“Sala de Guerra” do governo censura tudo que seja considerado ofensivo à monarquia
Em meio a um labirinto de corredores iluminados por lâmpadas fluorescentes, em um enorme edifício governamental de Bancoc, há uma sala sem janelas na qual técnicos em computação vasculham fotos e arquivos publicados na Internet, bem como mensagens de Facebook e tudo mais que possa ser considerado ofensivo ao rei Bhumibol Adulyadej e à sua família.
Os técnicos trabalham no Departamento de Prevenção e Supressão de Crimes de Tecnologia de Informação. O governo que assumiu o poder em julho prefere chamar o local de “sala de guerra”, a sede de uma campanha vigorosa e em expansão para eliminar os insultos na Internet dirigidos à realeza.
A iniciativa repressiva, que as autoridades prometeram intensificar, está sendo executada por uma equipe de dez especialistas em computação liderados por Surachai Nilsang, cujo título é “ciberinspetor”.
“O que nos motiva a fazer o nosso trabalho é o amor e a adoração pela monarquia”, disse Surachai durante uma entrevista de duas horas. Ele e os seus colegas mostraram a um repórter a sala de guerra e uma área adjacente que contêm computadores confiscados – como provas – de suspeitos acusados de insultar a monarquia. Foi a primeira visita de um jornalista a essas instalações. As autoridades não permitiram que fossem tiradas fotografias.
A visita revelou a magnitude da batalha do governo contra os indivíduos céticos em relação à monarquia que se manifestam na Internet. Mas ela também expôs as dificuldades para determinar o que exatamente se constitui em um insulto, algo que foi enfatizado por aqueles indivíduos na Tailândia que dizem que a campanha contra os inimigos da realeza é um atentado contra as liberdades civis.
Muitos governos, especialmente os da China e de Cingapura, tentam há anos controlar o fluxo de informações na Internet. Mas talvez em nenhum outro país essa missão seja tão explícita e intensa quanto na Tailândia.
Os técnicos da sala de guerra bloquearam 70 mil páginas da Internet nos últimos quatro anos, e a grande maioria delas – cerca de 60 mil – foi proibida devido a insultos à monarquia, disse Surachai. A maioria das páginas foi bloqueada por pornografia. O bloqueio de cada página exige um mandado judicial, um pedido que os juízes jamais recusaram, disse ele.
Como a monarquia continua sendo um assunto tabu na Tailândia, sendo frequentemente discutida de forma elíptica, as motivações daqueles que atacam a família real continuam sendo objeto de especulação. Nunca houve manifestações públicas contra o rei, que ocupa o trono há seis décadas. E nem mesmo os mais estridentes manifestantes contrários ao establishment ousariam se declarar abertamente republicanos.
Mas a Internet é o local em que os antigos hábitos de deferência para com a monarquia colidem com a irreverência e a informalidade da geração Facebook.
Embora os tailandeses possam ter medo de se rebelar publicamente contra as ortodoxias aceitas, eles fazem críticas cáusticas na Internet com satisfação, frequentemente de forma anônima.
Surachai disse que o número de páginas contendo sentimentos anti-monarquia aumentou drasticamente após o golpe militar de setembro de 2006. O golpe dividiu profundamente a sociedade tailandesa e resultou na criação dos “Camisas Vermelhas”, um movimento que se opõe a intervenções das forças armadas na política e que apoiou o primeiro-ministro deposto Thaksin Shinawatra.
Para muitos estrangeiros, a Tailândia é um país liberal e divertido no qual o império da lei muitas vezes se dobra como um junco ao vento. Mas a “instituição”, conforme a monarquia é chamada aqui, é uma exceção a essa ideologia liberal. Muitos tailandeses perdem o senso de humor quando se trata de defender o rei.
A ansiedade está aumentando quanto à saúde do rei Bhumibol, que fará 84 anos em dezembro. O rei passou os últimos dois anos no hospital e as suas aparições públicas são cada vez mais raras.
Quem quer que “difamar, insultar ou ameaçar o rei, a rainha, o herdeiro aparente ou o regente” poderá ser condenado a até 15 anos de prisão. Além disso, a Lei de Crimes de Computação, que foi instituída pelo governo instaurado pelos militares em 2007, prevê penas de até cinco anos de prisão para a disseminação digital de informações que ameacem a segurança do país ou violem a “paz e a concórdia ou a boa moral do povo”.
Alguns casos de lesa-majestade são óbvios, disse Surachai. Ele não hesita em bloquear qualquer página da Web que mostre uma foto do rei com uma pé acima da sua cabeça, o que se constitui em um grave insulto. Surachai disse que uma outra ofensa evidente é a prática de utilizar um pronome bastante informal antes do nome do rei, uma das diversas sutilezas da língua tailandesa que se perdem na tradução.
Mas muitas vezes a caça aos insultos reais é mais sutil. “Eles geralmente usam metáforas”, disse Surachai, referindo-se aos supostos criminosos. “Eles possuem as suas próprias palavras em código”.
O governo aumentou o orçamento destinado à sala de guerra e o número de funcionários em breve crescerá para possibilitar que o departamento opere 24 horas por dia. Muitos comentários lesa-majestade são colocados na Internet após a meia-noite e durante a madrugada, dizem os técnicos da sala de guerra.
Mas a campanha contra os insultos reais, que alguns comparam a uma caça às bruxas, preocupa muita gente, incluindo um grupo de escritores, acadêmicos e artistas que dizem que a lei de lesa-majestade pode facilmente resultar em abusos.
Em agosto deste ano, um grupo de 112 professores, tailandeses e estrangeiros enviou uma carta aberta ao primeiro-ministro Yingluck Shinawatra dizendo que a iniciativa repressiva ameaça “o futuro da democracia na Tailândia”.
O jornal de língua inglesa “The Bangkok Post” declarou em um editorial recente que o uso da Lei de Crimes de Computação está descontrolado.
“A lei tem sido utilizada para destruir ou bloquear dezenas de milhares de websites sem que seja apresentada nenhuma prova clara de que uma infração tenha sido cometida”, criticou o jornal. “Parece extremamente improvável que todos esses websites tenham violado as leis de lesa-majestade”.
Um caso em particular chamou atenção. Chiranuch Premchaiporn, ex-webmaster de um popular website tailandês, o Prachathai, está sendo julgada devido a comentários que ela publicou no site e que foram considerados insultuosas à monarquia. Chiranurch declarou no tribunal que lia regularmente as milhares de mensagens publicadas diariamente no fórum e apagava os comentários potencialmente ofensivos assim que os encontrava. Os promotores alegam que ela não agiu com rapidez suficiente.
O julgamento chamou a atenção das maiores companhias de Internet do mundo, incluindo a eBay, o Google e o Yahoo. Uma associação do setor, da qual estas companhias foram cofundadoras, a Asia Internet Coalitions, divulgou uma declaração em 8 de setembro último dizendo que a aplicação da Lei de Crimes de Computação poderia fazer com que companhias globais da Web se recusassem a atender a clientes na Tailândia.
“Ao responsabilizar um intermediário pelas ações dos seus usuários, esse processo abre um perigoso precedente e tem um significante impacto de longo prazo na economia da Tailândia”, diz a declaração.
Na sala de guerra, os técnicos dizem que estão sofrendo pressões de todos os lados. O departamento deles recebe de 20 a 100 e-mails com reclamações todos os dias. Assim como a própria sociedade tailandesa, os e-mails estão divididos entre os apoiadores e os inimigos da ação repressiva.
Alguns defensores da monarquia adotam posições extremadas. Neste ano, uma mulher do norte da Tailândia, Fahngai Khamasoke, coletou 130 mil assinaturas para uma campanha no sentido de acabar com a democracia na sua modalidade atual na Tailândia e substituí-la por um “governo bom e moral” fiscalizado pelo rei.
Fahngai é tomada pela emoção ao falar sobre a sua campanha. “Nós vimos o quanto o rei se sacrificou por nós”, disse ela em uma entrevista. “Nós sentimos um amor espiritual por ele. É como se ele fosse um deus”.
Na outra extremidade do espectro político estão aqueles que respondem às leis restritivas zombando delas. Uma central de atendimento especial de 24 horas criada pelo governo em 2009 para lidar com os relatos de abusos na Internet recebe dezenas de ligações por dia.
Mas muitas delas são frívolas. “Noventa por cento são trotes”, diz Nut Payongsri, um dos técnicos da sala de guerra.
Surachai, o diretor da sala de guerra, disse que frequentemente pede orientação aos seus superiores.
Ele usa um “spider” (“aranha”), um programa de computação especializado que vasculha a Internet e identifica conteúdos potencialmente ofensivos. Ele consulta frequentemente uma unidade militar especial vinculada ao palácio do rei a fim de verificar a veracidade de algumas mensagens da Internet.
“Quando uma autoridade graduada avalia um determinado caso e decide bloquear um site, nós temos que seguir a determinação dela”, explicou Surachai.
À entrada da sala de guerra ele colocou uma estátua de madeira de um antigo guerreiro chinês brandindo ameaçadoramente uma arma que parece ser uma mistura de cutelo e espada.
A estátua, que representa Guan Yu, um personagem do épico chinês “Romance dos Três Reinos”, parece encarnar o espírito da missão de Surachai como defensor da monarquia.
Surachai disse que ela representa lealdade e honestidade. Ela poderia também representar um soldado que encontra-se preso no fogo cruzado de uma sociedade cheia de conflitos.
“Muita gente recusa-se a fazer este trabalho”, disse Surachai. “Não importa se estivermos certos ou errados; seremos criticados de qualquer forma.
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