Hesse, no oeste.
DVD assustador
Os dois homens do trio terrorista, Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, foram encontrados mortos em 4 de novembro em uma van na cidade de Eisenach, no leste, após aparentemente terem cometido suicídio. A mulher, Beate Zschäpe, se entregou para a polícia após aparentemente ter incendiado uma casa na cidade de Zwickau, no leste, onde o trio vivia.
Ao revistar a casa incendiada, a polícia encontrou quatro DVDs, embalados e prontos para serem enviados ao Partido de Esquerda, várias organizações de notícias e centros culturais islâmicos, nos quais o grupo se gabava das mortes, ridicularizava a polícia e mostrava fotos das vítimas ensanguentadas, aparentemente tiradas pelos próprios assassinos. Os homens assassinados eram todos lojistas, dois deles donos de lojas de döner kebabs (uma versão alemã de uma especialidade turca). Como resultado, os assassinos se tornaram conhecidos como os Assassinos Döner.
Por anos, a polícia insistiu que as mortes foram cometidas pela máfia turca ou por grupos nacionalistas obscuros, praticamente descartando qualquer ligação com a extrema direita. Grupos muçulmanos e os filhos dos homens assassinados acusaram as autoridades de fazer vista grossa à ameaça da violência da extrema direita, e por terem se concentrado demais nos últimos anos no combate ao terrorismo islâmico.
Filha da vítima critica a polícia
Gamze K., 22 anos, a filha de Mehmet K., que foi morto a tiros em seu quiosque em Dortmund em 4 de abril de 2006, lembra de como a polícia especulou que seu pai tinha dívidas de jogo ou foi morto por uma esquema de proteção ou pela máfia turca.
"Nós repentinamente estávamos sob suspeita", ela disse ao jornal "Bild". "A polícia permaneceu à procura de negócios escusos supostamente feitos pelo meu pai. A polícia não levou a sério nossa suspeita de que poderiam ter sido neonazistas."
"Eu acho que há algo errado aqui", ela disse. "Por que os assassinos repentinamente se mataram? Não eram apenas os três, há pessoas influentes por trás deles."
O caso provocou pedidos urgentes de reforma do Escritório Federal para a Proteção da Constituição, que foi criado para combater grupos extremistas e proteger a ordem democrática na Alemanha do pós-guerra. Ele conta com 16 divisões regionais, uma para cada um dos Estados da Alemanha, e a divisão do Estado de Turíngia, onde o trio vivia, está particularmente sob escrutínio.
Terroristas estavam nos arquivos da polícia
Segundo informação obtida pela "Spiegel", Böhnhardt, Mundlos e Zschäpe eram conhecidos pela divisão de Turíngia da agência nos anos 90, quando se envolveram na cena neonazista local. Eles fabricavam bombas falsas e juntavam armas e explosivos, mas as autoridades os perderam de vista em janeiro de 1998, quando entraram na clandestinidade e deram início a 13 anos de homicídios, atentados a bomba e a suspeita de 14 assaltos a banco.
O caso também colocou em dúvida a prática da agência de manter informantes pagos na cena neonazista e no Partido Nacional Democrata (NPD) de extrema direita. Os críticos dizem que o sistema claramente não está funcionando e que pode até mesmo estar não intencionalmente financiando as atividades da extrema direita.
Por exemplo, a agência pagou na Turíngia um total de 200 mil marcos (102.258 euros) para um homem chamado apenas de Tino B. O homem é chefe da Proteção Doméstica de Turíngia, um grupo neonazista ao qual os três terroristas pertenciam nos anos 90. Ele não parece ter alertado as autoridades sobre seus três companheiros perigosos.
A presença de informantes pagos é controversa por outro motivo –ela impediu a tentativa legal de proibir o NPD em 2003, quando o Tribunal Constitucional decidiu que a presença de informantes da agência, alguns em altos cargos dentro do partido, prejudicaria o caso.
A chanceler Angela Merkel pediu por uma revisão sobre se o NPD deve ser banido. O partido é visto como principal suporte da cena neonazista na Alemanha. Mas para ter qualquer chance de sucesso, uma tentativa legal de banir o NPD exigiria o corte dos laços com os informantes, sacrificando a capacidade das autoridades de monitorar o funcionamento interno do partido.
O ministro do Interior, Hans-Peter Friedrich, pediu por uma melhor coordenação entre as autoridades de segurança regionais e nacionais.
Muitas perguntas
Há muitas perguntas não respondidas neste caso, a principal sendo se os Nacionais Socialistas na Clandestinidade tinham mais membros ou ajudantes dentro da cena de extrema direita. Um suspeito de ser ajudante, um motorista de empilhadeira chamado apenas de Holger G., foi detido na última segunda-feira (14) sob suspeita de ter ajudado o trio, ao lhes dar sua carteira de motorista em 2007 e seu passaporte há quatro meses. Pode haver ainda mais. Alguns se perguntam como o grupo financiava a si mesmo. Seus assaltos a banco desde 1999 supostamente renderam 70 mil euros –valor insuficiente para se sustentarem durante todo esse período.
Dúvidas também cercam os aparentes suicídios de Böhnhardt e Mundlos na van deles. Um deles teria recebido um tiro no peito, noticiou o tabloide "Bild" –um método incomum de suicídio. Além disso, ambos foram mortos por balas de rifle. Pistolas são mais comuns em suicídios.
O assassinato de uma policial em 2007, na cidade de Heilbronn, no sul, também é um mistério. Ela levou um tiro na cabeça enquanto estava sentada em seu carro. O colega dela também foi baleado e gravemente ferido. Por que correr tamanho risco assassinando um policial? Por que os assassinos mantiveram as armas que os incriminariam? Os investigadores que revistaram a van e a casa incendiada em Zwickau encontraram as pistolas Heckler & Koch P 2000 dos policiais e a Ceska 7.65 mm usada por Browning nos Assassinatos Döner. Eles também encontraram as algemas da policial, seu spray de pimenta e sua faca Victorinox do Exército Suíço. Será que foram mantidos como troféus?
E quanto aos DVDs? Como sobreviveram ao incêndio que até mesmo derreteu as armas? "Segundo nossa informação oficial, os DVDs foram protegidos pelos escombros da casa em Zwickau", disse um investigador. "Mas eu reconheço que este fato levanta dúvidas."
Finalmente, existem mais células terroristas neonazistas? Grupos antirracismo dizem que foi permitido que o extremismo de direita crescesse em partes do leste da Alemanha, com os neonazistas ficando encarregados de corpos de bombeiros voluntários, da organização de atividades de lazer da juventude e até mesmo pela administração dos birôs de orientação para benefícios do bem-estar social nas regiões rurais, que sofreram com perda de população e declínio econômico desde a unificação em 1990.
Segundo os especialistas, esse é um campo fértil para se unirem e passaram das agressões a estrangeiros para o planejamento de assassinatos e ataques a bomba.
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