quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Em Panjshir, a volta da febre anti-talebans, dez anos depois de sua queda

O feudo do comandante Massoud se organiza após o assassinato de Burhanuddin Rabbani

1º Tenente da USAF, Kathryn Miles, uma engenheira do Time de Reconstrução lotado em Panjshir, visita junta com Shah Murza, um representante do Ministério da Agricultura do Afeganistão, o distrito de Anaba para avaliar a possibilidade de construção de um reservatório de água

O mulá Suleiman tem a testa alta, o nariz aquilino e a barba cheia. Ele está sentado de pernas cruzadas sobre um tapete vermelho-sangue, com seu filho de 2 anos sobre sua coxa. Tratados islâmicos amontoam-se na beirada da janela.

Do lado de fora, um riacho corre sobre um leito de pedregulhos à sombra de folhagens que amarelecem. Abaixo, a vila de Bazarak se exibe ao longo de uma estrada única que serpenteia ao pé de vales, encostas terrosas vincadas pela neve derretida. Acompanhando a faixa do asfalto, o rio Panjshir despeja suas águas esmeralda, espumando sobre suas saliências rochosas.

Ouvindo o mulá Suleiman, entende-se melhor aquilo que o Panjshir, esse vale tadjique que rasga a cordilheira de Hindu Kush, 150 quilômetros ao norte de Cabul, tem de tão particular no Afeganistão. “É impossível conversar com os talebans!”, ele exclama. O mulá está em total harmonia com os humores de um vale habitado por inebriantes lembranças. A resistência contra o Exército Vermelho (1979-1989), e depois contra o regime taleban (1996-2001) formou aqui um espírito fanfarrão, um pouco altivo, que os atuais mestres de Cabul temem de maneira inconfessa.

Testemunha desse passado de bravatas, o culto do comandante Ahmad Shah Massoud – assassinado no dia 9 de setembro de 2001 pela Al-Qaeda – é cuidado com fervor. O rosto de águia do herói é exibido em toda parte, nos vidros dos carros, nas vitrines das lojas, no chão pintado a cal das casas. A memória está lá, obcecante, cheia dessas carcaças de tanques russos que ainda se enferrujam nas margens úmidas, herança que não deve ser tocada. O espetáculo intacto de vilas arrasadas, esmagadas por rajadas de balas, contribui para a lenda de chumbo do Panjshir.

Aos 45 anos, o mulá Suleiman combatia sob as ordens do “Leão do Panjshir”. Ele chegou a ser um comandante local, com duzentos homens sob sua autoridade. Hoje, ele sorri quando oferece o chá, mas está preocupado. Dez anos após a queda do regime taleban, para a qual os panjshiris contribuíram com o apoio dos bombardeiros americanos – a intervenção “Enduring Freedom” (“Liberdade Persistente”) havia sido desencadeada no dia 8 de outubro de 2001 em resposta aos atentados de 11 de setembro - , a febre volta a subir no vale.

O assassinato, no dia 20 de setembro, em Cabul, de Burhanuddin Rabbani, líder histórico do partido Jamiat-e-Islami, do qual as tropas de Ahmad Shah Massoud foram o braço armado, despertou o espírito de resistência.

O nervosismo é ainda mais intenso pelo fato de que Rabbani havia sido encarregado pelo presidente Hamid Karzai de negociar a paz com o movimento taleban, insurreição surgida de terras pashtuns do leste e do sul afegão. “Eles mataram uma figura de paz”, lamenta o mulá Suleiman. “Não se pode confiar de jeito nenhum nos talebans, sobretudo quando eles são apoiados pelo Paquistão, que quer destruir o Afeganistão.”

Mas o mais grave, na opinião do mulá Suleiman, é que o assassinato de Rabbani não é um caso isolado. Ele faz parte de uma longa lista de atentados que recentemente custaram a vida de antigos comandantes da Aliança do Norte, a coalizão antitaleban dos anos 1996-2001, da qual os panjshirs foram a base. “Se essa campanha de assassinatos continuar”, ele diz, “as pessoas do vale ficarão tentadas a pegar novamente nos fuzis. É lógico.”

Ao lado do mulá, Mohammed Saleh concorda com a cabeça. Esse habitante de barba grisalha e jaqueta cinza sobre sua túnica bufante, fala de maneira nervosa e rude. Ele não gosta de ocidentais. “O Ocidente não está realmente conduzindo a guerra no Afeganistão, você está fazendo jogo duplo”, ele argumenta. “Os americanos não estão aqui para lutar contra os talebans, mas sim para assumir posições na Ásia Central contra a Rússia e a China. Se o Ocidente fosse honesto conosco, ele deixaria que pegássemos de novo em armas, e acabaríamos com os talebans em três meses.”

O Panjshir é hoje a província mais tranquila do Afeganistão. Mas até quando? O vale parece se tensionar em uma paranoia da conspiração, uma fobia da infiltração, voltando aos seus antigos instintos de fortaleza sitiada. As redes de informação que o comandante Massoud havia tramado dentro dos vilarejos foram reativadas. O próprio mulá Suleiman deu sua contribuição. “Em minhas preces da sexta-feira na mesquita, peço para que as pessoas redobrem a atenção, tomem cuidado com os visitantes estrangeiros no vale e avisem a polícia se tiverem qualquer suspeita”. Na fortaleza de Panjshir, as portas estão prestes a se fechar novamente.

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